ENTREVISTA COM A TV BRASIL
 

Semana passada eu estive em um lugar muito lindo para registrar minha vida, na Lagoa Rodrigo de Freitas, aqui o Rio. Só que naquele dia eu me senti a visitante mais importante da minha cidade!
 
A TV Brasil me convidou para ser filmada no deck, ao lado dos pedalinhos, e dar uma entrevista sobre minha doença e minha vida.
 
NATUREZA


 
A lagoa, que antes recebia rios cristalinos, hoje é guarnecida por um sistema de limpeza ainda precário, que usa a água do mar num estreito filtro. Um espelho de água que foi reduto de tantas épocas históricas e que é agredido todos os dias pela modernidade, já que está na zona sul da cidade, área privilegiada, mas todos os dias a gente vê que a natureza é aviltada por esgotos que maltratam o que é belo, natural e o que luta para sobreviver.
 
De certa forma a Lagoa diz muito sobre minha realidade... Eu me sinto bela e com uma natureza forte, uma energia imensa, mas a cada momento sendo magoada pela indiferença social.
 
CORAGEM


 
Entrei em contato com repórteres da TV Brasil e disse ao que vinha: “Eu tenho um livro pra ser publicado. Tenho uma doença e quero falar para todos sobre minha existência. Quero mostrar para a sociedade o que eu passo e ser porta-voz daqueles que são iguais a mim”.
 
A TV Brasil tem programas inclusivos ao longo do dia, além de muita coisa de cunho cultural. Eu os assisto todos os dias. Achei que seria um caminho para minhas aspirações. Fui adiante, e, de repente, fui honrada para uma entrevista. Mas teria que ser na Lagoa, na véspera de um feriadão, no meio de um trânsito infernal...
 
SOB NUVENS
 


O sol não aparecia e os jornalistas diziam “que tinham que aproveitar luz do dia”... Dramáticas nuvens nos circundavam, apesar de que ao mesmo tempo tudo ficou muito suave com aquele céu, porque aprendi a ver beleza ao longo de tantos anos de lutas e sofrimentos. A minha arma está exatamente em encontrar algo bom até onde todos acham que tudo é feio. Tinha que ser um dia chuvoso e nublado...
 
QUEM ENTREVISTOU QUEM?...


 
Eu tinha determinado que Dona Menô (minha amiga Leila Marinho Lage) acompanharia os repórteres no carro deles até o local da filmagem. O que ela falou durante o trajeto eu não sei, mas eu torcia para que ela falasse mais sobre mim e meu livro. Deus ia me ajudar.
 
Daí chegamos em dois carros: eu num táxi, com minha ajudante Dani e minha mãe. Leila chegava com os repórteres, os quais a certa hora se tratavam como colegas.
 
“Menô” resolveu entrevistar os entrevistadores. No final desta crônica eu passarei o que aconteceu naquele carro, durante o trajeto até a Lagoa.


 
Lizzie foi a minha hostess, um presente mesmo... Ela se sentou no chão, abaixo do nível dos meus olhos; fez a entrevista; riu comigo. Sentiu-se emocionada enquanto eu falava, e deixou um pouco de lado sua veia jornalística para conversarmos como duas amigas.
 
ESQUECERAM DE MIM
 


Eu me acostumei a ter paciência com quem anda, quem pode se locomover quando deseja. Eles não percebiam que eu não podia acompanhar o ritmo deles. Por alguns minutos eu fiquei fora da pista... Minha mãe e minha ajudante curtiam a paisagem. Leila corria de um lado ao outro pra fotografar tudo que passava à sua frente. Ainda bem que os repórteres me “esqueceram” por causa do meu amigo Rivaldo Menezes, que apareceu pra me fazer companhia. 


 
Durante meses Rivaldo foi encarregado a transcrever toda a minha trajetória de vida que eu gravei em áudio. Durante meses a fio eu falei sobre tudo que me aconteceu. Filantropicamente Rivaldo foi companheiro de minhas palavras, quem deu forma em letras ao meu pensamento num livro que só existe em documentos, mas não nas bancas.
 
Como eu, ele sente a pena daquilo que foi colocado na pena e até o momento não pode ser difundido.
 
ESPERANÇA


 
Eu não tenho dinheiro nem pra ter acompanhante de noite pra cuidar de mim, muito menos para um livro na praça. A editora espera que alguém patrocine meu trabalho. Assim, minha história fica estagnada e meus desejos, estacionados. O que eu tenho a dizer fica escondido.
 
Muitos podiam saber sobre o que eu passei - e passo - e sobre tudo que pesquisei ao longo do tempo, com muito esforço. Só que me deparo com o óbvio: não tenho recursos financeiros nem pra melhorar minha qualidade de vida – muito menos para publicar um livro. Eu tenho apenas a minha mente e minha vontade, mas acredito muito num bom futuro. Eu sinto isso!


 
Eu não sei se a reportagem que fizeram comigo, da TV Brasil, será divulgada publicamente, mas para mim foi um passo a mais – um passo que eu dei com meus próprios pés, que não se movem.
 
Márcia Garcês
Rio, 19 de novembro de 2010
 
DONA MENÔ NO PEDAÇO


 

Gente, venho dar minha versão do dia 12 de novembro de 2010, sexta-feira, véspera de feriadão.
 
Minha chefe, a doctor Leila, tinha que operar umas pessoas no dia de entrevista, além de ter que atender muita gente doente. Foi providencial quando as cirurgias foram desmarcadas por burocracia de plano de saúde. Então, aconselhei:
 
- “Leila, manda toda a turma de sexta vir ao consultório na quinta e trabalha dobrado. Esvazia a tarde de sexta e vai lá na tal entrevista. Márcia precisa de você!”.
 
- “Mas pra quê, Menô?... Ela estará na entrevista com repórteres, ao lado de quem pode ajudá-la. Pra que ela precisa de mim?”, perguntava a minha chefe.
 
Na verdade a gente não precisava da doc, mas sem ela eu não podia aparecer. O jeito foi fazer com que ela comparecesse ao tal encontro.
 
Foi muito legal. A princípio eu me senti jogada num camburão, que nem um bandido, junto com repórteres por todos os lados. O que é que eu ia conversar com aquela turma?!
 
Foi ótimo estar tudo congestionado e ficarmos parados uma pá de tempo no trânsito. Deu tempo de eu praguejar e falar besteira. Loguinho eu percebi que estava ao lado de gente “normal” que nem eu: a equipe de reportagem da TV Brasil.
 


Dentro do carro eu comecei a babar a filmadora do cinegrafista Carlos – uma Sony de primeiro mundo... Eu acho que qualquer coisa além da minha máquina fotográfica é de primeiro mundo, uma vez que aquela coisa que eu levo na bolsa está desfocada, desconfigurada, uma porcaria. 


 
Carlos e seu assistente Marcos, apesar de jovens, já rodaram muito por aí. Eles adoram suas profissões e não se esquentam em emendar dias trabalhando. Eu comentei que devia ser o maior barato trabalhar se divertindo e aprendendo – porque a profissão de repórter é isso aí.
 
Por falar em repórter, deixei de propósito por último a minha entrevistada (quem entrevistou Márcia Garcês), a jornalista Lizzie (pra dar um toque francês, coloco acento agudo na letra “e”, e vira Lizzié).
 
Moça simpática, inteligente, carismática e muito simples. Uma batalhadora. Ela adora fazer matérias sobre inclusão social, principalmente das classes sociais baixas, uma vez que ela mesma veio de uma família pobre que lutou muito para que ela se formasse.
 
Ela já andou por algumas rádios e televisões por aí. Eu nem lembro direito, mas percorreu um currículo invejável durante a minha “entrevista”. É que eu to ficando velha e esqueci... 


 
Eu ficava o tempo todo olhando o olhão dela. Gosto de gente que olha nos olhos.
 
Gente alegre e jovem. Equipe de futuro. Jovens começando suas carreiras, mas já com um cabedal de conhecimento que dá inveja a muitos profissionais que não têm o mesmo carisma, Aquela turminha é porreta!
 
Pode até ser que a entrevista com minha amiga Márcia não dê em nada e fique arquivada para uma “oportunidade futura”, mas eu quero registrar a pergunta de Lizzié à doc: “Quem aprendeu com quem?”.
 
Eu digo: Todos os dias aprendemos. É feliz quem percorre um dia aprendendo e aproveitando coisas. Da mesma forma que Márcia foi entrevistada para falar de suas esperanças, ao mesmo tempo a gente aprendeu, a gente cresceu e a gente partilhou experiências.
 


Aquele dia ficará marcado para sempre na vida de todos que estiveram à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, num fim de semana tumultuado, mas falando sobre esperança.
 
Dona Menô
Fotos de Leila Marinho Lage
Clube da Dona Menô
19 de novembro de 2010

 
 
Márcia Garcês
Enviado por Márcia Garcês em 19/11/2010
Reeditado em 19/11/2010
Código do texto: T2625383
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