O MOTO-CONTÍNUO

Atenta sobre isto. É só mergulhares em profundidade. Se constróis poemas, trabalhas com o insondável, o inexplicável mistério da força da palavra e a sugestão correlata. Portanto, nada de explicações sobre o circunstancial trânsito da vida. Fixa-te apenas no poema e a sua codificação, sua possível e provável hermeticidade. O leitor que se inclua no texto e venha a tirar suas conclusões, se as quiser em detalhes. A Poesia não se destina a dar respostas, e, sim, a criar perplexidades para muito além da proposta textual. O poeta-leitor sai, após a deglutição do texto, com perguntas concatenadas, e por vezes, encadeadas quanto ao tema que circula no poema. Muitas questões a mais do que aquelas com que se deparou no circuito inicial – aquele que o poema sugeriu, instigou. Desta sorte, constata-se um novo mistério – a inconsútil derivação que assoma para o aficionado da Poética. A realidade – o mundo dos fatos – é matéria movediça que serve somente para a coleta experimental cotidiana, a qual vai influir, subjacentemente, no escrito que vem à tona – num primeiro momento – inda no cadinho da criação, ideias se retorcendo em ebulição; portanto, ainda sem a definitiva forma. Instauram-se a farsa e a fantasia que o poema contém e abriga, e sugere uma nova visão sobre tal temática tida, vivida, ouvida ou lida. Porque cada humano ser concebe o mundo segundo sua ideação e alvitre. Vês? Temos, neste momento dado, a antítese instaurada em nossas cabeças. Há algo a ser refletido, e, as mais das vezes, a ser mudado por força da reflexão. É esta a condenação ao pensar de que falam os que nunca perguntam nem explicam o (nem sempre) óbvio. Porque o pensar é irreversível: um moto-contínuo. A morte o finaliza. Ao mesmo tempo – curiosamente – é inextinguível na cabeça do receptor que se lambuzou de suas réstias luminosas. A condenação garante a ampliação das coisas e dos pensares deitados ao real. Dinamicamente, além do corpo e suas perplexidades sensoriais. Porque cada criador artístico é um pequeno deus, um alquimista.

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014.

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