O DEFUNTO ERA MACUMBEIRO

A imagem de uma galinha preta, sempre faz sentido na lembrança de todos nós (rss) que juntamos a ela automaticamente uma garrafa de pinga, uma vela acesa, numa dessas encruzilhadas de chão de terra batido em noites enluaradas de meter medo em qualquer valentão. Geralmente sob o clima de tempestade, vendavais levantando uma poeira danada ao anoitecer, onde gatos pretos pulam de telhados com miados histéricos.

Era madrugada de uma sexta-feira qualquer e de repente, de sobressalto, me vejo acordado, suando frio e com a certeza de que estivesse mesmo havendo um enterro, aquele clima de terror se completa com relâmpagos iluminando a fresta da janela do meu quarto e olhando no escuro é como se ela estivesse ali cacarejando.

Levantei-me, procurei minhas sandálias e no banheiro conferi minhas aparências, apesar das olheiras e tudo bem. De fato, nas horas que antecederam esse sonho maluco, eu exagerei um pouco ao degustar deliciosos pedaços de carne de porco e nesse caso os delírios e pesadelos são normais e até mesmo a visão de uma galinha preta.

O pesadelo foi horrível onde me lembrava de alguns caixões enfileirados, uns cinco ou seis e o cheiro de enxofre era percebido até no pátio do estacionamento, onde funcionava aquele evento mórbido, para o qual eu havia sido convidado para enterrar inimigos.

Perguntei, mas quais? Assim por atacado? – Eis que me responderam: - Para sua alegria, sim.

Eu insisti meio preocupado: - “Mas eu não tenho inimigos”. E sequer lhe conheço. Não consigo ver seu rosto, qual o seu nome?

A voz sussurrante insistiu: Não deixe de comparecer, todos eles são fantasmas e macumbeiros. Eu sou apenas um caboclo protegido pelos orixás e vim da Bahia só pra participar desse seu pesadelo.

Eu não sabia se ria ou se chorava, pois sempre vivi a vida inteira, driblando ou tentando driblar as tais pegadinhas, que hoje são muito populares na TV. E assim, meio assustado, fiquei pensando nesses comentaristas anônimos que ofendem a gente nas redes sociais, ou pessoas que se dizem amigos, ou do relacionamento comercial, que estão sempre querendo um motivo para fazer uma chacota, uma ironia, daquele tipo que dá vontade de pegar no pescoço e enforcar. O leitor sabe como são esses momentos incontroláveis.

A voz insistiu: Você vive “rogando pragas”. Eu me sacudi e terminando aquele pesadelo, pude concluir que o velório e o enterro ainda estariam acontecendo. Mas não pude fugir do fato de que realmente às vezes no momento de muita raiva eu costumo pronunciar esse gerúndio.

Ao que eu respondi, a essa altura com certo medo: - De forma alguma, por quem me toma o Amigo? (a voz) – Eu não sou tão vingativo e tampouco tenho esse poder e considero isso uma superstição tola e extrapolar num momento de raiva não significa que eu tenha sido sincero.

-Mas o Sr. admitiu e existem muitas coincidências na sua vida, né? (disse a voz, grossa e trêmula). Eu respondi: Não gosto de falar sobre esse assunto, porque não sei lidar com elas. São coincidências, apenas coincidências.

Dei por encerrado aquele papo com a tal voz que vinha não sei de onde e entrei no salão dos tais defuntos inimigos, disposto a consumar aquele pesadelo e terminar o mal estar.

Sensação horrível. Cheiro de cachaça, galinha preta e morta, farofa, cheiro de bode mal castrado e sentindo calafrios percebi que toda escala hierárquica umbandista estava por ali. Mas tinham também um cheiro de cana de açucar que me fez voltar à infância, com visões e lembranças estranhas, onde aparecem imagens de velhos fumando cachimbo e acendendo velas em encruzilhadas, enfim, essas coisas que fazem parte do nosso folclore.

Eu não conseguia identificar rostos e sequer reconhecer alguém naquele ambiente, mas dava pra perceber que a minha presença causou um mal estar. Mas todos muito formais me acenavam e sussurravam e procuravam manter certa distância e com o tempo fui percebendo que a minha estada ali, também impunha respeito, mas porque, eu nem desconfiava. Pior mesmo, é que eu não conseguia alterar o roteiro do sonho, como já havia feito em várias ocasiões. Sempre tive competência para gerir meus sonhos. rssss

Com os meus botões, eu imaginava: brincadeira, não é possível que essa gente toda, vestida de branco, com turbantes na cabeça, cheios de balangandãs, uns parecendo que vieram diretamente da Bahia e estão por certo, me tomando por um “caça-fantasmas” bem sucedido.

De qualquer forma, vou conferir a cara dos defuntos em cada caixão pra ver se realmente tem alguém que, mesmo que para minha surpresa, possa ter se revelado meu inimigo. Um deles eu reconheci e fiquei rindo, pois não acreditei. Ele é um babalaô e guru de um Amigo meu que o descrevia com muita fidelidade, fumando cachimbo, com um aspecto afro descendente bem delineado. Nem quis olhar o resto dos caixões para não ter que sentir aquela sensação estranha e macabra de ficar feliz reconhecendo um defunto macumbeiro.

Eu não sabia se ficava ou se saia daquele ambiente maligno, mas ao encostar-me num dos cantos das paredes do salão, deparei-me com a presença de um conhecido, ou melhor, de alguém que demonstrava visivelmente que me conhecia e me olhava de banda como se diz. Pensei: Quem sabe pode ser aquele dedo duro que sabe até quanto custou a placa da minha caminhonete. Acho que vou rogar uma praga nele também. Mais um, menos um pra me encher o saco, afinal meu complexo vai aumentar muito pouco. Quando firmei meu pensamento, o cara fixou seus olhos em mim e sumiu rapidinho do salão.

Fiquei pensativo e o meu sonho acabou assim de repente.

Até hoje, não sei se tive sucesso na ultima praga que roguei. Acho que não, porque de vez em quando, vejo manifestações extra-sensoriais em murais espalhados nesses espaços cibernéticos, onde ele sabe que a minha presença se manifesta com regularidade.

Luiz Bento (Mostradanus)
Enviado por Luiz Bento (Mostradanus) em 01/03/2012
Código do texto: T3529517
Classificação de conteúdo: seguro