ADALTO E O TUBARÃO

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Recontando Contos Populares

 

Lá um dia o compadre Adalto me chamou "pra" uma pescaria. Se há uma coisa que eu não "enjeito", é uma pescaria. Dê daí não teve espera, embarcamos na canoa "Feiticeira" e, remando contra a correnteza, ganhamos o mundo rio acima. O sol esquentava aos tantos e o compadre Adalto, começava dar sinal de cansaço. Pensei: "Com ele ou sem ele, a Feiticeira subiria o rio na mesma velocidade; sou bom remador e conhecedor dos segredos do rio".

No fundo da canoa, vinham a tarrafa de malha fina, anzóis, isca a vontade, o bornal repleto de rapadura e farinha. Além disso um "balaio" onde guardaríamos os pescados.

Vencida obra de três horas de remo, o céu começou a escurecer para os lados do norte; o vento assobiava danado de brabo, ameaçando uma trabuzana d’água.

— Ixe! O céu tá azulando, compadre! — gritou Adalto - Será que vai chover?

— É o que parece, compadre. Melhor remediarmos.

Atrelamos a canoa no barranco, onde fincamos uma estaca para amarrá-la e começamos a preparar as iscas. Estávamos entretidos no serviço quando, de repente, percebemos a canoa começar a balançar-se, como se algo a agitasse por debaixo da água. Balançou tanto que a corda que a prendia partiu-se.

— Ixe, sô! Lá vai a canoa! – grita Adalto, desesperado.

Não havia mais tempo. O barco descia levado pela correnteza, sem que ninguém pudesse evitar. Adalto ameaçou atirar-se ao rio e, nadando, tentar alcançar a canoa, trazê-la de volta. Eu o contive. Seria suicídio. Ficamos acompanhando-a, na esperança de que na curva do rio ela se engastasse num barranco e ali ficasse. Mas o barco fez a curva junto com o rio e sumiu de vista.

Perguntava-me o que acontecera à canoa que tanto pulou e tanto se sacudiu, enquanto estava amarrada, quando apareceu um tubarão à flor da água. Não era dos grandes. Media o quê? Uns oito ou dez metros? No alto do espinhaço aquela coisa que parecia uma serra e que, certamente, fora o que cortara a corda da canoa, livrando-a. Ali é que não ficaríamos. Não teve espera, derrubei uma árvore e, quinze minutos depois, com meu canivete já a tinha escavado a madeira, fazendo uma canoa que, se não era perfeita, pelo menos dava para flutuar e nos tirar daquele barranco. Jogamos a nova canoa na água e tomamos o assento. Como remos, usávamos folhas de uma palmeira. Remávamos com força, mas os remos não eram suficientes para nos fazer deslizar o tanto que desejávamos. Isto explica o fato de não conseguirmos afastar-se do tubarão que nos seguia de perto, faminto, esperando a ocasião propícia para pegar um de nós.

— Joga um cacho de banana dentro d'água — gritei para Adalto.

As bananas recém-apanhadas na margem foram jogadas ao tubarão por Adalto, na esperança de que isso o distraísse. Caíram na água e um segundo depois já haviam sumido, engolidas pelo peixe que não os perdia de vista.

Encalhada na margem do rio estava a Feiticeira. Acercamo-nos da Feiticeira. Não mudamos para ela. Mas deu para que Adalto tirasse de lá o balaio que havíamos trazido. Adalto jogou-o no rio, sobre o tubarão. A fera comeu o balaio e continuou nadando em volta como se nada tivesse acontecido. Num descuido de Adalto, o tubarão puxou-o para a água e não teve muito trabalho para engoli-lo. Isso serviu para acalmar o peixe. Poucos minutos depois o rio voltava à calma de antes. O céu já mostrava um começo de azul para os lados do norte. Chover, não choveria mais. Deixei a canoa deslizar a favor da correnteza e duas horas depois estava na cidade, são e salvo.

Aos outros pescadores contei o sucedido. Foi quando despontou, chegando ao cais, a barcaça Senhora, de Glacindo Nonato. Na proa da barcaça, Glacindo com um sorriso que mostrava ter feito boa pesca.

Amarrado à barcaça vinha o tubarão. Parecia ser o mesmo que pegara Adalto no meio do rio, mas nada podia ser comprovado. Tubarão são todos iguais.

— Abre o bucho do bicho! — sugeriu um.

Fui eu quem fiz o serviço, pois ninguém por ali sabia, melhor do eu, estripar um peixe. A faca deslizou e o peixe se fez em dois. Todos foram testemunhas. Ao abrir a barriga do tubarão, vimos o Adalto, todo espaçoso, comendo o cacho de banana que estavam dentro do balaio. ®Sérgio.

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Nota: Este causo é baseado no contado por Pantaleão Pereira Peixoto, in É Mentira Terta de Chico Anísio.

Se você encontrar omissões e/ou erros (inclusive de português), relate-me.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte Sempre.

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 10/02/2012
Reeditado em 20/08/2013
Código do texto: T3491933
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