“OS PIRATAS DO MÉ” – 30 ANOS DE SUCESSOS SEM GRAVAR!

Milton Alves (Milton Baixinho)

Em 1974, quando estudava versificação na quarta série ginasial, com a Professora Genelva Nunes de Santana, foi que aprendi o que era verso, estrofe e rima. Foi aí que despertei para a música e em pouco tempo já estava compondo.

Um dia, quando minha mãe fazia uma visita, junto comigo, a uma família que morava no Engenho Pilar, terra do meu pai, observei que num canto daquela casa havia um violão verde com detalhes em preto, abandonado e descolado. Durante o tempo em que passei naquela casa não deixei de admirar atentamente aquele objeto.

De volta pra casa, comentei com minha mãe sobre o violão e pedi pra que ela falasse com o dono da casa para comprar. Não sei precisar se o violão foi comprado ou doado pela família que era muita amiga da minha família, só sei que, dias depois, lá estava eu e o meu amigo Beiçola (Fernando Lima) na marcenaria de Tio Dudu, na Rua José Malheiros, próximo a Rua do Dezoito (antigo cabaré da cidade), colocando cola e pregos no violão que estava todo se descolando e empenado e só com cola não resolveria. Foram necessários tantos pregos que quando o afinamos, o seu som parecia mais com o de uma guitarra.

Surgia assim o que consideramos o primeiro instrumento dos Piratas do Mé, mesmo sem o grupo ter ainda nascido, fato este que só aconteceria num futuro próximo, quando junto com outros amigos, viríamos a formar o maior grupo de samba da região da Mata Norte de Pernambuco.

Passaram-se alguns dias para que o instrumento ficasse pronto e em seguida fomos, eu e Fernando Beiçola, pro beco da minha casa, localizada na Rua José Guedes, nº 58, fazer os primeiros acordes. Foi uma maravilha, uma loucura! Todos queriam ver o instrumento que na época não era tão fácil de tê-lo.

Vizinho a minha rua, morava um amigo que tinha também um violão, era Nequinho Justino, o qual já fazia algumas evoluções no instrumento e com ele fomos aprendendo novos acordes ou posições como era chamado na época.

Chegou o final do ano e com ele o fim da quarta série ginasial. E aí? No próximo ano eu não teria escola para estudar em Condado. Naquele tempo, só havia escola de segundo grau em Goiana, mas meus pais não podiam pagar meus estudos e transporte para lá.

Um dia, conversando com Fernando que se tornou um grande violonista e também cavaquinista, enquanto eu não passei dos primeiros acordes de ambos, veio a ideia de irmos para o Rio de Janeiro. Conversamos então com dois amigos que se encontravam no Rio há algum tempo, Ramos Negão e Neco Calipe, e combinamos que íamos ao Rio por dois motivos: continuar os estudos e gravar um disco, pois composições já havia bastante. Eu não aprendi a tocar, mas sempre tive facilidade para compor, inclusive melodias, mesmo sem ser músico. Na semana da viagem, Fernando desistiu. Como eu já estava com a passagem comprada, mantive a decisão e lá fui eu. Fui para o Rio de Janeiro no dia 1º de março de 1975, sem meu amigo e parceiro.

Chegando lá, logo na primeira semana, Ramos Negão, arranjou um trabalho em Angra dos Reis, no litoral sul do Estado da Guanabara, e Neco Calipe teve que ir morar em Belford Roxo, pois havia “mexido” com uma menina em Condado, há algum tempo atrás, e ela tinha ido ao Rio atrás dele.

Fiquei sozinho no Rio de Janeiro. Sem um ponto de apoio tive que ir atrás de emprego, antes de completar um mês da minha chegada, pois o dinheiro que levei já estava acabando. Trabalhei durante os dois anos que lá passei, mas sempre arranjava um tempinho para as minhas farras e também, claro, para fazer músicas.

Quanto a gravar um disco não deu, pois não tive como me entrosar com alguém de lá, nem tinha mais tempo para correr atrás deste ideal. À sobrevivência falava mais alto. Com mais um agravante, estávamos em plena ditadura e no Rio havia muita restrição às pessoas, até porque, o Rio era território de muitos “ditos” subversivos, aqueles que lutavam contra a ditadura e havia muito medo das pessoas em circular à noite.

Fiquei lá sem estudar, minha mãe me cobrava sempre sobre os estudos, e de tanto ela insistir, resolvi voltar para continuar os estudos, já que o Colégio Cenecista do Condado havia implantado um Curso Técnico em Contabilidade. Nessas condições, eu voltei para fazer o meu segundo grau, pois a matrícula já estava feita e as aulas já haviam começado.

Cheguei do Rio de Janeiro num sábado, dia 26 de fevereiro de 1977, logo depois do Carnaval. No domingo fui pagar uma promessa que minha mãe tinha feito para São Severino dos Ramos (cidade do Paudalho) e na segunda-feira, pela manhã, fui à procura dos meus amigos.

Do violão verde, com detalhes em preto e com som de guitarra, não tive mais notícias, nem descobri o seu destino, só sei que quando viajei o deixei em casa. Foi com ele que demos os primeiros passos na música. Beiçola freqüentava assiduamente a Barbearia de Néu (violonista e cavaquinista), ponto de encontro das tocatas de sambas, forrós e outros ritmos. Lá também era ponto de Tião do Cavaco, João Vaz (violão), Lila Balbino (grande percussionista) e outros. Nesse grupo, Beiçola era um coadjuvante dos bons e sempre que Néu ou Tião lhe dava uma pontinha, no violão ou cavaquinho, ele fazia um espetáculo.

Quando eu vi aquilo, me animei. Era a oportunidade que eu há tempos esperava. Também freqüentavam aquele local, Arlindo Cabugá, Robertinho (Naúra), Pinininho Monteiro, Bochecha de Grogue, entre outros.

No Rio passei dois anos ouvindo sambas dos bons e por isso eu estava afiado no repertório atual, especialmente, sambas de enredo, mas lá em Néu o repertório era antigo e uma parte do pessoal que freqüentava a Barbearia não gostava muito dos novos sambas. Sem emprego, durante o dia ficávamos na Barbearia de Néu, só íamos pra casa na hora do almoço e do jantar e à noite nos encontrávamos no Colégio Cenecista.

Neste mesmo ano, chegou de férias do Rio, Ramos Negão e de São Paulo, Ramos Skayte, outro amigo e conterrâneo que voltou pra ficar. Ramos Negão voltou para o Rio depois das férias e Pininho arrumou uma namorada pro lado de Caaporã (cidade paraibana) e se mudou pra lá. Ficamos, eu, Robertinho (Naúra), Fernando Beiçola, Arlindo Cabugá, e Ramos Skayte. Como o espaço lá em Néu era pequeno pra tanta gente, além do que, queríamos tocar um estilo de samba diferente daquele que era tocado lá, resolvemos então que iríamos formar o nosso próprio grupo.

Na Filarmônica 28 de Junho, hoje centenária, tocavam: Fernando, Arlindo, Roberto e Ramos, só eu não era músico. Nesse grupo, talento musical havia de sobra. Não custou muito e numa noite de muita inspiração no Colégio Cenecista, surgiu à primeira composição do novo grupo, composição da antiga dupla (Fernando Beiçola e Milton Baixinho), agora com a participação de Robertinho, Skayte e Cabugá. O nome da música foi muito sugestivo, “Estamos Aqui”, e estávamos mesmo. Essa música faz parte, até hoje, da abertura de todas as nossas tocatas. Tudo aconteceu muito de repente. Foi um colosso. E cadê os instrumentos musicais para formar o grupo?

Os primeiros instrumentos, com exceção do cavaquinho, que era emprestado, ora por Néu, ora por Tião, foram confeccionados por nós. Ganzá, Pandeiro, Tamborim, Triângulo, Reco-reco e Bumbo, todos foram feitos com sobras de materiais da Filarmônica e com a ajuda dos meninos de Monteiro que eram especialistas em confeccionar instrumentos musicais e nos ajudaram muito nessa empreitada. Até uma bateria os danados fizeram.

Bochecha de Brêdo ou Grogue, já era cantor e tocador famoso na região, cantava em Inglês, em Francês e em outros idiomas. Seu Inglês era um dialeto ímpar (vocábulo particular), que só ele compreendia, mas era melódico e com a sua sanfona dava um tempero nordestino ao samba que nós tocávamos. Porém ele não era assíduo, porque tocava forró com um pessoal que freqüentava a casa dele. Conosco, fazia algumas participações, principalmente na época junina quando nós tocávamos forró.

Com um repertório atualizado estávamos na moda, como diziam na época. A moçada gostava das músicas que tocávamos de Chico da Silva, Martinho da Vila, Benito di Paula, Alcione, Roberto Ribeiro, Agepê, Luiz Américo, Luiz Ayrão, João Nogueira, Paulinho da Viola, Paulo Diniz, Antonio Carlos e Jocafi, Tom e Dito, Clara Nunes, Beth Carvalho, Bezerra da Silva, Jorginho do Império, Os Originais do Sambas, Gilson de Souza, Milton Carlos e Fundo de Quintal, recém criado. Mas também tocávamos Demônios da Garoa, Moreira da Silva, Nelson Gonçalves, Cartola, etc. E ainda Trio Nordestino, Jorge de Altinho, Banda de Pau e Corda, Quinteto Violado, entre outros. O público era bastante diverso daquele que habitava a Barbearia de Néu. Era eclético e menos conservador.

Além do futebol, que modesta parte, todos nós jogávamos muito bem, no Progresso Futebol Clube do Condado, respeitado em toda região da Mata Norte de Pernambuco, a música era o outro passa tempo que todos gastávamos. Adorávamos. Como no futebol habilidades era o que não faltava, no dia 07 de julho de 1977, dia do aniversário de Ramos Skayte, tocamos juntos pela primeira vez, debaixo de um pé de manga que era rodeado de pés de pimenta do reino e de um pé de carambola que ficava no quintal da casa de Beiçola.

Com um repertório ensaiado e escolhido a dedo por nós, nascia assim o grupo de samba “Os Piratas do Mé”, que traduzindo para o linguajar de Beiçola, significava “Os Ladrões de Aguardente”. Logo depois, inauguramos o Bar do Lila (do amigo Lila Balbino), e lá fizemos a nossa “morada”. Era samba de manhã, de tarde, de noite e de madrugada. Nas praças da Cidade amanhecíamos tocando samba, xote, baião, ciranda e outros ritmos.

O entrosamento era inevitável a cada vez que tocávamos e com ele mais composições e mais tocatas. Começaram a aparecer festas para tocarmos, como: batizados, aniversários, casamentos, festas políticas, carnavais e até velórios, isso porque ninguém pagava nada, nosso cachê era bebida e tira gosto.

O sucesso foi aumentando até o auge, que aconteceu na Feira dos Municípios, no Parque de Exposições do Cordeiro, no Recife, onde nós nos apresentamos no mesmo palco onde se apresentaram, durante aquele evento, Luiz Gonzaga, Paulo Diniz e outros artistas de nome nacional.

Depois desse sucesso, o grupo “Piratas do Mé” teve outras formações, principalmente porque, por diversas vezes, ele dava uma parada como se tivesse acabado, mas sempre voltava, tanto pela vontade dos fundadores, quanto pelos pedidos dos fãs condadenses. A formação mais recente é a do ano 2000, onde além dos fundadores (eu, Ramos e Fernando), tínhamos a participação de Toinho Silveira (Dragão), Rafael Balbino e Edilson Skayte, na percussão; Cantor (Eco), vocalista nos forrós; Néa, no cavaquinho e Ismael Gaião no violão, este inovando o repertório com músicas da MPB.

Eu e o poeta-cordelista, e agora colunista do Jornal da Besta Fubana, Ismael, passamos a ser parceiros nas composições das músicas do grupo, portanto fica a cargo desse meu amigo, a responsabilidade de contar a história recente dos Piratas do Mé.