O Caso do Grito Assombroso

I

Quando eu comecei a recolher os casos e enredos registrados no primeiro volume dessas histórias da Justiça do Trabalho – no livro QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO – alguns dos temas que me chamaram a atenção pela sua ausência foram os do mistério, o do suspense e o do terror.

Não demorou muito, porém, para que eu tomasse conhecimento do caso do Exu que havia baixado em uma audiência trabalhista numa das varas do Fórum da cidade de Betim. Dias depois uma colega oficiala de justiça me contou acerca daquela sua terrível experiência na quase penhora de uns defuntos cariocas numa conhecida faculdade de medicina de Belo Horizonte.

No entanto – e desde o início da preparação daquele livro – sempre acreditei na possibilidade de obter algum enredo interessante dos colegas que cuidam da segurança e da vigilância noturna dos prédios do Tribunal. Afinal – imaginei - o trabalho nas horas noturnas e em edifícios completamente vazios sempre carrega a possibilidade de acontecimentos misteriosos e intrigantes. Ao procurar aqueles companheiros, porém, tive uma desagradável surpresa: não consegui arrecadar deles nenhuma história fantástica ou misteriosa.

Mas devo alertar ao leitor que esses temas de mistério e suspense sempre exerceram poderosa atração e um grande fascínio sobre a minha pessoa. Tanto é verdade que aos oito ou nove anos de idade eu já me afeiçoara a assistir à Sessão Mistério e à Sessão Coruja (é possível que alguém se lembre das palavras do Cazuza na música Pro Dia Nascer Feliz, “Todo dia tem a hora da sessão coruja, hum... Só entende quem namora, agora vão’borá...) e ao final de cada filme de terror ou mistério eu saía desarvorado e cheio de medo do sofá onde me achava até a cama dos meus pais, buscando encontrar ali a proteção e o aconchego que considerava imprescindíveis para reverter ou fazer apagar aquelas tantas imagens de múmias, vampiros, lobisomens e outros seres macabros vistos, sentidos ou imaginados nas madrugadas da minha quase adolescência.

Foi exatamente por esse motivo que quando eu comecei a coletar esses casos jurídicos eu me dirigi à presença dos colegas que cuidam da segurança e da vigilância noturna dos prédios do Tribunal na esperança de colher alguma história ou acontecimento misterioso ocorrido em suas inumeráveis noites de trabalho. Coisas como gritos ou outros sons estranhos presenciados pelos colegas na vigilância das Varas, Gabinetes e demais setores do Tribunal.

Mal sabia, entretanto, que iria me tornar eu mesmo o personagem de uma história de mistério e suspense e o palco da risadaria e da gozação geral de alguns dos colegas da 20ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

O fato é que essas coisas de mistério e suspense quase sempre se situam mesmo um pouco além da imaginação. Aliás, muito mais além do que podem supor ou sonhar a nossa vã filosofia...

Vão narrados abaixo todos os acontecimentos dessa estranha história.

II

Já fazia uns três dias que eu vinha ouvindo gritos medonhos e de pavor não muito distantes do balcão da minha Secretaria no 13º. andar do edifício da Av. Augusto de Lima. Não era uma audição constante, mas intermitente: de tempos em tempos tornava a ouvir um lamento horroroso e aquilo começara a me assustar.

Não só a assustar. Passara igualmente a chamar a minha atenção por outro motivo: eu trabalho num andar supostamente considerado como de uma numeração de azar – o 13 não é efetivamente considerado como um número de muita sorte - e que atualmente vem até mesmo sendo excluído da grande maioria dos prédios em construção. Não é incomum encontrarmos edifícios que saltam do 12º. andar para o 14º., inexistindo a presença gráfica do 13º. andar.

Em verdade aqueles gritos eram como de alguém que estivesse sendo submetido a um tipo qualquer de tortura física e psicológica e se visse levado a soltar violentos urros de dor e assombro. Então, de tempos em tempos - e indeterminadamente - eu ouvia um berro estrondoso e foi assim que aquilo começou a me deixar preocupado e com uma ou duas pulgas escondidas atrás das minhas próprias orelhas.

Então, lá pelo terceiro dia daquelas audições malucas, fantasmagóricas e intrigantes, resolvi interrogar alguns colegas da Secretaria para ver se estariam ouvindo a mesma coisa que eu. Assim – em determinado momento e logo após escutar mais um daqueles terríveis gritos - me dirigi rapidamente até o interior da Secretaria e questionei os amigos que ali se encontravam trabalhando se haviam acabado de ouvir o mesmo que eu.

Todos me olharam bastante curiosos e surpresos. O Edwar e a Ellis se entreolharam meio sem saber o que fazer ou dizer e preferiram o silêncio. Retornei um pouco mais apreensivo para o meu posto de trabalho no balcão.

Daí a pouco, entretanto, ouço nada mais e nada menos do que um novo grito de terror e lhes questiono novamente. Desta vez a resposta foi diferente: eles afirmaram claramente nada terem ouvido. Foi então que eu comecei mesmo a ficar muito preocupado com aqueles gritos medonhos. Principalmente levando-se em conta o fato de que sou formado em Psicologia e tenho algum conhecimento específico à respeito da audição de vozes e das doenças mentais.

Mas o pior ainda estava por vir. Tendo voltado ao balcão e estando a atender a três advogados que ali se achavam, daí a pouco ouço novo grito. Olho para dois dos advogados que se encontravam mais próximos de mim e, apresentando um olhar um tanto súplice e ansioso – talvez fosse melhor dizer logo que olhei para eles com certo ar de maluco! – pergunto se ouviram aquele grito medonho que eu acabara de escutar. Internamente implorava a todos os deuses que os advogados me respondessem afirmativamente.

No entanto, a resposta foi bem outra. Foi exatamente aquela que eu não queria ouvir nem admitir e que sabia que me seria dada:

- Grito? Não, não ouvimos nada, nada mesmo!

- Mas, gente – voltei a insistir – não ouviram este grito tenebroso que se deu ainda agora?!

Após obter nova resposta negativa, fiquei totalmente desconcertado. Achei que o melhor mesmo seria mudar de assunto e tentar esquecer o problema. Se é que isso era possível!

Mas – muito ao contrário - foi a partir daí que eu comecei a ficar realmente apreensivo e ansioso e a apresentar aquele “ar” estranho e que tanto fez rir aos meus colegas de trabalho nos dias que se seguiram.

No entanto - e para a minha mais grata surpresa - muitas vezes surge repentinamente um fato ou acontecimento novo e positivo que vem dar nova direção em nossas vidas. E a minha sorte nessa história toda foi que o outro advogado que se encontrava no balcão virou-se nesse momento em minha direção e literalmente me revelou todo o mistério daquela estranha questão. Com poucas palavras conseguira ele colocar um ponto final em todo aquele mistério. E o melhor de tudo: deixando-me completamente tranqüilo em relação a minha sanidade psicológica.

Disse-me o advogado que aquele som estranho que eu às vezes escutava - e que muito se assemelhava de fato com um urro de dor ou o grito de terror de uma pessoa martirizada - vinha apenas do movimento da porta anti-fogo que se abre para a escadaria que faz a ligação entre o 13º. andar e os andares superior e inferior àquele em que nos achávamos.

Afirmou ainda que conforme estivéssemos mais ou menos distraídos, o referido som proveniente das engrenagens daquela maldita porta ainda mais se assemelhava com um assombroso grito humano.

Eis – enfim e graças aos bons anjos do Senhor - a solução para todo aquele mistério. É exatamente como diria Sherlock Holmes para o seu inseparável companheiro de aventuras na neblinosa Londres da Era Vitoriana:

- Elementar, meu caro Watson! Elementar...

III

Outro fato elementar, meus amigos, é que dos escombros dessa história mirabolante acabou se revelando um versejador interessante e engraçado. Dois dias depois de solucionada toda aquela confusão, surge risonho o meu colega e amigo Edwar e deposita em minhas mãos uma folha de papel na qual - para a minha grata e alegre surpresa – se encontravam registrados os seguintes versos cômico-dramáticos à respeito de tudo o que me sucedera naqueles três e terríveis últimos dias. Os versos são os que vão a seguir. Espero que apreciem.

O Grito Assombroso

Confesso que na vida

Com muita coisa já me assombrei.

Mas há muito não passava

O susto que ontem passei

É bem verdade que estamos

Assustados com tudo ao redor

Ameaças de assaltos, seqüestros ou coisa pior.

Devo dizer também que hoje em dia

Já não é qualquer coisa que me assombra

Porém o que vou lhes contar

Da minha mente tomou conta,

Ainda que por alguns momentos.

Depois se foi, como uma onda.

O motivo vocês vão saber,

E irão me dar razão.

Afinal, se um amigo, seu colega de trabalho,

Vem e lhe diz ouvir um grito que lhe toma de emoção...

E você que estava perto, pára e presta atenção,

Também tenta ouvir o grito...

E a resposta...(Meu Deus!) é não!

Então você já se assusta:

“O que estará acontecendo?”

Com o amigo que ao seu lado insiste:

“Tá vendo?”

E você não ouve nada,

O amigo ainda persiste:

“É um grito de pavor!”

Mas o pavor que eu percebo

Sai de dentro de mim mesmo,

Meu colega ouvindo vozes...

Meu Deus, e agora?

Olha que ele é psicólogo

Sabe bem destas coisas,

Estudou lá na escola:

Quem diz que ouve vozes

Não regula da cachola

E a mim, o que cabe agora?

Dizer o quê? Que ouvi também?

Ou quem sabe aconselhá-lo

A procurar alguém que entende

Dessas coisas do “outro lado”...

Ou quem sabe eu mesmo lhe dizer

Olha, cara, eu acredito,

Que existem coisas desse tipo.

Acredito em espírito...

E se ele ficar mais aflito?

E eu como psicólogo

Dizendo algo como isso,

Como fico?

As colegas que também o evento apreciavam

Com olhos arregalados, sutilmente se entreolhavam,

Pois o grito não escutavam.

Difícil era saber o que dizer

Difícil saber como proceder

Meu amigo também assustado

Querendo aquilo resolver

Aos clientes perguntava

Se o grito tinham ouvido

Ao que eles respondiam

De um modo negativo

Meu amigo então mais assombrado

Ficava a cada vez

Foi então que nos pusemos

A explicar o que seria talvez

Pensou-se em alarmes, buzinas ou campainhas

Pensamos em barulhos de coisas

Que nunca ali se achariam

Até que alguém falou: “pode ser que estás mesmo ouvindo gritos de gente morta”

Ao que ele respondeu: “Sai prá lá! Enxota!”

E longe de se querer disso fazer chacota

Vocês não vão acreditar

Que o barulho que quase o entorta

Era nada mais nada menos

Que o ranger de uma porta.