A CANÇÃO DESESPERADA

Os signos verbais se acumulam como se tocados pelos dedos do mistério e embarco na nave do pensamento... Dispo as vestes de conceituação. Para os que acreditam e pensam poeticamente, a juventude e a velhice são apenas estágios do lugar comum da vida e, a rigor, não têm importância, porque afetam somente o corpo... O transe poético é – antes de tudo – um estado abstrato de transformação, de transcendência à precária materialidade da humana condição. Com ela, e por ela, toda a hostilidade e agonia são alevantadas, pois o mundo resulta recriado dentro da fantasia possível. Nada é previsível, nem se conta com a plausibilidade... Tudo é inusitado. Não há limites. Por essa razão, nada é impossível para o poeta. Nem o medo das alturas, quando as pernas já estão trôpegas e o corpo freme pelas mãos do Dr. Alzheimer... Em verdade, a figura do poeta não conta tempo como todos os mortais, porque, pela Palavra, ele nasceu condenado ao desterro da permanência, no mundo estético. O poema é uma fuga de tudo que é usual e comum. Isso faz com que a Poesia tenha algo de místico ou divinal. Tal é a fé dos desesperados de todos os tempos...

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2009/12.

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