Carta aos espectros de uma amada

Quando comecei a te amar aquele Poeta estava certo, convicto de si e de meu amor. Hoje, na ascensão de meu sofrimento aquele Poeta persiste em permanecer coerente. Eu dedico linhas a você. Quem me julgará? A poesia e o amor são crianças tristes como nós. Agora eu choro, mas um dia verei nos seus olhos a minha lágrima. Você chora, mas verá um dia em meus olhos a sua lágrima. Tudo em nós foi uma melodia desencantada, uma promessa fugazmente eterna. Não se encontrarão mais os meus olhos de nostalgia com seu olhar de ressaca. Você era desespero e paixão, a fúria do miserável, o amor divino que foi embora. Estou melancólico, mas sempre estou melancólico. “Tudo é naufrágio”, diz aquele Poeta, e eu, um argonauta com náusea, me deito com o esquecimento. Do seu coração me diz adeus uma criança corrompida, mas eu não pude te dizer adeus, então lhe escrevo. Você é um cemitério de beijos, um desperdício soterrado. Estou vencido, você derrotada: visivelmente liquidada pelos espectros que a fazem sorrir. A tormenta impiedosa é a vida sem alma estampada no seu rosto. Você não mais dirá: “venci o anjo do sono aquele alegórico funesto”. O amor é assim: breve para se deleitar e eterno para se esquecer. Quem poderá abominar meus devaneios? Tudo é desejo e sonho, no final do dia diz angustiado o condenado:

- Confesso que vivi uma ilusão.

Não sei se ainda te amo, pensar sobre você é o desejo de vingar meu corpo. Flor maldita que eu amei! Minha alma não se contenta em tê-la perdida. Você era o meu fardo mais insuportável, a paixão um delírio o cotidiano uma histeria. Devo me libertar para tornar a amar! Estou perdido! Você não merece nenhuma linha que aqui lhe dedico! Mas quem poderá julgar a pobre vítima inocente que é você, minha algoz perfumada? Afinal de contas, eu vivia daquela loucura entediante e daquele corpo, a redenção dos meus piores pecados carnais. Era uma paixão sem espírito, uma metafísica só minha, um amor por piedade, um frenesi estúpido de minha humanidade. Você deverá carregar a minha dor, não podes sair impune! Como em uma boa família cristã você age impotentemente como uma prostituta aliciada pela cafetina materna. Irei escreve linhas e mais linhas, pois quem desejamos iludir? Sejamos excêntricos, escreverei para você até o dia em que você se tornar um tema insuportável.

Quais são os amores que mais nos tiranizam senão aqueles que nutrimos em relação à origem de nossos enganos. Neste mundo cadáveres poéticos ensinam semideuses a amar. Sejamos trágicos, a traição feriu de morte o espírito livre que tinha esperança na amada traidora. Mas ele desponta novamente na esquina, consolando algum bêbado melancólico, afinal de contas, o Poeta deve ser um mito apesar de estar faminto.

Vinicius Mecenas Hoffnung
Enviado por Vinicius Mecenas Hoffnung em 17/09/2006
Código do texto: T242129