Pelo direito de respirar

Wilson Correia

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu Artigo 19º, afirma: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão” e “liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Ainda, a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu Artigo 5º, estabelece que “é livre a manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E que, Artigo 206, a liberdade de cátedra implica a liberdade para “aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, salvaguardando o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20/12/1996), em seu Artigo 3º, reafirma, “ipis litteris”, a liberdade de cátedra constitucional e acrescenta, no Inciso IV, que o ensino será desenvolvido com base no “respeito à liberdade e apreço à tolerância”.

A despeito desse sólido embasamento jurídico, são corriqueiros entre nós variados tipos de ataque à liberdade acadêmica. Basta alguém intentar o debate público sobre como formar melhor nossos estudantes, defendendo o respeito à dignidade docente e de trabalhadores técnico-administrativos e a defesa da qualidade na educação, para logo ele ser enxovalhado.

Por que isso acontece, quando sabemos que a educação é parte do bem comum? Coisa pública? Um legítimo direito social, não uma mercadoria? A educação não exige políticas republicanas que criem condições materiais fáticas para que a qualidade adjetive nossas práticas docentes? A análise da conjuntura educacional brasileira dos últimos anos, à qual se agregou a sanha por metas quantitativistas e o descaso com relação às urgências qualitativas para uma prática docente de excelência, não pode ensejar o tratamento crítico de nossa atual realidade?

Creio que se a educação não é mercadoria, ela, tampouco, deve se prestar à barganha que vise à hegemonia partidária pretendida por agremiações afins sequiosas pelo poder. Contra isso, aliás, vale reafirmar que se torna vital ao tratamento republicano do sistema de ensino o emprego, nele, de 10% do Produto Interno Bruto brasileiro.

Sem essa decisão político-econômica, como salvaguardar a qualidade do sistema de ensino? Como garantir condições de qualidade ao acesso e à permanência qualificada em nossas universidades? Como instituir justa remuneração a professores e técnico-admistrativos? Como fazer da educação “a” prioridade em todo o território nacional?

Não creio que defender essas ideias seja crime. Porém, quem as defente é sempre tachado de “persona non grata”. A essa pessoa são dirigidas distorções do pensamento, ironias, chacotas, insinuações, ofensas e ameaças explícitas e veladas. É a perseguição à nossa porta, cuja próxima vítima nós não sabemos quem poderá ser.

Exemplos disso não faltam:

a) “Você está apoiando os estudantes”. Contudo, após o Colegiado do professor ter decidido pelo respeito à paralisação estudantil; depois que o seu sindicato lançou nota de apoio às reivindicações dos universitários; após uma assembléia docente ter votado a favor da legitimidade da pauta dos estudantes, que crime pode haver na declaração de apoio ao movimento estudantil feito por um professor? Que heresia pode existir no fato de que se a qualidade na educação é a bandeira dos estudantes, os estudantes se tornam a bandeira do professor? Por acaso há professor sem estudante e universidade sem esses dois sujeitos sociais?;

b) “Cuidado!”, “Cuide-se!”. Isso se chama terror psicológico, porque quem diz isso não revela contra o que ou contra quem se deve cuidar. É a ameaça difusa, posto que qualquer um ou qualquer coisa tornam-se as fontes dessas “solicitações”. A “qualquer coisa” e o “qualquer um” são cuidadosamente ocultados por quem emite esse tipo de “conselho”;

c) “Não se exponha tanto”. “Preserve-se!”. Mas, como agente público atuando na educação, um professor pode adotar o silêncio como conduta diante de situações que pedem o seu posicionamento? O silêncio cômodo ou os braços cruzados não são formas de exposição? Ou será que a comunidade acadêmica e a sociedade, que pagam o salário do professor, não possuem ouvidos para “ouvir” essas atitudes? Mais: acender uma vela para “A” e outra para “B”, até o momento em que o voto desfaça inclemente a máscara do professor, isso não é um modo de exposição? Que problema existe no fato de se tentar compartilhar, de maneira sincera e transparente, o que se pensa sobre as coisas da educação, tentando-se a valorização da autenticidade na prática educativa?;

d) “Ele ficou louco”, “Pífio!”. Muitos colegas que sofreram, e sofrem, essa pecha ofensiva pagaram, e pagam, horrores por isso. Mas tem hora que “ser louco” e “pífio” se tornam as únicas alternativas, sobretudo quando se fala em prol de uma educação que respeite a dignidade humana e cidadã onde é hegemônico o contentar-se com uma educação qualquer;

e) “Você está em estágio probatório”. Quando a Constituição vigente do nosso país nos garante o direito à liberdade de pensamento e expressão, a liberdade de cátedra, não importando em que momento da carreira o professor se encontre, a questão ideológica pode ser transformada em critério para aprovação ou reprovação em estágio probatório? Além disso, a academia não é, por excelência, o lugar do debate de ideias? É crime sugerir para melhorar? Ou o professor está condenado ao emparelhamento partidário acrítico eterno?

Em face de tudo isso, torna-se urgente a defesa da liberdade de cátedra. Quem se dedica ao ensino, à pesquisa e à extensão universitária merece respeito.

Além disso, temos o sagrado direito de respirar.