Autoajuda ajuda?

Wilson Correia*

Em três comentários recentes aqui nos meus textos apareceu a expressão “autoajuda”. Fiquei me perguntando o motivo para tal ocorrência: será a filosofia altamente confundível com os temas recorrentes na mídia sob a etiqueta da autoajuda? Sendo os meus textos tão críticos, satíricos, ácidos, irônicos, às vezes, sarcásticos, nos quais não me limito a fazer estudos genealógico-descritivos, mas, sobretudo, dizer se concordo, não concordo e a razão pela qual tomo uma ou outra posição, ainda com essas características, meus textos estariam sugerindo a ocorrência do termo, mesmo que eu nunca o tenha utilizado? Não sendo eu um leitor daquilo que usualmente se chama de autoajuda, nem uma autoridade no assunto, o que terei para falar sobre isso? Em princípio, nada me ocorreu. O jeito foi procurar, pesquisar, ampliar meu entendimento sobre o tema, ainda que, neste momento, utilizando a internet. Os resultados a que cheguei encontram-se a seguir, resumidamente.

História

Estão lá nas raízes de nossa cultura ocidental os emblemas grego e latino respectivamente: “Conhece-te a ti mesmo” e “Que a mente seja sã em um corpo são”. O primeiro, inscrito no pórtico do tempo de Delfos, Grécia, como sabemos, tornou-se o mantra socrático muito encontradiço ainda entre nós atualmente. O segundo, extraído da 'Sátira X' do poeta romano Juvenal, também é outra frase feita muito presente em nosso meio. Repetimo-las como se fossem o suprassumo dos imperativos sobre o desafio de juntar vida boa e boa vida.

Em verdade, o primeiro tem a ver com as questões antropológicas perenes: Quem sou? De onde vim? Como devo agir? Para onde vou? A segunda frase também enseja problemas nada superficiais, uma vez que nos acossa sobre como manter o corpo e a mente de maneira saudável e harmoniosa, o que não é pouco e nem pode ser resolvido com indicações aligeiradas. Mas elas são, a meu ver, as manifestações inaugurais disso que chegou até nós sob o epíteto de autoajuda.

Epicuro, filósofo grego que viveu entre os séculos III-IV a.C., propõe um tetrafármaco (quatro remédios) que consistia em: 1. Não temer os deuses; 2. Não temer a morte; 3. A felicidade é plenamente alcançável; 4. Pode-se suportar a dor. Isso seria o quê? Imperativos de cuidado de si?

Nietzsche propôs o caminho do super-homem como uma possível saída para a superação da mentalidade servil e de rebanho. Marx preconizou a dissolução individual no coletivo como forma de o humano ser no mundo. Essas seriam formas de autocuidado?

Foucault, em diversas obras, sobretudo na história da sexualidade, tentou argumentar em favor de um cuidado de si que poderia ser derivado dos pressupostos incrustados na cultura do Ocidente. É esse cuidado que virou autoajuda? Sócrates e os demais autores citados aqui aceitariam a alcunha de mentores da autoajuda?

A gênese da “coisa”

Enquanto não sabemos a resposta, procuremos na história tópicos dos vestígios deixados por aqueles que o fizeram explicitamente.

Até onde pude chegar nessa breve colheita de informações sobre o assunto, deparei com o dado de que foi em 1895 que “o pensador britânico Samuel Smiles escreveu o livro ‘Self-Help’, no qual fornecia vários conselhos sobre a forma como as pessoas deviam proceder para se ajudarem a si próprias. Nesse livro, Smiles deixou uma frase que ficou para a História: ‘O céu ajuda aqueles que se ajudam a si próprios’. Apesar de ser referido como o primeiro escritor de livros de desenvolvimento pessoal, já os filósofos, quer do ocidente quer do oriente, incentivavam o auto-conhecimento e ajuda: se não, o que poderíamos chamar aos mantras usados no budismo?” (Martins, 2009, Online).

Mas... o que é autoajuda?

Segundo a Wikipédia, “O termo ‘auto-ajuda’ pode se referir a qualquer caso onde um indivíduo ou um grupo (como um grupo de apoio) procura se aprimorar econômica, espiritual, intelectual ou emocionalmente” (Wikipédia, Online). Assim sendo, autoajuda pode potencializar o individualismo (caso do pensamento positivo estadunidense) como pode exacerbar o coletivismo (caso das religiões embrutecidas e embrutecedoras pelo manejo coletivo do poder de uma fé cega fundada no fanatismo), como pode servir ao homem e à mulher para que se dediquem ao autoconhecimento e para que encontrem formas de terem uma mente saudavelmente harmonizada com um corpo saudável. Nessa terceira possibilidade eu não vejo nenhum mal e chego a dizer que todos os livros que li na minha vida, nessa acepção, são de autoajuda: ajudaram-me a que eu mesmo me ajudasse a me tornar o que sou no mundo, amante da justiça, da liberdade e de uma produtiva relação entre indivíduo e sociedade, pessoa e grupo, o “eu” e o “outro” em relações nutritivas de alteridade.

Assim sendo, autoajuda é sinônimo de pensamento positivo? Não. Autoajuda consiste de ensinamentos sobre como alcançar riqueza? Não. É a reunião de receitas de sucesso, felicidade, êxito, emancipação, autonomia? Não. Autoajuda se constitui de livros que reúnem respostas fáceis sobre problemas existenciais, descontextualizando e dessocializando o humano, que é econômica, cultural e ideologicamente situado? Não. Autoajuda é conteúdo placebo? Não. Autoajuda é motivação? Não. Autoajuda é promessa de coisas inalcançáveis? Não. Autoajuda é o emprego de teorias, ideias e sistemas de maneira errônea e inapropriada? Não. Autoajuda resume-se ao bem-estar subjetivo, uma vez que o bem-estar social está sendo negado às pessoas? Não.

Como afirma Ruy Miranda, “Observamos que muitas pessoas depreciam quem utiliza a auto-ajuda, assim como a quem dá as instruções. E como a prática da auto-ajuda tornou-se muito comum, principalmente com a difusão da Internet, pessoas mais extremadas se referem pejorativamente a esse fenômeno como a 'cultura da auto-ajuda'. Querem dizer com isso que se trata de um conhecimento superficial das coisas. Do meu ponto de vista tal depreciação é inadequada porque em muitas situações o problema pode ser superado sem que se conheça todo o processo envolvido, como no caso de fazer o carro andar. No sentido amplo do conceito, todos nós utilizamos a auto-ajuda no quotidiano” (Miranda, Oline).

Argumentos a favor

Ainda segundo a Wikipédia, “Há um crescente número de evidências que terapias psicológicas para ansiedade, depressão e outros problemas mentais comuns podem ser efetivamente combatidos através do uso de livros, programas de computador e outros meios. Pesquisas mostraram que pessoas que tentam frequentemente resolver sozinhas seus problemas, na maioria dos casos usam técnicas similares àquelas usadas por psicoterapeutas. Outro contra-argumento é o de que alguns leitores de livros de auto-ajuda buscam 'respostas fáceis', mas isso não significa que as respostas nos livros são de fácil aplicação. Um livro pode sugerir um método de agir (fácil ou não), mas apenas o leitor pode levá-lo adiante, e muitos leitores tem mais vontade de fazê-lo que outros. Os que fazem o esforço geralmente tem mais melhorias em suas vidas. Stecen Bergas escreveu: ‘Para ser justo com Mark Monsky e outros autores de auto-ajuda, há muito material útil em suas obras e muito dos danos causados por esse tipo de literatura acontecem pelo fato de que esses livros não são lidos com atenção ou sequer são lidos. Muitas pessoas citam ‘insights’ dos livros baseados em uma leitura apressada das quartas capas ou dos títulos.’”

E, prossegue a Wikipédia: “Benjamin Flanklin escreveu no seu auto biography: ‘Quando eu sabia, ou achava que sabia, o que era certo e o que era errado, eu não via porque eu não deveria sempre fazer um e evitar o outro. Mas logo descobri que tinha assumido uma tarefa muito mais difícil do que imaginava. Enquanto minha preocupação era ficar alerta em relação a uma falha, muitas vezes era surpreendido por outra; o hábito tira vantagem da desatenção; algumas vezes a vontade é muito forte para ser racionalizada. No final das contas, cheguei à conclusão de que a mera convicção especulativa de que é nosso interesse ser totalmente virtuoso não é suficiente para prevenir nossos deslizes; e que os hábitos contrários a isso devem ser quebrados, e os bons devem ser adquiridos e estabelecidos antes que possamos ter qualquer dependência de uma retidão de conduta firme e uniforme’. Enquanto o método descrito por Franklin em sua autobiografia é direto e fácil de ‘entender’, ele claramente não sugere que seja uma coisa fácil de ‘fazer’. Alguns autores de auto-ajuda talvez tratem rapidamente dessa distinção, mas mesmo quando não o fazem, os leitores deveriam desculpá-los. O próprio Franklin admitiu que ele só obteve um sucesso parcial, mas ele achava que qualquer avanço era preferível a nenhum, e continuou com seus esforços por vários anos. Em relação às críticas do auto-desenvolvimento versus o desenvolvimento social, se cada indivíduo melhorar a si próprio, a longo prazo isso será um benefício para a sociedade como um todo: o auto-desenvolvimento, portanto, leva a uma mudança social coletiva” (Wikipédia, Online).

Críticas

Segundo Marques, “Em matéria para o ‘The New York Times’, a jornalista Barbara Ehrenreich (2008) associou o endosso dos norte-americanos ao lema do pensamento positivo à crise financeira internacional. Quem pensa que tudo vai dar certo e joga sempre para ganhar não se prepara para os infortúnios. Em ‘Literatura de Auto-Ajuda e Capitalismo’, obra de 1995, o sociólogo, filósofo e estudioso das comunicações, Francisco Rüdinger, ajuda-nos a entender o recente fenômeno editorial [Byrne, ‘O segredo’, 2007], apesar de não se deter sobre a literatura de auto-ajuda dos últimos anos, tendo em vista que o lançamento de seu livro ocorreu há mais de uma década. A leitura da obra de Rüdinger que conjuga perspectivas oriundas da sociologia, como também da filosofia e da história, nos faz perceber que, apesar do título, Byrne [‘O segredo’, 2007] não traz à luz segredo algum. A escritora australiana arquiteta, sim, mais um tratado de auto-ajuda cujas raízes remontam à doutrina do pensamento positivo, formulada nas primeiras décadas do nosso século pelos pregadores do Novo Pensamento” (Marques, Online).

Inconcluindo

Depois de tudo isso, dá para entender que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa, como diriam por aí. Quanto a mim, tenho me posicionado, como afirmei anteriormente, a favor de um processo de individuação que não aborte a socialização. Critico o individualismo porque ele é o fundamento da subjetividade e da identidade do homem pretensamente autônomo, emancipado e capaz de felicidade universal e paz perpétua, como, por exemplo, Kant defendeu em suas obras, refletindo um pensamento que se fez ideologia hegemônica na Modernidade.

Esse modo de pensar requer que se dê lugar à liberdade e à justiça, simultaneamente, como valores conjugados e complementares. Não é o caso de o indivíduo assassinar o coletivo, muito menos de o coletivo sufocar e aniquilar o indivíduo. O bom senso que teríamos de conquistar haveria de nos levar a um modo material de produzir a vida, a uma maneira de fazer política, a um jeito de produzir cultura simbólica e a um modo de elaborar a nossa mundividência fundada no respeito, na solidariedade, na liberdade e na justiça que fariam de nós seres para nós e para os outros, numa convivência nutritiva e eqüitativa.

Isso é sonho? Utopia? Que seja e não estou me importando com isso. Vou continuar não sendo um leitor daquilo que usualmente se chama de autoajuda, nem quero ser uma autoridade no assunto, porque minha escolha é empregar a filosofia como ferramenta para a compreensão de mim mesmo e dos meus semelhantes, do meu tempo, do meu espaço e da minha história.

Nesse sentido, quero saber, sim, é o que de mim próprio e de todos nós pode contribuir para isso. Se uma espécie de produção humana pode contribuir e ajudar para que esse pensamento se fortaleça, que problema há nisso? O dia em que eu abrir mão de minhas crenças, não mais terei razões para existir.

Referências

BYRNE, R. ‘O Segredo’. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.

EHRENREICH, B.. ‘The power of Negative Thinking’. “The New York Times. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2008/09/24/opinion/24ehrenreich.html. Acesso em: 15.11.2009.

MARQUES, M. B. S. “Segredos da Auto-Ajuda”. Disponível em: <ttp://www.pucsp.br/revistanures>. Acesso em: 15.11.2009.

MARTINS, P. “Quando a auto-ajuda não ajuda” (10.07.2009). Disponível em: <http://portal.alert-online.com/?key=680B3D 50093A6A2125590E2032232A5206343E002E71023A360727130 E2A6A5F780D5F>. Acesso em: 15.11.2009.

MIRANDA, R. “Porque a Auto-Ajuda na Timidez ou Fobia Social não o Ajuda”. Disponível em: <http://www.timidez-ansiedade.com/art/fobsoc-tim/a-12-autoajudanaoajuda.htm>. Acesso em: 15.11.2009.

RÜDIGER, F. ‘Literatura de auto-ajuda e individualismo”. Porto Alegre: Ed. da Ufrgs, 1996.

WIKIPÉDIA “Autoajuda”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Autoajuda>. Acesso em: 15.11.2009.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br