Moscas volantes...como lidar com elas?

Ainda sobre moscas volantes...

A quem interessar possa esse é um relato pessoal a respeito da necessidade de lidar com o desconfortável sintoma das “moscas volantes”, logo após o DPV (descolamento posterior de vítreo) agudo.

Como não tenho nenhuma lesão retiniana (degeneração periférica de risco para descolamento de retina) que possa justificar a rotura retiniana que deu inicio aos meus sintomas creio que a seqüência abaixo descreve melhor a sucessão de eventos que levaram ao meu DPV agudo (com hemorragia vítrea secundária à rotura retiniana).

Devido a um acidente de carro (aos 18 anos) tenho DPV total assintomático (98% do tempo) no olho direito. Como já tenho 59 anos não é incomum a liquefação vítrea. Nesse caso o rearranjo do gel em fibrilas pode ser resultar em grumos mais ou menos densos que acabam vez por outra atravessando o eixo visual e incomodando transitoriamente a visão. Isso se dá de forma lenta e gradual e na maioria das vezes o individuo só percebe os “floaters” quando presta atenção e busca ativamente por eles ou quando está muito ansioso e/ou tenso.

Em casos de DPV agudo em que se formam condensações mais densas e bem próximas ao eixo visual é mais difícil a recuperação funcional.A visão binocular é requerida o tempo todo e o incomodo da imagem negativa móvel próxima ao eixo visual ou dentro dos 10º centrais do campo visual pode ser extremamente desconfortável para não dizer incapacitante. Principalmente nos indivíduos que são portadores de “enjôo de movimento” ou cinetose em que paralelamente ao desconforto visual podem acontecer náusea, tonteira e sudorese fria, reproduzindo em parte os sintomas da disfunção vestibular periférica da qual são portadores.

Muitos pacientes nos perguntam por que “do nada surgiram os sintomas”...Difícil resposta na medida em que tudo e qualquer evento orgânico pode ser o “trigger”, o desencadeador da mudança na estrutura do corpo vítreo, além do próprio envelhecimento.

Bem, quatro meses antes do DPV tive um episodio de extrema fadiga, astenia e estado febril que me deixaram prostrada por quatro dias. Não havia nenhum sinal característico de virose respiratória (espirros, coriza, tosse ou congestão nasal). No quinto dia amanheci muito bem disposta e fui ao médico. Fiz raios X de tórax e exames de sangue. Diagnosticada uma pneumonia e com todos os marcadores hepáticos alterados indicando alteração hepática, fiz mais uma semana de repouso e estava pronta para voltar à ativa.

Mas dois meses depois comecei a perceber flashes à noite. Eles foram aumentando em intensidade e três semanas depois, subitamente aconteceu o DPV. Em resumo, provavelmente o estado infeccioso acelerou a liquefação e desestruturação das fibras de colágeno do corpo vítreo. A reorganização do colágeno forma fibrilas que tomam formas as mais diversas, soltas ou agrupadas, que se movem e flutuam dentro do globo ocular a cada movimentação dos olhos.

Quando o vítreo se solta completamente das suas inserções o DPV é dito total. Mas na maior parte das vezes ele (DPV) é parcial e pode existir micro adesões à retina e/ou ao próprio disco óptico.

Quando alguns desses pontos permanecem aderidos à retina elas, além de serem responsáveis pelos “flashes” quando tracionam a retina durante o movimento dos olhos, se as fibrilas os mantém posicionados bem próximos ao eixo visual, eles atrapalham a visão e podem incomodar muito o individuo.

Ao retinólogo cabe tratar a rotura retiniana (laserterapia), minimizando o risco de um descolamento de retina (e conseqüentemente evita uma baixa visual importante). E, além disso, monitorizar eventuais pontos de tração (percebidos como “flashes”). Isso é o que ele pode fazer (e faz muito bem!).

Mas, e quando os sinais e sintomas visuais não desaparecem? E em relação às “moscas volantes” (no eixo visual ou para centrais) que dificultam a leitura, o uso do computador ou qualquer outra tela em ambiente iluminado? O estresse aumenta a percepção dos “floaters” e o incomodo visual aumenta a ansiedade e o estresse. Um círculo vicioso... O que pode ser feito enquanto as traves não se rompem e pela gravidade se depositam no segmento inferior do globo ocular e não interferem constantemente nas atividades diárias?

De quanto tempo estamos falando aqui? Podem ser dias, meses... Cada caso é um caso.

A gente fala (para o paciente) e ouve do médico (enquanto paciente) que...vai passar...é uma questão de tempo...”Não se preocupe e aprenda a lidar com a usa nova realidade.Procure não se estressar, se for necessário use um ansiolítico e/ou procure um profissional (psicólogo ou psiquiatra) para ajudá-lo nesta etapa”.Essa é a orientação que a maioria de nós, médico, dá ao seu paciente com DPV agudo sintomático e de sintomatologia intensa e incapacitante.

Mas a vida segue e a necessidade de retomar a rotina é iminente. O que mais pode nos ajudar nessa fase transitória (ainda bem! Ufa!) em que esperamos que a natureza aja e nos “cure”? Essa é uma espécie de fase de convalescença. O que fazer, quais as possibilidades?

Além do sintoma visual (“mosca volante”) e da irritabilidade e ansiedade que ele gera, nos indivíduos portadores de cinetose (“enjôo de movimento”), a situação pode levar a um componente sintomático extra: o enjôo (ou estado nauseoso), quando os olhos são submetidos a atividade motora de movimentação excessiva como na leitura, com o vaivém dos olhos para acompanhar as linhas do texto. Assistir TV por duas ou três horas é totalmente diferente de alternar a visão de perto e a de longe a cada instante, pelo mesmo tempo.

Um exemplo é quem trabalha muito com a visão de perto, mas tem que interagir com outros indivíduos ao mesmo tempo. Ele olha para frente e para baixo, para perto e para longe ininterruptamente. Impossível nessa fase, a não ser que se mantenha ocluído o olho com floaters e o individuo tenha uma rápida adaptação à condição monocular. Para alguns isso é tão difícil de suportar quanto os floaters no eixo visual com alternância constante da visão perto/longe.

Esses mesmos indivíduos podem apresentar hiper-reatividade autonômica, muitas das vezes são portadores (também) de migranea (enxaqueca) podendo apresentar perfil ansioso e tendência à depressão e pânico. Tudo faz parte de um “pacote”, inato e evolutivo se ele individuo, não consegue modular esse tipo de comportamento ao longo da vida. Ou seja, se não aprende a conviver com suas “diferenças” em relação ao demais. Afinal, cada um aprende a identificar “onde aperta o seu calo” e viver de forma a minimizar os inconvenientes do DNA que cada um traz consigo à vida.

Existem recursos ópticos (óculos ou lentes de contato) que podem ser de alguma (ou muita) ajuda nessa fase. Aqui novamente, cada caso é um caso. O diâmetro da pupila, a exata localização do “floater” que mais incomoda e em que direção do olhar ele parece estar anulado.

É interessante a ajuda sim, mas sabendo que é um recurso temporário e não significará conforto total. Pode ser de grande ajuda no sentido de criar uma situação que, se não é a ideal, pelo menos nos ajudará a nos mantermos ativos e mais confortáveis no dia a dia durante esta fase.

Tanto óculos como lentes de contato especiais podem gerar alguns inconvenientes que devem ser discutidos com o medico assistente e avaliados caso a caso. E podem ser de grande alivio em alguns momentos (não todos, infelizmente).

Resumindo, nesse momento em que já foi feito diagnostico e tratamento da lesão anatômica (retinologo), para alguns de nós será necessária ainda a intervenção de outros profissionais para a retomada do dia a dia (confortável). Oftalmologistas e óticos para a melhor solução ótica, otorrinos e/ou fisioterapeutas (reabilitação vestibular) para possível ajuda em relação a náusea e/ou tonteira, psicólogos e/ou psiquiatras para ajudar a minimizar a ansiedade.

Alguns desses recursos podem ser de grande ajuda. E mesmo que apenas uns poucos tenham uma sintomatologia tão florida quanto a descrita acima e sintam extremo desconforto e dificuldade na reabilitação visual, é para esses poucos que fiz este relato. E espero sinceramente tê-los ajudado a entender e aprender a contornar alguns sinais e sintomas gerados pelo DPV, situação clinica tão comum a todos os indivíduos, mas que gera bem mais desconforto a alguns poucos.

Fale com o seu oftalmologista. Ele será seu parceiro nesta empreitada!

E não se esqueça que teve sorte, não descolou a sua retina, manteve a sua acuidade visual. Apenas terá um desconforto por um período de tempo variável. Lembre-se sempre que poderia ter sido bem pior! Não se queixe tanto... arregace as mangas e procure o melhor ajuste para conseguir administrar melhor esse período.

Você vai melhorar!