O poder do professor*

O filósofo francês Michel Foucault produziu importante trabalho sobre a natureza do poder. Na Microfísica do poder, ele escreveu: “o poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Não está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte consentido do poder, são sempre centros de transmissão”.

Se o poder é circular e não tem lugar específico, e se ele não pode ser identificado somente no estado, na empresa e na igreja, entre outras, onde ele está? Ele também está na rede humana que constitui a sociedade. Ele funciona e é exercido pelos indivíduos que compõem as variadas malhas que se interpenetram e se cruzam em meio ao corpo social, tendo como sujeitos as pessoas que conduzem os diversos processos de vida e existência no mundo. “Capilar”, “periférico” e “múltiplo”, nas palavras de Foucault, o poder tem a ver com os corpos humanos, tornados “sujeitos pelos efeitos do poder”.

É essa “compreensão micro” que possibilitar a análise das relações de poder que são estabelecidas nos e pelos diversos grupos humanos, tais como família, igreja e escola. Na escola, em particular, chama-me a atenção a relação de poder que se estabelece entre estudante e professor. Ela é, por natureza, uma relação pedagógica e se caracteriza basicamente por dois aspectos: é permeada pela epistemologia, pela informação, pelo conhecimento e pelo saber, e é, também, mediada pelas microdecisões políticas, as quais contribuem para formar subjetividades, identidades e sujeitos sociais.

Daí que um gesto, uma palavra, uma ação do ensinante não são simples movimentos. São elementos formativos porque não se desvinculam do caráter pedagógico de que se reveste o ser-estar daquele que escolheu a profissão de ensinante. Desse modo, não é somente a aula que ensina; é a presença do professor que tem a potencialidade de emitir uma lição atrás da outra. E não se trata unicamente de se considerar o professor como modelo e exemplo, mas de compreender que ele interfere e modifica o modo como o aprendiz constitui-se a si mesmo em meio aos outros, tanto quanto a maneira pela qual ele vai se posicionar na vida, no mundo, na sociedade e nessa infindável rede de interações humanas de que participará ao longo de toda a vida.

Parece assustadora a repercussão que os atos pessoais dos professores e professoras exercem sobre os alunos. Um gesto desinstala. Uma palavra desperta reação. Uma ação provoca múltiplos movimentos. Racionalidade e afetividade qualificam as atitudes, comportamentos e movimentos dos estudantes afetados pela presença do ensinante. Disso resulta, pois, o fato de as relações pedagógicas serem tão conflituosas como as familiares, profissionais e assemelhadas.

Em face do poder ninguém é inocente. Ninguém pode se apresentar de mãos lavadas. Estamos todos envolvidos em redes de poder e nelas o exercemos. Não é mais possível ver o poder como pertencendo apenas a políticos, magistrados e líderes religiosos. Se pensarem nisso, o professor e a professora poderão entender em que medida exercem o poder docente, e se o fazem no sentido da humanização do estudante ou do seu embrutecimento. Grande, pois, é a responsabilidade de quem se propõe a ensinar.

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*Artigo publicado no Diário da Manhã, dia 07/02/2009, p. 23.