O Caso da Advogada Que Não Queria Entrar na Vara

Uns escrevem para salvar a humanidade ou incitar lutas de classes, outros para se perpetuar nos manuais de literatura ou conquistar posições e honrarias. Os melhores são os que escrevem pelo prazer de escrever

Lêdo Ivo

I

Pesquisando histórias e casos ocorridos para além das fronteiras das salas de audiência e corredores da Justiça do Trabalho do Estado de Minas Gerais, encontrei em sites da internet essa curiosíssima petição protocolizada por uma simpática advogada trabalhista.

Nela a douta procuradora tem como principal objetivo dar ciência ao Juízo acerca de sua renúncia à procuração que lhe fora outorgada por determinado reclamante nos autos de um processo de uma das Varas do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro.

O nome das partes - bem como o da advogada - se encontram evidentemente resguardados. E as razões dela... bem... as razões dela vocês descobrirão através da leitura da presente petição e dos fatos alegados em sua justificativa.

Antes de qualquer outra coisa, porém, devo obrigatoriamente situá-los a respeito de alguns importantes momentos e eventos históricos que de certo modo afetam singularmente esse caso.

Até o ano de 1999 os juízes do Trabalho atuavam nos processos junto a outros dois juízes que eram denominados “classistas”. Estes últimos eram os juízes leigos e não tinham necessariamente que ser formados em Direito.

Trabalhando de forma comum, os três juízes compunham o que durante muitos anos se designou pelo nome de Juntas de Conciliação e Julgamento. Estas haviam sido criadas por Getúlio Vargas no ano de 1932 e tinham como principal função pacificar os conflitos trabalhistas e aplicar a recém criada legislação trabalhista brasileira que daria origem à CLT em 1943. A composição da juntas era paritária, havendo em cada uma delas um representante classista indicado pelos sindicatos laborais e outro pelos sindicatos patronais.

Com a Emenda Constitucional no. 24, entretanto, restaram extintas as representações classistas, permanecendo nos julgamentos apenas o juiz togado. Por essa razão as Juntas de Conciliação e Julgamento se transformaram nas atuais Varas do Trabalho.

O artigo 112 daquela Emenda Constitucional nos esclarece que:

“Haverá pelo menos um Tribunal Regional do Trabalho em cada Estado e no Distrito Federal, e a lei instituirá as Varas do Trabalho, podendo, nas comarcas onde não forem instituídas, atribuir sua jurisdição aos juízes de direito."

E o artigo 116 da mesma Emenda complementa o seguinte:

“Nas Varas do Trabalho, a jurisdição será exercida por um juiz singular.”

Depois de tudo que lhes foi exposto, sigamos alegres e saltitantes às primeiras linhas da honrosa petição da douta advogada e aos seus meandros jurídicos e explicativos.

II

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO,

Doutora Fulana de Tal, advogada do Reclamante Cicrano de Tal, vem, ante a presença de V. Exa., informar que de uma forma ou de outra resolveu RENUNCIAR aos poderes dados pelo Autor na folha de procuração, que a presente renúncia tem motivos justificadores suficientes, trazendo desânimo até a alma, senão vejamos agora:

1- Que, a ilustre Advogada RENUNCIANTE considerada pela maioria a maior advogada de Duque de Caxias; a mais brilhante, pois sou competente conheço muito o direito o errado e o certo minha insatisfação é originária da mudança no nome da JUSTIÇA DO TRABALHO, antes se chamava J. C. J. (Junta de conciliação e Julgamento) e agora passou a chamar-se "VARA", pois, esta nova denominação me trouxe e me traz diariamente imensos e grandes constrangimentos junto meu marido e ex-namorado senão vejamos:

2- Que, antes para vir fazer audiência ou acompanhar processo eu entrava na JUNTA, e agora sou obrigada a dizer "estou entrando na VARA", fui à VARA, "fiquei esperando, sentada na VARA" não concordo, sou mulher evangélica, não gosto de gracejos, deixo a ‘VARA" para quem gosta de "VARA" funcionários "varistas" homossexuais que tem muito fiquem na "VARA", trabalhem com "VARA", saio fora desgostosa por não concordar com termo pornográfico prá cá, "VARA" para lá.

Em tempo: outro dia estava entrando no prédio da Justiça e meu tel. Celular tocou meu marido perguntou-me onde você está, olha só constrangimento da minha resposta "entrando na VARA".

3- É por isso, que comunico minha renúncia, já comuniquei verbalmente meu ex-cliente tudo na forma da lei.

Assim posto,

Peço e aguardo deferimento.

S. J. do Meriti, Rio de Janeiro, 05 de maio do 2001.

Dra. Fulana de Tal, Advogada inscrita na OAB-RJ