Ungido para libertar [SERMO LXXXIX]

UNGIDO PARA LIBERTAR

Um ensaio sobre a liberdade e a libertação

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

A Verdade libertará vocês (Jo 8,32)

O evangelho nos revela que Jesus foi ungido (Xristós, no grego e hamâšaiah, no hebraico) pelo Espírito Santo (cf. Lc 4,16-21) para desenvolver no mundo, junto à humanidade, o projeto restaurador do Pai. Por conta disto, Cristo e Messias são palavras que – independente da língua em que apareçam – têm o mesmo significado: ungido. Ungido para libertar.

Desde a Antiguidade, os povos semitas utilizavam a unção para designar, credenciar ou habilitar alguém para uma determinada função ou atividade. Assim, ungiam os reis, os profetas, os comandantes, os juízes e as autoridades do povo de Israel. Desta forma, Jesus adota para si os termos do livro do profeta Isaias, cuja leitura ele fez naquela manhã, na sinagoga de Nazaré, onde ele costumava ir. Ele foi ungido para:

• anunciar a boa notícia aos pobres;

• libertar presos e oprimidos da servidão do pecado e da

opressão social, política e religiosa;

• curar doentes (questão de saúde, comportamento e

pecado);

• proclamar um “ano de graça” de perdão, de partilha e

restituição de bens penhorados, arrestados, etc.).

Ocorre a partir dessa unção espiritual uma “tríplice libertação”: do pecado, da lei e da morte, que falaremos em seguida. Nesse particular, a messianidade de Jesus não pode como querem alguns, ser contemplada fora de sua atividade libertadora. Se Jesus se houvesse limitado a ser um pregador itinerante das maravilhas místicas contidas na lei dos judeus, seguramente ele não teria sofrido a morte violenta que sofreu, mas não teríamos a pregação do Reino (que exige ruptura) nem o lançamento das bases da Igreja (que exige participação comunitária e solidária). A luta de Jesus ocorreu por causa de justiça, contra todo o tipo de poder e dominação que oprimia o povo. Ele é Messias porque liberta. E vice-versa.

Jesus é o libertador do mal maior que é o pecado, conforme o projeto de Deus. Ao libertar do pecado ele também liberta o homem dos sofrimentos desta vida, do desamor, dos fracassos, do desespero. Quando Deus demonstra seu desígnio para os cativos que saiam da prisão, não é uma ordem remota. Ele não está querendo dizer que as cadeias serão abertas depois do cumprimento das penas. O sentido das palavras divinas vai além.

Ele revela que, através de seu Cristo, vai livrar imediatamente os presos de suas más inclinações, vícios e pecados. Vai igualmente livrar os homens livres do jugo da idolatria, da auto-suficiência e do egoísmo, assim como vai extirpar da sociedade toda insensibilidade que divide e exclui. Essa libertação também vai contemplar a ação divina contra a opressão social, política, econômica e ideológica. Ao assumir seu múnus redentor, Jesus entra de cheio na causa da humanidade que sofre, e assim ele liberta de todas as prisões.

No tempo propício e oportuno (em um kairós do Senhor), Jesus irrompe na história da humanidade como libertador, aquele que salva, cura, perdoa pecados, ensina, mostra o caminho, expulsa demônios e coloca-se a serviço. Às vezes, ofuscados pela mística, nós costumamos espiritualizar demasiadamente as palavras e as atitudes de Jesus e deixamos de ver o que ele realizada pela nossa vida concreta,humana, material.

Iguais aos antigos judeus, nós, muitas vezes, tentamos esconder os desajustes que ocorrem em nosso interior, afirmando que somos livres. Será que somos livres mesmo? E o egoísmo? E a idolatria do ter, do poder e do prazer? A libertação que Jesus traz, e esse é o núcleo central do cristianismo, ocorre de forma tríplice. Ele nos liberta

• da escravidão do pecado;

• do jugo da lei;

• das trevas da morte.

A partir de Jesus, Deus e homem de verdade, se instaura no mundo uma práxis capaz de restaurar a criação desfigurada pelo pecado, cujo epicentro tem origem no mau uso da liberdade. Jesus vem para libertar a vida das garras da morte e projetá-la para a liberdade integral, conforme o desígnio de Deus. Membro do povo de Deus, o cristão é agente e destinatário da libertação. Tudo tem início com uma grande proclamação:

Jesus foi à cidade de Nazaré, onde se havia criado. Conforme seu costume, no sábado entrou na sinagoga, e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor”. Em seguida Jesus fechou o livro, o entregou na mão do ajudante, e sentou-se (Lc 4, 16-20).

Observando atentamente o texto acima, vemos que ele fala duas vezes em libertar: os presos (das garras do pecado) e os oprimidos (da opressão sociopolítica). Em seguida se refere à cura dos cegos. Quem são esses cegos? As alegorias do evangelho apontam para dois grupos: os que efetivamente não enxergam nada (os cegos propriamente ditos) e os que, tendo olhos, não querem ou não conseguem ver.

Assim, ao pregar a libertação e ao associar-se àqueles que

operam e sofrem com o sentido de favorecê-la, a Igreja não

admite circunscrever a sua missão apenas ao campo religioso,

como se caísse em um desinteresse pelos problemas temporais

do homem (cf. EN 34).

Desde os tempos mais remotos, o mais terrível castigo imposto ao ser humano, pior muitas vezes que a morte, é a privação de sua liberdade. Um homem privado de liberdade, seja de que tipo for essa privação, é uma pessoa sem autonomia, sem ação, quase sem vida. O libertador de Javé, Jesus Cristo, veio libertar e salvar as ovelhas perdidas da casa de Israel. Sua missão é a de curar os doentes, reunir os pecadores e trazer liberdade aos que estavam nas trevas da masmorra.

Cristo, o grande libertador da humanidade, aquele que foi ungido pelo Espírito para libertar, veio para trazer vida abundante (cf. Jo 10, 10), chega para conviver conosco para nos libertar de todos os nossos cativeiros, independente de quais sejam as fontes da opressão.

Por mais paradoxal que possa parecer, nesse começo de século XXI nunca se falou tanto em liberdade, seja através da mídia, de debates ou outros meios, como uma meta pessoal, ou um objetivo social.

Hoje, mais do que nunca se observa reclamos de liberdade e libertação no seio das famílias, onde a seu modo, cada um quer se eximir de seus compromissos e responsabilidades para, quem sabe, dedicar-se a um sentido de vida mais individualista e menos comprometido com o outro. A isto chamam de liberdade. Será que efetivamente é?

Na sociedade atual se fala muito em liberdade, não como um direito de cada um, mas como uma provável benesse do Estado, em favor da economia, dos grandes grupos sociais e dos interesses políticos. A visão de liberdade assim descrita, situa-se dentro dos postulados (neo) liberais, onde os segmentos detentores do poder têm liberdade (o laissez faire) de fazer o que bem entendem. Sabe-se, no entanto, e a ciência política no-lo ensina, que a liberdade plena, em uma sociedade, se verifica através da obtenção e do favorecimento do bem comum, isto é, prover os meios para que todos os cidadãos se realizem, e não as minorias.

Na política, os postulados defendidos pelos liberais postulam a liberdade de eles fazer o que bem entenderem, mesmo que sua pretensa liberdade incorra em dano ou violência contra os demais que, via de regra, são maioria.

Num fragmento de Heráclito encontramos “Deus fez livres a todos”, como a expressar os ideais igualitários que os estóicos já preconizavam no século IV a.C. da antiga Grécia. Mesmo que não se queira dogmatizar a compreensão de liberdade, envolvendo-a em conceitos e definições teóricas ou acadêmicas, vai-se encontrar, na possibilidade de a pessoa estabelecer suas próprias escolhas e pô-las em execução, os juízos aproximados do que se conceitua como liberdade pessoal. Sobre isto, na literatura sapiencial dos judeus, lemos que

Deus criou o homem e o entregou ao poder de suas decisões

(Eclo 15, 14).

Isso evidencia, de forma clara, que Deus criou o homem, com liberdade e para a liberdade. A liberdade surge como dom, junto com a vida. Jesus veio libertar os que perderam esse dom. Para que se chegue a uma adequada compreensão do processo libertador de Jesus que liberta de todas as prisões, entendemos útil estabelecer algumas conceituações a respeito de liberdade e do benefício de ser livre.

Embora, faça parte do ideal filosófico, desde antanho, fazer com que o homem nasça e permaneça livre toda a sua vida, temos visto que, seja através de regimes políticos, ou por causa de ideologias ou teorias sociais, muita gente em nosso mundo perdeu a liberdade, de forma literal ou metafórica.

Quem está preso, cumprindo pena judicial, justa ou não, ou quem sofre a violência de uma prisão política, injusta e arbitrária, ou então, quem não consegue se libertar de um vício, de um costume materialista alienante, ou de um sistema social de futilidades, todos esses, embora de formas diversas, sofrem a privação de sua liberdade.

Ser livre, do ponto de vista axiológico, subentende fazer tudo o que pode ser feito. Desfrutar de liberdade, ser livre, é controlar seus próprios atos, de forma disciplinada e autodeterminada, e implica, sempre, uma relação eminentemente ética. Na dimensão ética da liberdade, eu nunca sou livre para mim, mas sempre na relação do eu-para-o-outro.

Do plano moral ao plano religioso, a expressão da liberdade muito pouco se altera, pois o que é negado e vetado em um, equivale no outro. Quando oramos “livra-nos do mal...” (cf. Mt 6, 13), estamos incluindo em nossos males a escravidão de quaisquer servidões, e estamos pedindo: “dá-nos liberdade!”. A carência de liberdade, a história é rica nesses testemunhos, é o maior mal que pode afligir a humanidade. Há quem diga que todos nascem em liberdade, mas que essa virtude é perdida a partir do mau uso que alguns fazem dela.

Se eu não uso bem minha liberdade, posso perdê-la. Se a uso de modo egoísta ou individualista, meus atos podem acarretar uma forma de cativeiro para os outros. “Na verdade, a liberdade é uma relação entre pessoas – ensina o teólogo protestante Dietrich Bonhoeffer (In: Creation and Fall, Dv. NY, 1966) – onde ser livre significa ser livre para o outro, uma vez que o outro me liga a ele. Somente em relação ao outro é que sou livre”. Bonhoeffer, um cristão perseguido pelos nazistas, foi executado em Auschwitz, em 1945.

No terreno teológico, vemos que a liberdade é um dos maiores dons que Deus dá ao homem. Sob esse prisma ela é doada. Nessa doação, é infundido no espírito humano, como que uma capacidade de descobrir seu próprio caminho, bem como a faculdade de poder percorrê-lo. Só através da liberdade que as pessoas e os grupos humanos podem construir uma história justa. A liberdade, em termos sociais, não é dada; ela precisa ser conquistada, a cada dia.

O ser humano pode desfrutar da liberdade através de duas realidades axiais: no primeiro, nasce livre de escravidão, e no segundo vive livre de quaisquer dominações morais, respondendo a elas com seu livre-arbítrio. Sobre o viver livre de coações morais, sobre as quais falaremos adiante, o homem obtém, na prática da virtude e a coerência da ética, o reforço para trilhar o caminho adequado.

Os sistemas políticos, calcados nos anti-valores da mentira, da exploração e da violência, têm sido, via-de-regra, multiplicadores de um processo cruel de alienação e de subordinação de muitos à pobreza, à fome e à miséria. Por alienação, neste caso, no tocante a uma ameaça à liberdade, se entende aquelas atitudes que impedem o homem de se tornar autor de sua própria história. Alguns místicos mais fundamentalistas vêem na alienação uma ação demoníaca. Esses sistemas políticos opressores, em geral são coonestados por sistemas judiciários corruptos e tendenciosos.

Imersos nesse mar de descaso e desespero, muitos têm caído no vício, na prostituição, na marginalidade, na delinquência e na perda dos referenciais morais. Um processo assim gera dois tipos de escravidão: o que domina, torna-se vítima de sua ambição e não pode se libertar dela.

O oprimido, amordaçado por um sistema injusto, para o qual concorrem, muitas vezes, por ação ou omissão, o político, o social, o econômico e até o religioso, torna-se presa fácil do sistema, caindo, não raro, no vício, nas formas marginais de obtenção de meios de sobrevivência, ou, simplesmente caindo na apatia e na desesperança. Os dois pólos, sujeito e objeto da opressão, cada um deles sofre a perda de sua liberdade. Como uma dependência à droga ou outro estímulo nefasto, já não podem deixar essas práticas sem uma ajuda efetiva. Jesus vem para libertar a ambos...

Ser livre é agir de forma efetivamente transformadora e irradiadora, segundo os preceitos do evangelho de Jesus. Assim como é preciso libertar o espírito humano de todas as formas de pecado, igualmente carece resgatar sua porção material da opressão, que nada mais é do que o pecado da sociedade onde o homem vive. Jesus é nosso libertador em todas essas dimensões, exatamente porque ele é Deus e homem. Ele – como ninguém – conhece toda a extensão da escravidão e da opressão que o ser humano é capaz de infligir ao seu próximo. Livre por essência, ele quer entrar em diálogo com seres livres.

Desde o Egito (cf. Ex 3,7s) que o Pai vê o estado de opressão que passa seu povo, nas garras dos faraós de todos os tempos. Na plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4) constatando a escravidão do seu povo, Deus ungiu e enviou Jesus apara efetuar a obra da redenção, para que, de cabeça erguida o homem possa contemplar e usufruir a libertação que chegou.

O Jesus histórico (do passado palestino) que vive no meio de nós, caminha em paralelo com o Jesus libertador (do presente universal) para nos conduzir ao Reino dos céus (mística do futuro que se instaura a partir de agora).Por esta razão, as Igrejas cristãs dão privilegiado espaço à oração do Pai-Nosso, pois todas as vezes que o povo pede “venha a nós o teu Reino”, ele está proferindo um pedido de libertação, pois, uma vez que o Reino subentende a libertação integral, suplicando a chegada do Reino pedimos a libertação que vem de Javé e do seu Cristo.

A libertação integral tem o condão de conduzir o homem à fraternidade,à alegria e à misericórdia, colocando-o ao serviço dos demais, pela vigilância, caridade e oração, que são as pontas-de-lança da conversão e da perseverança, onde somos justificados pela fé em Jesus Cristo, sem as formais obras da antiga lei. As boas obras (inspiradas pela graça da fé agem como um sal diferenciador no mundo, e como fermento transformador na massa. As boas obras cristãs se encontram sempre agregadas à fé. Elas acompanham indissociavelmente qualquer profissão de fé em Jesus. Eu pratico boas obras porque creio em Cristo.

A fé cristã implica necessariamente uma ética. Para que o evangelho se irradie e contamine o mundo é preciso que os cristãos vivam aquele elenco de valores reconhecidamente libertadores e distintivos. Disso a cristologia não abre mão: revelar um Cristo enviado para libertar, curar, resgatar e salvar os homens. Como ensina o teólogo Hugo Assmann,

Ou a teologia pensa criticamente a realidade, e é libertadora,

ou ela deixa de ser teologia, para se enfileirar às forças

ideológicas, sustentadoras do status quo, tido

equivocadamente como justo e equitativo (In: La dimensión

política de la fé. Salamanca, 1978).

A afirmação de Jesus sobre a verdade que liberta, e que muitos homens do seu tempo não entenderam (e muitos não entendem até hoje), é aceitar o modelo de vida nova que ele veio propor, que torna relativo aquilo que parecia absoluto e valoriza coisas antes de pouco valor.

A libertação só é possível quando provoca ruptura com a ordem injusta com a ordem injusta e com o sistema que oprime e impede a experiência do grande amor de Deus através do amor ao próximo.

Ao informar que sua palavra liberta (cf. Jo 8,32), Jesus se revela, ele mesmo o libertador, aquele que vem resgatar o homem do pecado, da morte, do afastamento, da descrença e do egoísmo. Quanto a isto ele adverte e denuncia o caráter demoníaco do pecado e do relativismo da fé. Quem não se liberta é incapaz de habilitar à vivência da boa notícia da salvação.

Essa novidade (este é o sentido da palavra evangelho), que para uns é motivo de alegria, para outros pode se converter em uma ameaça. A escatologia, segundo o teólogo luterano J. Moltmann, é o primeiro compartimento da moderna teologia sistemática:

• escatológica

prepara o homem para a outra vida (morte, parusia,

julgamento, purgatório, céu ou inferno);

• soteriológica

prepara a salvação;

• sócio-política

prepara a humanidade para viver aqui na terra, obediente a

Deus e solidariamente dócil ao projeto, como um vestíbulo

do Reino.

Não há no Antigo Testamento uma teologia ordenada referente ao Messias. Trata-se de uma idéia religiosa de cunho nacionalista que vai se sedimentando e se purificando em etapas, onde podemos distinguir:

• a etapa de um rei davídico, triunfalista, que vem impor a

justiça à sociedade;

• o profetismo faz com que a expectativa se modifique: aqui o

Messias é um “servo de Javé” que, pelo sofrimento libertará ]

o povo;

• finalmente, um Messias Celeste (fundamentalmente

apocalíptico) que instituirá um reinado dos kadoshim

(santos), depois de vencer os inimigos de Israel.

Dentro dessas perspectivas, o anjo anuncia a Maria um filho que reinará para sempre sobre os filhos de Jacó, num reino sem fim (reino davídico), e seu nome estará acima de todos, pois será chamado Filho do Altíssimo (Messias Celeste).

Diante das dúvidas de José, o anjo também lhe anuncia, em sonhos, sobre a encarnação sobrenatural no seio da Virgem Maria, a quem ele deverá por o nome de Jesus (Yoshuá = Javé salva), que é aquele que vai libertar (pelo sofrimento) o povo de seus pecados.

A prática libertadora, para a qual Jesus foi ungido se consolida nos princípios de caridade, desapego, visão social e serviço, inclusos nos evangelhos e na literatura inspirada posterior. A ressurreição e pentecostes, núcleos fundantes da ekklesía de Jesus vêm estabelecer uma tensão entre o já (o Reino presente em mistério e obrigação) e o ainda não (Reino pleno após a parusia).

Esse tempo intermediário, se de um lado aponta para o messianismo de Jesus, de outro contempla sua práxis libertadora. Deste modo, o centro axial da cristologia se apóia sobre a libertação. Ele veio para libertar (cf. Lc 4,18), e sua palavra é verdade que liberta (cf. Jo 8,32), pois suas atitudes são plenas de gestos libertadores:

• curou doentes

• perdoou pecados

• libertou do poder e da riqueza

• livrou do jugo das coisas do mundo

• ensinou o caminho

• expulsou demônios

Toda a pregação da Igreja Primitiva – nunca é demais repetir – calca-se fortemente na busca da libertação das coisas, das riquezas injustas, das posições sociais, dos falsos conceitos ideológicos da lei e da religião, para aderir à essência redentora do evangelho de Cristo. A libertação é operada por Cristo (cf. Jo 8,36; Gl 5,1).

O evangelho é uma boa notícia de libertação para os pobres: eles vão deixar de ser pobres, se os cristãos se converterem e forem solidários. Nesse particular se observa que o evangelho é a lei prefeita da liberdade (cf. Tg 1,15; 2,12). Pela libertação o cristão se distancia do mundo das paixões e se torna um “servo de Deus” (cf. Rm 8,9; 1Pd 2,16).

O que fazer, então, para obter a libertação? É preciso crer em Jesus (cf. At 16,37), escutar sua palavra e praticar (cf. Lc 6, 47s), rejeitar todas as formas de injustiça (cf. Rm 10,3; Fl 3,9), fugir da escravidão e do medo (cf. Rm 8,15) e afastar-se das obras da carne e dos instintos egoístas (cf. Gl. 5,19ss).

Jesus é o nosso libertador. Só ele tem um programa capaz de reconciliar nossa sociedade humana. É pena que, ao invés dele, os homens prefiram a divindade do dinheiro, os deuses do prestígio, o ídolo da notoriedade, praticando cultos à suficiência, à competência e à técnica, desprezando o homem, artífice e objeto do progresso, filho de Deus e destinatário de tudo de bom que é produzido e construído na terra. Ciente das limitações do ser humano, sempre sujeito à queda, à vacilação e ao erro, Jesus caminha junto, incentivando-o:

Levantem suas cabeças porque a libertação de vocês está

próxima (Lc 21, 28).

Nesse contexto, o pecado, a dureza do coração, o egoísmo e a indiferença são prisões. E pior: prisões que geram a exclusão e exploração dos outros, ocasionando, não raro, a perda da liberdade para muitos inocentes. Quem cria, no sentido da exploração e da injustiça, prisões para os outros, não desfrutará da cidadania do Reino. Não há libertação e justificação se não buscarmos reconciliação e reparação do nosso pecado.

Retiro pregado a um grupo de padres de uma Diocese no interior do RS, no final de 2009. O autor é Biblista, Doutor em Teologia e pregador de retiros de espiritualidade. Escritor, publicou mais de cem obras no Brasil e no exterior, entre elas “Jesus Cristo. A libertação de Javé”. Ed. Ave-Maria, 1994; “O Messias dos pobres”. Ed. Ave-Maria, 1995; “Libertação dos cativos – Jesus liberta de todas as prisões - CF 1977. Ed. Ave-Maria, 1977; “Jesus Cristo. Deus e Homem de verdade”. Ed. Pallotti, 2002.