ÁGUA PURA DA FONTE

Estimada Lu Narbot, confreira! É assim mesmo quando se inicia – lucidamente – o aprimoramento sobre a criação textual. Em verdade, é a aprendizagem metodológica sobre outra parte constitutiva da arte literária, que não é aquela que vaza prazerosamente através da INTUIÇÃO espontânea, fruto de um momento particular e único. A TRANSPIRAÇÃO é o segundo momento de criação. Todavia, parece que o alter ego (o criador verdadeiro), autor do texto a ser revisado, se antepõe à lucidez do revisor, obscurecendo, por vezes, a trabalhosa reelaboração do rabisco inicial, durante a execução do processo criacional secundário. Nem sempre se consegue retomar a idéia original haurida na inspiração. É oportunidade em que há de se ter profunda concentração. A fuga ao diletantismo tem preço alto. Descobre-se que ESCREVER não é só prazer e fruição, é trabalho duro... Este é o momento que estás vivendo, parece-me... O texto ficou bom, porém, no mérito, é de um diletantismo de dar dó:

“Observo a vida que escoa a meu redor. Penso em quantos, como eu, querem derramar sua alma no papel. Ao impulso do momento, confessam-se, tímidos e envergonhados, mas somente ao papel. Um jorro de palavras espalha sentimentos vários. Mágoas, dores, alegrias, amores, desilusões, ternuras. Sua vivência, enfim. Escritos por impulso,ou duramente trabalhados. Noites insones sobre escritos debruçados, porque o dia a outros labores pertencia. Vidas, rotineiras embora, e escritos que permanecerão ignorados, por ocultos. Haverá alguns talentos, talvez. Perdidos em cadernos que o Tempo amarelou, trancados em gavetas esquecidas. Escritores anônimos, mas eternos sonhadores.”

A quem aproveita uma observação como a que aparece no final do texto? É de um lirismo, de uma inocência que inexiste na vida real, a não ser nos albores das descobertas, no mundo da infância e adolescência. Todo o texto está "amarelecido", como o papel em foi criado o texto... Entendo que as reminiscências pessoais, subjetivas, tomaram conta de todo o escrito, e são apenas PESSOAIS, ou seja, da possessão e domínio do autor... A quem aproveita além do criador e seus alter egos? Se fora texto em POESIA, o sonho poderia estar mais vivo (com alguma verossimilhança) e o tempo mais aproximado, trazido aos dias atuais, abstratamente... Algumas metáforas, e pode ser que o leitor nem se apercebesse que há o ranço do passado com o olor acre do mofo... Perdão! Estou sendo duro, duríssimo, pra que percebas que, em criação literária, até se pode viajar no leito do rio de vivências, relatando-as tal como elas o são, num sôfrego hausto, um “balde despejado”, mas isto só no primeiro momento: o da INSPIRAÇÃO. Quem sabe deixas o texto “de molho” para trabalhá-lo mais tarde, e tentas fazer novo(s) texto(s) com a leitura até agora adquirida e sintetizada pela tua experiência pessoal? Retoma-o em outro instante, sugiro... Se não tivesses alta escolaridade, eu nunca poderia esperar mais da autora, porém te percebo leitora dedicada... E, por certo, já estarás com algo NOVO para deitar no papel ou revelar no monitor, mesmo que seja apenas o fruto da espontaneidade tal como diria Fernando Pessoa: "meu coração é um balde despejado...", por seu heterônimo Álvaro de Campos, em TABACARIA, peça inolvidável de 1928... Sempre repito, com certo ufanismo e temor, que “quem passa pelas minhas mãos, em Poesia, jamais será o mesmo”... E me apercebo – pleno de alegria – alguns efeitos das inferências à busca da palavra certa, do som mavioso, fruto da cabeça feita de quem vai mais além do que a espera contemplativa... Parabéns! Obrigado por me permitires beber dessa água...

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2009/12.

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