O LOUCO AMOR DE CASTRO ALVES

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Notas Biográficas

Deus! Oh Deus! Onde estás que não me respondes! /Em que mundo, em que estrela tu te escondes / Embuçado nos céus? / Há dois mil anos te mandei meu grito, / Que embalde, desde então, corre o infinito... / Onde estás, senhor Deus?

É verdade que "o sofrer" estava à espreita de todo poeta do romantismo; é verdade também que Castro Alves não fugiu a regra, pois em sua vida de poeta teve muitas dores, e, desde muito cedo, com as perdas irreparáveis da mãe, do irmão e logo depois do pai. Mas, Cecéu, como era conhecido, teve também seus momentos encantados, momentos de arrebatado amor, e o maior foi pela atriz portuguesa Eugênia Câmara, por quem se apaixonara.

Aos dezesseis anos quando foi mandado pelo pai para o Recife, a fim de completar os preparatórios para se habilitar à matrícula na Academia de Direito, mal sabia que estava prestes a encontrar o maior amor de sua vida. No Recife Cecéu passa a frequentar o Teatro Santa Isabel. O teatro era para ele o altar, o "vedado paraíso", que levava ao país do sonho. É nesse paraíso que ele conhece a atriz portuguesa Eugênia Câmara.

Eugênia Infante da Câmara chegou ao Brasil no dia 10 de outubro de 1859. Fora contratada pela direção do Teatro Dramático do Rio de Janeiro. No dia 29 de outubro, estreou no papel de Baronesa do Almourol na peça Abel e Caim, drama em três atos, original português de Antônio Mendes Leal. Castro Alves ficou fascinado pela atriz; no seu dizer, ela tinha a "beleza de uma Vênus grega" e o "gênio de Safo, ardente, mística". Era a inspiração, a Dama Negra, a mulher por quem largou os estudos. Mas, Eugênia é amante do ator e empresário, Furtado Coelho, com o qual tem uma filha pequena. O que não tira os avanços do Cecéu, adolescente sedutor:

“Eu possuía domínio cênico, entrava vestido de negro, com uma flor na lapela, óleo nos cabelos, madeixas minuciosamente espontâneas e pó de arroz no rosto, para parecer mais pálido. Por modéstia, não direi que frequentemente as moças ficavam tão próximas do delírio quanto os rapazes, da inveja.”

Não inibiu os avanços de Cecéu, mas até conquistá-la houve um longo período de indecisões e recuos, provocando um amor não confesso:

Meu Segredo (fragmento)

À Senhora D

Eu tenho dentro d'alma o meu segredo

Guardado como a pérola do mar;

Oculto ao mundo como a flor silvestre

Lá no vale escondida a vicejar.

Eu guardo-o no meu peito... É meu tesouro,

Meu único tesouro desta vida.

- Sonho da fantasia - flor efêmera

Uma nuvem, talvez, no céu perdida...

Recorda-te do pobre que em silêncio

De ti fez o seu anjo de poesia,

Que tresnoita cismando em tuas graças,

Que por ti, só por ti, é que vivia,

Que tremia ao roçar do teu vestido,

E que por ti de amor era perdido...

Sagra ao menos uma hora em tua vida

Ao pobre que sagrou-te a vida inteira,

Que em teus olhos, febril e delirante,

Bebeu de amor a inspiração primeira,

Mas que de um desengano teve medo,

E guardou dentro d'alma o seu segredo! (Recife, junho de 1863.)

Era um segredo, mas um segredo que aos poucos ele deixa transparecer. Este poema, em defesa do seu amor, foi escrito no dia seguinte de uma vaia que Eugênia sofreu no Teatro Santa Isabel:

A Atriz Eugênia Câmara

Hoje estamos unidos a adorar-te

Tu és a nossa glória, a nossa fé,

Gravitar para ti é levantar-se,

Cair-te às plantas é ficar de pé!...

Ontem a infâmia te cobria de lama

Mas pra insultar-te se cobriu de pó! ...

Miseráveis que ferem a fraqueza

De uma pobre mulher inerme, só!

Tu és tão grande como é grande o gênio

És tão brilhante como a própria luz,

Dentre os infames do calvário d'arte,

Tu foste o Cristo, foi o palco a cruz! ...

Embora comprometida e dez anos mais velha do que o poeta, a Dama Negra não se esquiva das investidas de Cecéu; e o romance desponta, cria força e, finalmente, ela deixa o amante com quem vivia, e junto com a filha passa a morar com Castro em um subúrbio de Recife. Tem início um louco e atribulado amor.

Castro sonhava ver Eugênia em cena, com o talento fulgurante, interpretando um texto dele. Para ela, então, escreve, em prosa, o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, sua única peça teatral, onde falava de liberdade, escravidão, traição, paixões... Como era de se esperar, para ela reservou o papel principal. Motivado, em fevereiro de 1867, Castro termina o “Gonzaga”. Todavia em maio deixa, de vez, o Recife, e viaja para a Bahia levando Eugênia e uma certeza: iriam conseguir encenar o texto em Salvador. Instalam-se a chácara Boa Vista semi-abandonada pela família; Cecéu voltava à casa de sua infância. Memórias, melancolia...

A Boa Vista (fragmento)

A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros;

A urtiga silvestre enrola em nós impuros

Uma estátua caída, em cuja mão nevada

A aranha estende ao sol a teia delicada.

Finalmente no dia sete de setembro, a verdadeira consagração. Finalmente, subiu à cena, no Teatro São João, o seu drama Gonzaga, no qual Eugênia desempenha o principal papel feminino e, no papel de Tomás Antônio Gonzaga, o esquecido Eliziário Pinto, ator e poeta. O drama foi representado mais três vezes.

Castro foi delirantemente aplaudido após a estréia. Era chamado à cena depois de cada ato, sob estrondosa ovação. Não satisfeita, a multidão carregou-o em triunfo, sobre os ombros, até sua casa. Era a glória, embora as senhoras da capital baiana condenassem à ligação do poeta com uma “atriz de má vida”.

Desde que chegara a Bahia, Cecéu interrompeu os estudos de direito. Decide, então, concluí-los na cidade de São Paulo. Em fins de março, Castro, Eugênia, sua filha Emília e uma criada, chegam a São Paulo, depois de uma rápida visita ao Rio de Janeiro.

Em São Paulo, tudo estaria perfeito, não fossem as constantes desavenças com Eugênia. A tuberculose minando sua vida. A Dama Negra correndo em busca de erotismo, de aventuras.

Sopravam-lhe histórias de adultério. Cenas violentas, ciúmes de Castro, brigas, mágoas, precárias reconciliações.

É noite ainda! Brilha na cambraia

- desmanchado o roupão, a espádua nua -

O globo do teu peito entre os arminhos

Como entre as névoas se balança a lua...

Em setembro de 1868, Eugênia e Cecéu separam-se. Em Outubro Eugênia encontra-se com Castro, quando sobe ao palco do Teatro São José, em São Paulo, para, mais uma vez, interpretar o principal papel feminino do “Gonzaga”.

Voltou a reencontrar-se com Castro Alves no Rio de Janeiro, quando este vai ao Teatro Fênix Dramática, num sábado, 13 de novembro de 1869, assistir a um espetáculo de Eugênia. Os dois ainda têm uma conversa na Rua do Catete, onde ela residia.

Castro Alves ainda amava, de paixão, a sua “Dama Negra”. Confessa nos versos de seu poema “Adeus”. Era a declaração suprema. Quando Eugênia recebeu a poesia, leu e respondeu-lhe usando o mesmo título.

Adeus! (fragmentos)

Adeus! P'ra sempre adeus! A voz dos ventos

Chama por mim batendo contra as fragas.

Eu vou partir... em breve o oceano

Vai lançar entre nós milhões de vagas...

Que saudades que eu tenho do passado,

Da nossa mocidade ardente e amante!

Meu Deus! Eu dera o resto de existência

Por um momento assim... por um instante.

Eu — já não tenho mais vida!

Tu — já não tens mais amor!

Tu — só vives para os risos.

Eu — só vivo para a dor.

Quis te odiar, não pude. — Quis na terra

Encontrar outro amor. — Foi-me impossível.

Uma semana depois embarca para a Bahia. Doente, e aleijado, o poeta retorna a casa. Em seis de julho de 1871, às três e meia da tarde Castro Alves deixa este mundo de Deus, aos vinte e quatro anos.

Sinto que vou morrer! Posso, portanto,

A verdade dizer-te santa e nua,.

Não quero mais teu amor! Porém minh'alma

Aqui, além, mais longe, é sempre tua.

Em novembro de 1873, Eugênia Câmara casou-se com o violinista, ator e regente da orquestra do Teatro Fênix Dramática, Antônio de Assis Osternold. No dia 28 de maio de 74, morre a Dama Negra, três anos após Castro Alves... ®Sérgio.

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Ajudaram na elaboração desse texto: http://www.jornaldepoesia.jor.br / www.projetomemoria.art.br

www.vidaslusofonas.pt

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