Por que as cotas excluem os excluídos? VI

Wilson Correia

Método é caminho para se chegar a um fim e, assim entendido, a metodologia em ciência já nos indica tudo o que ela pode nos oferecer. Quem toma a rua “A”, partindo do número 100 rumo ao cemitério, fiel ao método, não chegará a lugar diferente. Método em pesquisa, nesse sentido, se for tomado como algema e camisa de força, torna-se recurso muito, muito precário. O que interessa, então, não é o método, mas, sim, o que se faz com ele. Logo, o que determina a qualidade de um estudo científico é o sujeito, e não o objeto.

Isso com relação às ciências voltadas às coisas naturais, porque, quando se trata de pesquisa na qual sujeitos investigam outros sujeitos, a complexidade do fazer científico é imensamente potencializada. Pode valer pouco, aí, o intento de Galileu Galilei, de propor o método baseado nas fases da “observação”, “experimentação” e “teorização”. Por esse motivo sempre digo que o método é o próprio sujeito pesquisador.

Até Popper (quem diria!), andou complicando a existência do método. Ele relata, “Começo, regra geral, as minhas lições sobre Método Científico dizendo aos meus alunos que o método científico não existe. Acrescento que tenho obrigação de saber isso, tendo eu sido, durante algum tempo, pelo menos, o único professor desse inexistente assunto em toda a Comunidade Britânica”. E ele continua: “Tendo, então, explicado aos meus alunos que não há essa coisa que seria o método científico, apresso-me a começar o meu discurso, e ficamos ocupadíssimos. Pois um ano mal chega para roçar a superfície mesmo de um assunto inexistente” (POPPER, 1987, ‘Prefácio’).

Se o método não existe, existimos nós, que intentamos inventar o método e que ainda nos apegamos a noções metodológicas meramente formais. E essa consideração vale, também, para o materialismo histórico-dialético e suas categorias (classe, contradição, totalidade, entre outras). O que seria de um pesquisador se ele não tivesse presente essa condição fragílima do método? Se ele não pudesse dizer: “Até aqui, Marx; daqui em diante, eu”?

Creio que um dos entraves da pesquisa científica é o fato de a academia escolher, legitimar e estabelecer algo como uma “jurisprudência epistêmica”: a qual nos garante que só vale o método consagrado, motivo pelo qual a repetição à náusea se tornou virtude. E isso não apenas com relação ao método, mas, sobretudo, sobre quem recebe a chancela de pesquisador, envolto nesse conjunto de regras normativas disciplinares e de controle que estabelece, antes do “jogo da pesquisa”, quem pode pesquisar e como ele deve pesquisar. Nesse aspecto, quando o novo irrompe diante do olho da academia, esse novo tem de ser muito significativo, senão ele não conseguirá alçar voo para além dos grilhões da tradição e lograr êxito nos quesitos aceitação, legitimidade e validade.

A vida segue seu curso indeterminado e impermanente; a academia ensina o fixo e o inalterável. E a luta que mobiliza saber-poder com a finalidade de alcançar legitimação não passa de uma bulha para se saber qual noção terá o direito de passar a ser considerada “tradição”, qual ganhará o direito à eterna repetição, à revelia da anárquica explosão da vida, da sociedade e do mundo. Não estranha, por essa ótica, o divórcio entre academia-instituição e o mundo comezinho do homem comum. E que a vida espere, porque os freios da academia, em relação de promiscuidade com outras formas de tutela do humano pelo humano, estão em mãos autorizadas a manterem a instituição administrada na sociedade administrada.

Em nossa sociedade, a peculiaridade disso vem do fato de que o governo real das coisas, todas elas, foi delegado ao mercado, cujas regras estão por demais propaladas. Aí o feitiço se assenhora completamente do feiticeiro. E nos resignamos perante essa perversa inversão.

Nesse contexto, se o conceito “raças” me ajuda a entender a realidade, preterindo o conceito “poderes”, que lancemos mãos dele, preferentemente, com a liberdade relativa que podemos experimentar no processo produtor de saberes.

Quanto a mim, ainda não fui convencido que esse conceito de “raças” seja menos precário do que todos os outros de que dispomos. Minha atenção se volta para a busca do entendimento a respeito do que mesmo estamos fazendo de nossos métodos, de nossos conceitos, de nós mesmos e com os nossos semelhantes ao usarmos esses inexistentes.

POPPER, K. R. ‘Prefácio’. In: POPPER, K. R. “Pós-escrito à lógica da pesquisa científica”. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987.