O Caso das Vassouras

“Varre, varre, varre, varre vassourinha!

Varre, varre a bandalheira!

Que o povo já 'tá cansado

De sofrer dessa maneira...”

(Jingle composto por Maugeri Neto para a campanha do candidato da União Democrática Nacional – UDN, Jânio Quadros em 1960)

A audiência já transcorria há mais de meia hora. Jesus: trinta minutos e nada! Nunca havíamos tido uma audiência tão demorada e difícil quanto aquela na 27ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Não que os pedidos ou quaisquer outras questões específicas a tivessem tornado mais complicada ou difícil do que qualquer outra: na verdade, a impressão que tínhamos era de que a audiência parecia ir de um lado para o outro como uma nau sem rumo, destino, porto ou direção. Por exemplo: quando se tentava costurar uma ponta de acordo aqui, descolava-se ou descosturava-se qualquer coisa lá embaixo. E ao se aparar uma aresta mais acima, a coisa se afrouxava ou estourava acolá, permanecendo tudo num vai e vem sem fim como aquela “onda no mar” da canção do Lulu Santos.

Mas o que se percebia mesmo ali era um nada, um nada e um quase nada: a audiência não seguia para lugar nenhum, nem para a frente e nem para trás. A coisa já se estendera por demais e começava a incomodar todos os presentes.

A juíza – uma loira elegante de olhos muito brilhantes e azuis - já pensara em encerrar a instrução processual e designar de vez a sentença para o dia tal e a hora tal, cientes as partes presentes, tudo conforme o habitual nesses casos.

Talvez ela até estivesse se sentindo meio culpada também por ter deixado a audiência correr um pouco solta demais. Mas, afinal, se isso de fato acontecera fora por que acreditara firmemente na possibilidade de uma conciliação. Aquele lhe parecera ser um processo tão simples que valia a pena insistir um tantinho a mais no objetivo do acordo. Só não imaginava que as coisas iriam perder o controle e permanecer daquele jeito depois de transcorrido tanto tempo.

Então, quando já se encontrava de fato a ponto de encerrar a instrução e marcar a data da publicação da sentença, ergue-se o proprietário da reclamada - uma pequena empresa de fabricação de vassouras e outros produtos de uso doméstico e caseiro – com uma proposta no mínimo estranha e desconcertante: oferecera à reclamante nada mais e nada menos do que a quase infinita quantia de 350 vassouras de piaçava como pagamento da sua dívida salarial.

Devo confessar que jamais havia visto uma proposta tão indecente e esquisita quanto aquela. É bom que deixemos claro, entretanto, não ser de forma alguma incomum a presença de animais – galinhas ou porcos nas cidades do interior, por exemplo – ou objetos e produtos de comercialização das empresas como parte da transação em acordos trabalhistas.

Mas a pergunta que não queria se calar naquele caso específico era a seguinte: o que de fato iria fazer a reclamante com um número tão elevado de vassouras? Certamente que a principal possibilidade naquele caso seria vendê-las e recuperar parte do valores que lhe eram devidos pela empresa. Acredito que talvez tenha sido essa a percepção daquela mulher: na impossibilidade de receber os salários em pecúnia, optara por tentar fazer dinheiro com a venda das vassouras, ainda que aquilo viesse a lhe demandar certo gasto de tempo e suor.

Mas o fato verídico é que aquela reclamante se voltara de imediato para a juíza de olhos muito azuis e brilhantes e em alto e bom som informara que aceitaria a inusitada proposta. Pelo nosso lado, desejamos que a sorte llhe tenha sorrido e que ela tenha obtido o maior sucesso na venda de todas aquelas vassouras, recuperando parte do que lhe era devido.

Assim seja, alea jacta est...