MEU PEQUENO JARDIM DE TROVAS
Eu componho uma canção,
na linda arte de rimar
minha mão com tua mão,
meu olhar com teu olhar...
A lembrança, de repente,
a minha alma iluminou,
feito uma estrela cadente
que pela noite passou…
Na dura lida em que vivo
e desde sempre vivi,
diversas flores cultivo...
E ficarão por aqui.
Muito antes de ser rosa,
o jardim que cultivei
foi terra seca, rochosa...
E por muito ali sangrei!
..........
Vem dos teus lábios o dom
que é santo e que é proibido...
Esse estigma de batom
no travesseiro mordido.
Meus pobres sonhos sem traços,
de uma noite que termina
contigo ainda em meus braços
e o sol bordando a cortina...
Revejo com nostalgia
a tua alma de menina,
no raio de luz que espia
numa borda de cortina…
O portão já decadente
do antiquíssimo solar,
oferece humildemente
uma flor a quem passar...
No portão onde só resta
um pilar a apodrecer,
uma rosa abre-se em festa,
sem ninguém para colher...
Penso que já não importa
este mundo em escarcéu,
se um degrau da tua porta
me conduz até o céu...
Indo, feito cão sem dono,
entre sombras colossais,
as máquinas põem carbono
em meus dias sempre iguais...
.
Com um silêncio de prece,
lendo cartas de um encanto,
que cada folha parece
que veio de um jardim santo…
Não canso de repetir
que a flor mais linda, mais pura,
eu vejo sempre florir
junto da tua moldura…
Num momento de temor
o teu beijo recusei.
Hoje, vejo em toda flor,
aquela que não beijei...
A primavera se finda.
Mais uma estação que parte.
Apenas eu fico ainda,
com a flor, a procurar-te...
Já na altura desta vida,
a minha trova termina
feito cruz ensombrecida
no topo de uma colina...
Uma triste melodia
a que ouço em solidão,
com tua fotografia
ainda na minha mão…
Pela trilha colorida,
cheia de perfume e danças,
vou eu e minha querida
descalços feito crianças...
No crepúsculo de outono,
os galhos compridos, nus,
vão na tarde em abandono,
varrendo cinzas de luz…
Na alegria de viver,
os nossos passos no chão
parecem, no anoitecer,
estrelas na imensidão.
Claro sol é tua fronte...
Os teus seios, flóreas serras...
O teu corpo é um horizonte...
Num só beijo tremem terras.
O adeus que ela me deu,
como o rastro de uma estrela
riscando a amplidão céu...
Voltou feito coração,
a linda flor que te dei,
como, na forma do pão,
o trigo que se semeei...
Ela não vem… Devagar
retorno à casa, sem vê-la.
E fico vendo brilhar
nas vidraças outra estrela...
O teu bilhete tristonho
na varanda amanheceu,
parecendo a asa de um sonho
que pela noite morreu...
A saudade, de repente...
Como nuvens de janeiro
a ensombrecer vagamente
as flores do meu canteiro...
Duas sombras vão seguindo
no silêncio das calçadas.
Vão juntas... Quase sumindo...
Somos nós dois de mãos dadas.
Nem sempre os pontos são bons,
nos bordados da paixão,
sangrando às vezes os tons,
na estampa de um coração...
A velha lembrança amada
em meu silêncio se abriga,
feito uma imagem fanada
atrás de uma teia antiga...
Cada lágrima rolada,
seja de tristeza ou não,
é uma pérola forjada
na concha da emoção.
Vai o homem sem vaidade,
todo dia, em seu caminho...
E quando dorme a cidade,
às vezes chora sozinho.
A doce brisa festiva,
em minha tumba florida,
parece que reaviva
as ilusões desta vida...
Te toco com tal paixão,
que nem um sonho parece.
Ao tocar-te, minha mão
com uma estrela amanhece.