Voz de muitas águas...

Nem olhos viram nem ouvidos ouviram o que Deus preparou para nós...

Outro dia, olhando para o mar (o imenso mar), pedi uma graça especial a Deus. Depois de sentir nos pés a areia da praia, de contemplar a beleza do sol e de ouvir o barulho das ondas, supliquei ao Senhor a dádiva da sensibilidade. Diante de tantas maravilhas (sinto a necessidade de, em alguns momentos, ficar só e ouvir a voz que, não poucas vezes, clama dentro de mim), pedi ao divino a oportunidade de viver, de experimentar de forma plena cada momento da existência terrena...

Sentia a necessidade de ouvir a minha voz interior, aquela que muitas vezes costumava sufocar e tê-la por descabida. Enquanto buscava encontrar respostas para tantas coisas alheias, fora de mim, nos compêndios, nos livros e teses, parecia cômica a cena de sentar na areia, a mesma que os meus pés tinham a oportunidade de sentir, e parar, simplesmente parar diante de tudo aquilo que me cercava e, de súbito, render-me às necessidades do momento: ouvir a mim mesmo...

Apesar do clamor, do grito e dos gemidos da alma, nem sempre é fácil render os nossos ouvidos às suas manifestações. O grito parece não ter uma voz harmônica, mas quando isso acontece é porque, certamente, já o repreendemos por diversas vezes e, com isso, urge o tempo do confronto...

Ser homem de Deus é, para mim, saber conciliar (e também, em alguns momentos, reconciliar) o nosso ser com o Seu Imenso Ser. É dar vazão às nossas necessidades (afinal de contas, quem poderá compreendê-las senão o próprio Autor?) e reconhecer todas as nossas carências. É enumerá-las e, depois disto, lembrar-se de uma feitoria incomparável, algo bem parecido como barro nas mãos do oleiro. Quem seria o barro e quem ousaria ser o oleiro? É exatamente isto que muitas pessoas buscam saber, a ponto de até padecerem as mais duras penas pela resposta correta.

A Verdade é revelada. O problema consiste justamente no termo “revelada”. Revelar é bem mais que anunciar, que dizer, que proferir. É algo mais profundo e poucos têm consciência disto...

Para mim, revelar é vivenciar, “é dizer sem precisar dizer” e não temer em anunciar aquilo que é inegável através da vida e do viver, dos gestos, das expressões que nenhuma das palavras, mesmo as mais rebuscadas, seriam capazes de proferir.

Jesus, o Belo Jesus, revelou-se (uma paixão que arde).

Enquanto me sento frente para o mar, lembro-me das Escrituras que dizem: “A voz do Senhor é como a voz das muitas águas” e isto emociona-me deveras. Assim, a sensibilidade que havia suplicado me é concedida e caio aos prantos porque é chegado o momento de ouvir aquilo que muitos tem medo de identificar: a voz interior...

O homem centrado (ciente de si) reconhece a sua voz. Dialoga, analisa e até faz acordo (risos), mas não a nega. Reconhece que isto é um processo (que não deixa de ser árduo), mas que faz parte de si. Isto é de fundamental importância para o continuar do caminhar...

Somente até aqui.

(Carta redigida à Paixão, em 11/01/2005. Num momento de muita confusão, entre saber o que se pode e o que não se pode, entre o que se deve e o que não se deve... Isto deu muito o que falar. Chegamos muito além!)