CARTA DE UM LOUCO [7]

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Querida,

Os dias negros, felizmente, passaram, por isso só agora posso lhe escrever. Quando vem esse colapso mental, tenho dificuldade para lidar com minhas idéias. Não sou capaz de olhar com interesse para nada e para ninguém, nem para as estrelas do céu, nem para a ordem e desordem que existe na minha vida. Quando nele caio é quase sem remédio. Agora que esses dias passaram, tenho a imaginação cheia de sonhos e a mente repleta de desejos. E meu maior desejo é estar com você. Só que não estou, mas um dia vou estar.

Numa dessas noites frias de agosto, com a mente livre dos pesadelos, me pus a pensar em algo que li naquele livro que me mandou. Depois de muito pensar, que é o mais se faz aqui, todos pensam... que são alguma coisa, menos louco. Voltando, depois de muito pensar, concluí que quando o espírito de um morto encarna no corpo de um ser vivo, o espírito do dono do corpo fica irritado; protesta contra o invasor. E o invasor, como fazem os sem-terras, resiste. Então, trava-se uma enorme briga entre esses dois espíritos e essa batalha, essa luta é a loucura.

O Arnaldo ganhou um relógio. Presente de aniversário de sua família. Ele pode usar coisas assim, porque também é um maluco beleza. Mas o que eles não imaginavam, é que lhe deram um motivo para ficar maluco-maníaco. Deram a ele a obsessão de olhar a hora certa a todo o momento. De passar o dia todo assistindo a televisão para comparar as horas da TV com as de seu relógio. Arrumou a maior confusão com as enfermeiras porque queria ligar para o serviço telefônico para confirmar as horas de seu relógio. Quando ele via alguém com um relógio tinha de ir comparar com o seu, porque lhe disseram que era a melhor marca. Dia desses, andava feito um louco pelos corredores do hospital psiquiátrico, em pânico, com medo de perder o relógio, de ser roubado, de que pudesse cair no chão e se quebrar.

Tanto fez o Arnaldo com sua obsessão, que o médico e os atendentes resolveram tirar-lhe o relógio. Foi um Deus nos acuda, tiveram de aplicar-lhe um sossega-leão. Agora, só resta saber, se ele, quando acordar, amanhã ou depois, vai se lembrar do relógio.

Ainda bem que não uso esse calabouço digital. Caso contrário, deixaria de ser o seu Maluco Beleza.

Por enquanto fico por aqui e você por aí, e com a gente a saudade.

Do sempre seu, Maluco Beleza.

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Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquercomentário.

Se vocêencontrarerros (inclusive de português), porfavor, meinforme.