TOCAR A VIDA PORQUE A FILA ANDA...

Não gosto de meter a colher no "doce" de outros confrades, mesmo que conheça suficientemente a poesia de apresentação formal clássica (de formas fixas) para poder opinar, mas é uma questão de cânones da contemporaneidade. Não posso – com meu trabalho analítico – avalizar formas poéticas que considero ultrapassadas, além de não me ser prazeroso. Se tiveres paciência para ler alguns de meus textos ensaísticos publicados no Recanto das Letras, verás que exponho publicamente minha restrição ao soneto clássico (criado na atualidade: séc. 21), porque o considero representante da escola de rimação e de silabação fônica, que o escoar do tempo escoimou. E o dito soneto moderno (usual nos dias de hoje) não é soneto, é apenas um poema de quatorze versos... Alguns saudosistas da velha escola resolveram inovar e fazer concessões ao passado... Essa prática deforma a beleza original métrica da sonetística. Entendo que não é uma mera questão de opção estética (escrever em versos rimados ou em versos brancos), mas, sim, identifico os versos sem rimas como uma expressão da contemporaneidade formal pautada pela liberdade de criação. A poesia metrificada traduz a vida plasmada no passado; contém, em sua proposta romanesca, o lirismo que já não mais existe, porque o amar transfigurou-se no “ficar” e nesse rumo das relações afetivas é a imediatidade que modula... O “ficar” era o namoro às escondidas, “atrás da igreja”, como se dizia... Nos dias de hoje é o sexo aberto, na caradura, impudente, as individualidades de modos excessivamente desembaraçados... Certo? Errado? Porém é o que está aí aos olhos da sociedade, tornando regra o que era exceção... Se a vida mudou, transmutou-se, agilizou-se, ganhou novas nuanças, criou ritmo frenético para o pensamento e para o dia-a-dia, como o trânsito e a criminalidade nas cidades, a Poesia também se transfigurou em sua forma, oferecendo o poema curto, sintético, a oralidade mínima; a dialetalidade local do campo e dos guetos de exclusão social, porque a Arte copia a vida... Escafedeu-se dos domínios das classes dominantes, descendo o morro no “funk” e no “hip hop”. O andamento rítmico, o cadenciamento do soneto traduz a placidez da vida a partir do século 13 (com Petrarca), consolidando-se com Shakespeare nos séculos 17 e 18, cursivo de beleza estética coerente com a realidade até o limiar do século 20. Mais além não foi. Vazou-se, no Brasil com Olavo Bilac. O próprio soneto ultrapassou-se temporalmente. A primeira guerra mundial mudou tudo... E espocaram os fogos da rebeldia no Movimento Modernista no Brasil de 1922. E eu sou um desses rebeldes retardatários... E ponto! Rompemos com a rima, mas não rompemos com o ritmo. E isso é o importante: a Poesia se tornou mais palatável, mais ágil, mais bonita, mais versátil... E muito mais difícil de ser concebida – gestada – porque agora, no modernismo, não se tem as muletas da silabação fônica, rimas, esquemas de rimação e apresentação formal de tal ou qual número de versos para a Poesia vir ao mundo. Somente as figuras de estilo vocabular balizam a linguagem codificada que a Poesia, em vez de encerrar, liberta pelo milagre da Palavra em seu vértice mais profundo e conotativo... É só teres o trabalho de ler alguns dos meus textos nas modalidades “ensaios”, “tutoriais” e “tutoriais – dicas” e “teoria literária” (critérios técnicos classificatórios do Recanto das Letras), que obterás a ratificação de tudo isto que ora abordo. Acerca disso me manifestei em vários textos, dos quais já nem lembro o título dos vários estudos publicados. É necessário que pesquises. Nem mais rememoro textos com exatidão, em minha já alentada obra em prosa e verso. Porém, podes estar certo, mergulharei, por vezes, nos teus jardins de poemas da contemporaneidade e me deliciarei, no mínimo, com o teu crescimento. Porque aquele que aceita a crítica intelectualiza-se, cresce, e estimula o analista a aprofundar a linguagem. E, por certo, vai descobrir que o formato dos versos e limitações à criação, sob qualquer ponto de vista formal, já era... A perturbação da consciência, caracterizada por obscurecimento e lentidão do pensamento não pode atingir os lúcidos capazes de criar o bom poema livre, o relato da vida tal como ela é, parece ser ou se imagina que possa vir a ser, sempre em linguagem não derramada, concisa, metafórica. Cada época tem os seus cânones estéticos, seus critérios de beleza... É preciso tocar a vida, porque a fila anda...

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2009/12.

http://recantodasletras.uol.com.br/tutoriais/2284420