Literatura de Cordel - Entrevista

Literatura de Cordel

Roteiro Literário - Ana Paula

“Desabafar uma angústia é tão bom, quanto externar uma alegria.”

(Ismael Gaião da Costa)

O Roteiro Literário tem a grande honra de apresentar aos seus leitores um convidado muito especial: Ismael Gaião da Costa. Um grande cordelista brasileiro que gentilmente concordou em nos ceder uma entrevista a respeito dessa manifestação literária repleta de melodia, forma, beleza e representatividade cultural.

A Literatura de Cordel, trazida pelos Portugueses e aqui veiculada na forma de Folhetos, sempre esteve intimamente ligada aos momentos da nossa cultura e história. Passando por vários períodos desde o Brasil-colônia, ela veio tecendo nossos costumes, lendas, crenças, fatos históricos, etc.

Tradicionalmente em Portugal esses folhetos eram expostos pendurados em cordões, por isso a denominação de Literatura de Cordel. No Brasil, o nome foi herdado, mas o uso dessa maneira de exposição em cordões não se estabeleceu de maneira permanente. Uma mudança que culmina numa diversidade, afinal, cada povo vai moldando suas manifestações culturais à sua maneira.

Desde que dei início ao site eu vinha idealizando o momento oportuno para falar a respeito da Literatura de Cordel, esta manifestação artística que tanto revela a respeito da nossa identidade cultural. Pois, lá estava eu perambulando por Carpina/PE, quando aconteceu meu contato com os folhetos de cordel numa banca de jornal. Não pensei duas vezes, adquiri vários!

Apreciei cada verso daquela Literatura maravilhosa. Ela te prende, te faz querer conhecer mais sobre você e sobre o seu meio, sua história. Voltei para casa ansiosa por entrar em contato com o cordelista que havia desenvolvido aquele incrível exemplo da criatividade brasileira. Felizmente, conseguimos um contato com o cordelista Ismael Gaião da Costa e agora, deixo vocês desfrutarem do vasto conhecimento do nosso entrevistado a respeito da Literatura de Cordel:

ENTREVISTA: Ismael Gaião da Costa

RL - Os Portugueses quando aqui chegaram introduziram a Literatura de Cordel, desde então essa arte tem passado por um processo de aquisição de identidade com características tipicamente Brasileiras, sendo difundida principalmente na região Nordeste do país. Como você analisa esse processo de transformação?

IG: A partir da chegada do Folheto, como era chamado, no Nordeste brasileiro, este serviu como meio de comunicação escrita e como fonte de informação para o povo, tendo em vista que à época não existiam o rádio nem a televisão, e só quem tinha acesso aos jornais eram as classes ricas. Os folheteiros aproveitaram essa literatura também para criar histórias fantasiosas e embelezar seus escritos com verdadeiras poesias contos e causos.

RL - Ainda na temática da evolução do Cordel no Brasil, em especial na região Nordeste, como você encara a atual abrangência dessa Literatura nas demais regiões do país?

IG: Com o avanço da tecnologia e um razoável acesso de todos os brasileiros a essa modernidade, a Literatura de Cordel tem atingido praticamente todo o Brasil. Em alguns estados ela é vista como folclore, mas onde o cordel é estudado, principalmente através das universidades, faculdades e centros de pesquisas, já se tem a consciência de que o folheto de cordel é uma Literatura, propriamente dita e não apenas um artigo folclórico.

RL - Quando falamos em Cordel, também estamos falando da arte da xilogravura. Ambas as manifestações artísticas compuseram uma união perfeita. Qual a sua visão a respeito das ilustrações presentes no Cordel?

IG: No passado, a maioria dos cordéis se apresentava com uma xilogravura na capa, pois essa era a forma mais fácil do próprio autor criar suas capas, tendo em vista que a xilogravura é um desenho feito no papel, decalcado e cortado na madeira, de forma invertida, com o uso do carbono. Porém, essa foi também outra forma de se descobrir talentos artísticos e hoje os xilógrafos são reconhecidos como grandes artesãos, inclusive muitos já renomados pelos trabalhos feitos há muito tempo. E quando falamos de cordéis também estamos falando dos cantadores de viola, dos coquistas, dos aboiadores, dos sonetistas e muitos outros que fazem versos de improviso ou escritos, mas mantendo o estilo da métrica, rima, ritmo, armação e oração. A Literatura de Cordel é a poesia posta a regras formais que a embelezam e dão vida aos sentimentos.

RL - A Literatura de Cordel tem assumido uma forte função social ao tratar de questões como a coleta seletiva e reciclagem de lixo, enfim, o respeito ao nosso meio ambiente. Como você avalia o impacto de temas como esses sendo tratados no Cordel?

IG: Sem dúvida, o Cordel sempre teve forte função social, apenas as elites intelectuais do passado não queriam enxergar este fato, e talvez por isso, tantas vezes divulgaram que o cordel estava acabando e já tinha os seus dias contados. Mas todos que assim analisavam, equivocaram-se, pois a Literatura de Cordel está mais viva do que nunca. A coleta seletiva e a reciclagem de lixo é apenas um pequeno exemplo da importante função social do cordel. Temas como o aquecimento global, o respeito às linguagens e dialetos de cada região, as corrupções políticas, os desrespeitos às minorias, o avanço tecnológico e tantos outros, são corriqueiros nos folhetos atuais.

RL - Você acredita que Literatura de Cordel recebe a atenção merecida por parte da sociedade ou é tratada de maneira superficial, como por exemplo, nos estudos voltados à Literatura Brasileira?

IG: Acredito que já houve um grande avanço, quanto a isto, mas ainda existe o preconceito. Nós, cordelistas, temos a consciência de que somos mais literatas do que muitos que integram as Academias de Letras, pois nessas, o apadrinhamento é o critério para escolha de quem as integra, enquanto que, na Literatura de Cordel só se destaca ou sobrevive quem escreve bem, é criativo, é poeta, é um grande contista, é um bom declamador. Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde e José Costa Leite não ficaram famosos por acaso. Poetas do nível de Pinto do Monteiro, Rogaciano Leite, Chico Pedrosa, Dedé Monteiro e tantos outros, não precisaram de Academias para serem geniais. E hoje nós contamos com Associações e outras entidades formadas para lutar pela valorização do cordel, como é o caso, aqui no nosso Estado, da UNICORDEL - União dos Cordelistas de Pernambuco.

RL - Para finalizar, estamos honrados com a sua presença no Roteiro Literário. Gostaria de enviar alguma mensagem especial para os leitores do site?

IG: Gostaria de agradecer a oportunidade e dizer que, quem lê e estuda a Literatura de Cordel aprende muito e vive feliz, pois descobre que desabafar uma angústia é tão bom quanto externar uma alegria. Obrigado a você Ana, e a todos que fazem o site Roteiro Literário. Um forte abraço.