RIO SÃO JOSÉ

RIO SÃO JOSÉ - POÇÕES - BAHIA

Assoreado, com as matas ciliares quase destruídas pela sanha dos predadores e vendedores de carvão vegetal, fruto do desmatamento das matas nativas ao longo do seu curso, o rio São José estava sentenciado à morte não fosse a ação da natureza trazendo fortes chuvas para a região que despejaram em apenas 7 horas, 260 mm e no último mês de março de 2005, 660 mm. Estas águas aumentaram o nivel do rio em até quatro metros e o sangradouro da barragem que abastece Poções, encontra-se em fase próxima de sangramento.

Ambientalistas que acompanham o desenvolvimento destas chuvas e pela estimativa da meteorologia para os próximos dias, veem a possibilidade de rompimento de uma ou mais barragens, entre as quase vinte que foram construídas desde a sua nascente. E qualquer delas que possa romper-se fará um efeito dominó, com o rompimento de outras, o que poderá ocasionar maior desastre, uma tragédia quase anunciada. Daí, tomarmos a liberdade de chamar a atenção das autoridades estaduais e federais.

Os prefeitos de Poções, ao longo do tempo. decretam estado de emergência, preocupados com as fortes chuvas que derrubaram casas e muros e danificaram logradouros públicos. Chamamos a sua atenção para acrescentar no decreto de estado de emergência a situação das barragens do rio São José a que nos referimos. Uma semana antes, enviamos através do seu secretário, um CD contendo 200 fotos tomadas ao longo do rio, onde as barragens estão sangrando, elevando o volume da barragem principal, dentro da cidade de Poções, em cerca de quatro metros, a 30 cm do sangradouro que é insuficiente para escoar a demanda se o volume continuar a crescer nos níveis atuais.

Falamos pessoalmente com o prefeito, no dia 25 de fevereiro, na Câmara de Vereadores, acompanhados pelo ambientalista Adoniran Andrade Cunha. Esperávamos que o Chefe do Executivo poçoense cumprisse o seu dever de alertar a defesa civil e demais órgãos competentes em outros níveis de governo. Mesmo com o alerta que recebeu, o prefeito nada fez e a população teve sorte de não ter grandes prejuízos materiais, caso a barragem rompesse.

A sorte foi o elemento preponderante neste caso.

O RIO SÃO JOSÉ

O rio São José nasce em Duas Vendas, no município de Poções e por mais de um século, serviu como manancial para abastecer de água potável a população poçoense até a construção do velho açude, localizado entre o centro comercial e a rua de Morrinhos. A falta de cuidados da população e do poder público assoreou o açude que entrou em processo de salinização, transformando-se em foco de esquistossomose. Quando chovia muito, o rio São José despejava muita água e o açude não suportava o volume, causando grandes enchentes que trouxeram enormes prejuízos aos moradores das proximidades da rua de Morrinhos, fundos da praça Góes Calmon e parte baixa da praça Docleciano Teixeira, no centro da cidade, ocasionando grandes perdas para o centro comercial, cujas lojas eram invadidas pelas águas; casas destruídas, mercadorias levadas pelas águas, isso lá pelos idos dos anos 1940.

No final da década de 1940, uma seca tremenda assolou Poções e a solução encontrada foi a evaporação das águas do velho açude. O processo de evaporação das águas não tenho como descrever pois ainda era muito jovem, talvez com quatro ou cinco anos de idade. Sei que após a evaporação, formaram-se nuvens que, juntaram-se às já existentes; posteriormente, o francês Junot, contratado pela prefeitura para realizar tal serviço, subiu no avião e bombardeou as nuvens com gelo seco. Tudo foi feito. Evaporou-se o açude, as nuvens formadas foram bombardeadas impiedosamente de avião, mas não choveu em Poções. O vento atrapalhou os planos do técnico francês que nunca mais pode voltar à cidade. Desgraçado - diziam os prejudicados - se vier aqui vai morrer - e Junot, avisado, tratou de evaporar-se, também. Eis que, a chuva caiu próximo à divisa de Poções com Tanhaçu; esse fato aborreceu muito a população.

O NOVO AÇUDE

Com nova localização, no final da rua São José, foi construído um novo açude, bem maior que o anterior, aproveitando-se o rio São José. Infelizmente, a incúria da população e dos maus políticos está matando o rio, completamente açoreado e com suas matas ciliares destruídas, transformadas em carvão.

Houve uma noite, no início dos anos 50 que o novo açude rompeu parte de sua estrutura de barro e ameaçou inundar a cidade. Nesta ocasião eu estava com meu pai e alguns irmãos, e fomos acordados com gritos da população de que o açude estaria quebrando. Saímos correndo, carregando o que nos era possível e fomos para a praça da Bandeira, parte alta da cidade, onde morava a tia Ida. Logo ao amanhecer fomos todos ver o açude, onde algumas máquinas pesadas trabalhavam para ampliar o ladrão da barragem. O nível da água baixou e a parede de barro foi restaurada, para sossego das famílias.

Em 1980 houve outra enchente em Poções e as águas chegaram a inundar a praça Góes Calmon, chegando à praça Deocleciano Teixeira, atual Raimundo Magalhães, causando muitos prejuízos à população, tendo o prefeito Octávio Curvelo decretado estado de calamidade pública. Várias casas desabaram e houve muita gente desabrigada. Esta foi a última enchente do rio São José de que temos notícia.

O rio São José está morrendo. O açude está sujo, as águas poluídas pelos esgotos que o contaminam diariamente, por total indiferença do poder público municipal. Local aprazível, que já foi motivo de orgulho para o poçoense, hoje degradado e abandonado. Os vereadores não estão nem aí para esse estado de coisas. Não há um movimento em prol da revitalização do rio ou do açude... Falta de lideranças que tenham sensibilidade e pensem no futuro.

A degradação do açude, entretanto, deu-se com o passar dos anos. A água que abastecia a população de classe média e classe média alta ficou imprestável para o consumo, já que os esgotos da cidade despejam ali os seus detritos; a população passou a servir-se de água do rio das Mulheres, na Cachoeirinha, a cerca de três Km. da sede; jumentos e carros-de-boi subiam a atual rua da Itália, passavam pelo casarão de Argemiro Pinheiro e iam até a Cachoeirinha carregando água em carotes (barris) de madeira. Cada família tinha seu "aguadeiro" que fazia várias viagens à Cachoeirinha em busca do precioso líquido. Com a construção da barragem de Morrinhos pelo DNOCS e a instalação da adutora, a cidade passou a ter água encanada, a partir do final da década dos anos 1950, chegando à plenitude do abastecimento nos anos 1960.

Em lugar das águas correntes do rio São José, que nasce em Duas Vendas, no município de Poções, há cerca de 20 Kms. da sede, a prefeitura, em convênio com o governo federal vem construindo um grande canal de esgotos que atravessa toda a cidade e vai desaguar numa estação de tratamento na margem esquerda da BA-262, rodovia Poções - Nova Canaã.

O século XXI será marcado de luta pela água em todo o planeta. Substituir um rio de águas correntes por esgotos foi a opção encontrada pelos nossos prefeitos, nas últimas décadas do século XX, culminando com a política nefasta de transformar o rio São José num grande canal de esgotos, processo iniciado na gestão Antonio Mascarenhas que tem continuidade na atual administração numa ação própria de quem desconhece o valor da água.

É certo que o açude da rua São José está salinizado. Mas o rio é de água doce, com pequenas barragens construídas ao longo do seu curso, beneficiando inúmeras propriedades rurais. Por que não, um projeto de revitalização, ao invés dos crimes ambientais cometidos ao longo dos anos que acabarão por destruí-lo?

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 01/08/2005
Reeditado em 26/02/2022
Código do texto: T39512
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