A missa dos mortos - Lenda urbana de Ouro Preto

A cidade de Ouro Preto em Minas Gerais, em seus quatrocentos e um anos, traz gravado em pedra sabão os anseios, os medos o desejo de liberdade, o amor, o ódio, a luta pelo ouro, a cobiça, a injustiça, e diversos outros sentimentos do povo mineiro, com seus contos, suas histórias, seu folclore e várias lendas urbanas que enaltecem a cultura brasileira.

Situada na serra de Ouro Preto e tendo como proximidade a serra do Espinhaço; Ouro Preto, fundada em vinte e quatro de julho de mil seiscentos e noventa e oito, elevada a categoria de vila em mil setecentos e vinte e quatro com o nome de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto; esta cidade foi palco de importantes acontecimentos que maculam a história do Brasil e das Minas Gerais. Entre eles podemos citar a inconfidência mineira que resultou na morte e decapitação de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, em vinte e um de abril de mil setecentos e oitenta e nove, a prisão do grande poeta Tomaz Antônio Gonzaga na Fortaleza da Ilha das Cobras, rebelião de Felipe dos santos em mil setecentos e vinte, o suposto suicídio do poeta Cláudio Manoel da Costa, há quem defenda que não houve suicídio e sim um assassinato, uma espécie de queima de arquivo já que haviam muitas pessoas interessadas em seu silêncio, uma outra informação que diverge é a de que foram celebradas treze missas em sua intenção, o que não era então permitido na época a pessoas que tiravam a própria vida. Citamos ainda o exílio, prisão e assassinato dos demais membros da inconfidência: Joaquim Silvério dos Reis, assim como Judas, foi o grande traidor, motivado por algumas moedas de ouro devidas a coroa, traiu seus companheiros: Poetas Cláudio Manoel da costa e Tomaz Antônio Gonzaga, os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Francisco Antônio de Oliveira Lopes, os padres José da Silva Oliveira Rolim e Carlos Corrêa de Toledo, o cônego Luiz Vieira da Silva, o sargento-mor Luiz Vaz de Toledo Pisa, o minerador Inácio José de Alvarenga Peixoto e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o que pos fim a Inconfidência Mineira.

Algumas curiosidades e lendas envolvem esse acontecimento:

Na primeira noite em que a cabeça de Tiradentes foi exposta em Vila Rica, foi furtada, sendo o seu paradeiro desconhecido até aos nossos dias.

Tratando-se de uma condenação por inconfidência (traição à Coroa), os sinos das igrejas não poderiam tocar quando da execução. Afirma a lenda que, mesmo assim, no momento do enforcamento, o sino da igreja local soou cinco badaladas.

A casa de Tiradentes foi arrasada, o seu local foi salgado para que mais nada ali nascesse, e as autoridades declararam infames todos os seus descendentes.

Tiradentes jamais teve barba e cabelos grandes. Como alferes, o máximo permitido pelo Exército Português seria um discreto bigode.

Durante o tempo que passou na prisão, Tiradentes, assim como todos os presos, tinha periodicamente os cabelos e a barba aparados, para evitar a proliferação de piolhos, e, durante a execução estava careca com a barba feita, pois o cabelo e a barba poderiam interferir na ação da corda.

Tiradentes não morreu enforcado em 21 de abril como consta a história. Em seu lugar foi morto um fazendeiro local que estava também preso na data marcada para o enforcamento.

Entre as mais conhecidas e difundidas das lendas de Minas Gerais, ocorrida em Ouro Preto provavelmente no início do século vinte está a lenda da missa dos mortos.

Muitas versões dessa lenda são apresentadas como sendo verdadeira a mais de cem anos, passada de pais para filhos, permanece viva de geração em geração.

Conta-se que havia na cidade de Ouro Preto um homem chamado João Leite. Homem de fidedigna reputação, dispunha do apreço, do respeito e do carinho de toda população da cidade e da região circunvizinha, bem como do clero e da governança imperial da época. Não tendo constituído família, e não tendo nem um outro parente vivo, vivia sozinho e ocupava seu tempo, zelando da capela construída em honra a Nossa Senhora das Mercês de cima. Alguns contadores, dizem que João Leite era de procedência duvidosa, tendo sido abandonado logo ao nascer, à porta da santa casa. Sua data de nascimento era desconhecida, e mesmo os mais velhos da cidade já o conheciam desde criança, com aquela mesma cara carrancuda, sempre a cuidar da pequena capela.

João leite fora encontrado morto em certa manhã, diante do altar da igreja, a causa morte era desconhecida e a população apenas dizia que ele sofrera uma “Duda”, e morrera ali mesmo, sem tempo, ou alguém que lhe pudesse oferecer socorro.

Conta a lenda que no dia dois de novembro do ano de mil e novecentos, João acordou no meio da noite, estava calor, ao sair à varanda de sua casa, percebeu que havia velas acesas no interior da capela. No século passado era tradição que os mortos fossem velados no interior da capela local, mas João não havia sido informado de nenhum falecimento na vila, naquele dia. Também não fora comunicado de nenhum evento a realizar-se durante a noite na capela.

Temendo que a igreja tivesse sido tomado por larápios, muniu-se de duas velhas garruchas e seguiu rapidamente para a igreja para assim tentar impedir o roubo que se anunciava.

Seguiu para as portas do fundo que davam acesso a sacristia, único lugar da igreja onde a escuridão permanecia e assim poderia entrar sem ser visto e pegar os ladrões de surpresa.

Entrou silenciosamente. Armas em punho. Não conseguia enxergar muito e não podia acender nenhuma vela para não chamar a atenção de quem estivesse ali. Chegou até a porta que dava entrada ao salão da igreja e se preparava para entrar, de repente foi surpreendido pelo som de alguém que parecia estar iniciando a celebração de uma missa.

____ Dominus Vobiscum .

Estavam rezando àquela hora? Mas quem? E por que? Não havia padres na vila, não sabia de nenhum morador que soubesse o latim. Sua curiosidade o fez criar coragem para olhar o interior da igreja. Estava repleta de fieis e havia um padre todo paramentado no altar a celebrar a santa missa. Tentou reconhecer o sacerdote mas de onde estava podia apenas perceber que era calvo e o couro cabeludo muito branco. João olhou para os fieis. Todos trajavam vestimentas pretas e com a cabeça baixa coberta por um capuz da mesma cor. Adentrou um pouco mais até um ponto onde pudesse olhar para o rosto do padre e assim tentar reconhecê-lo. Quando o padre levantou novamente a cabeça, João pode perceber estarrecido que se tratava de uma caveira. Ficou apavorado. Olhou os coroinhas. Também eram caveiras. Voltou-se para os fieis, eram todos pessoas já falecidas, todos os presentes na igreja eram esqueletos.

João não mais se conteve e saiu dali correndo como um louco. Na trajetória da igreja para sua casa, pode constatar que as portas do cemitério estavam escancaradas e que os mausoléus estavam com suas tampas abertas.

No dia seguinte, ao contar para os moradores o fato ocorrido, acabou sendo ridicularizado. Diziam que estava mentindo ou começava a sofrer o peso da idade e caducava.

João sabia o que tinha visto. E passou a observar à capela todas as noites. Durante um ano nada ocorrera até que em dois de novembro de mil novecentos e um, João percebeu que aquela cena se repetia. Desta vez, acordou diversos moradores que puderam constatar que a um ano atrás, naquela mesma data, João havia realmente dito a verdade. A vila ficou empolvorosa. Todos os moradores saíram a rua naquela madrugada para assistir a missa dos mortos.

A notícia se espalhou rapidamente. Ganhou fama. Tornou-se conhecida. E todos os anos, no mesmo dia dois de novembro tal acontecimento voltava a ocorrer em Ouro Preto, até que a igreja Católica instituiu o dia dos finados e passou-se a guardar como feriado o dia dedicado aos mortos celebrando-se em todo território nacional uma missa em sua intenção evitando que eles mesmos tivessem que fazê-lo.

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 13/09/2011
Código do texto: T3216579
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