O PÉ DE VALSA
 
Fernando, todas as sextas feiras costumava mostrar seus dotes de “pé de valsa”. Era uma rotina que não falhava, salvo se estivesse acometido de alguma enfermidade. Com seus mais de sessenta anos, no terceiro casamento, não aceitava intromissão na sua vida, digo, nas suas sextas feiras.
Cedo da noite tomava aquele belo banho, colocava aquela colônia perfumada, sua roupa bem passada, o sapato mais confortável, barba feita, cabelos cortados, unhas arrumadas e metia o pé na carreira, dizia que iria jogar um dominó na casa de um dos amigos, mas na verdade ia direto para o Chopão Sertanejo. Lá rolava todo tipo de música, seu proprietário havia bolado uma seleção que atendia a “gregos e troianos”. Mas Fernando não ia somente em busca da música, queria saber das belas morenas, sua preferência na qualidade de mulher. Fosse morena já despertava sua libido.
Numa dessas sextas feiras, Fernando chegou cedo, por volta das 21h, sempre sentava no mesmo lugar, os garçons já o conheciam, pedia aquele chope, uma isca de queijo, e assim levava a noite toda. Claro que até aparecer aquela que seria sua conquista da noite. Os olhos procurava sua “próxima vítima” ficava que nem uma lançadeira, buscando aos quatro cantos, parecia uma coruja caçando cobras.
Fernando sempre se dava bem, considerando que a média de idade dos frequentadores era acima dos 46, ou seja, quem por ali chegasse estava mesmo querendo dar um pega e porque não dizer também, ser pegado. Curtir a vida, já que se encontra na linha descendente. A ordem é aproveitar todos os minutos.
Mas na vida nem tudo sai como sempre queremos, há dias e dias, em alguns vencemos, mas em outros podemos perder. Nem sempre o planejado sai nos conformes, pode-se planejar tudo e por uma casualidade tudo ir por água abaixo. Fernando já havia dançado com duas possíveis "vítimas", mas pede desculpas e vai ao banheiro, a caminho, mesmo com pouca luz, nota uma bela morena sentada à mesa. Estava só, era alta, com dotes perceptíveis, cabelos longos, e com uma cara de carente de amizade, dando aquela moleza para ele.
Fernando muito esperto finge que não viu, vai ao banheiro e na volta ataca direto, não perde tempo. Em minutos levou aquela bela morena para sua mesa, mais chope, mais queijo, conversa vai e vem, cochichos nos ouvidos e pronto, estava ganha a noite. Fernando tinha uma conversa pronta, sempre dizia que era viúvo, sozinho e buscava uma companhia para terminar seus dias. A morena também disse que não havia ninguém em sua vida, era uma desprezada e buscava um homem que quisesse ao seu lado ser feliz. Dois mentirosos, mas fazer o quê se a vida é assim mesmo.
A noite prometia, agora com uma bela companhia, chopes, boa música, o casal não perdia uma música. Dançaram de tudo. Fernando acostumado às noitadas estava impressionado com a bela morena. Beijos calientes, esfregões, excitação, Fernando já contava os minutos para dali irem direto para aquele local de encontros íntimos. Numa tática costumeira antes de sair do recinto, Fernando fingia uma sede pedindo uma água do garçom, mas na verdade já se armava, tomava o famoso comprimido azul, mas naquele dia tomou dois e começava a contar os minutos, sabia certinho quanto tempo levava do chopão até o "ninho" e o início do efeito do medicamento.
Pegou a morena pelo braço e disse: “agora vamos terminar a noite no nosso ninho de amor, quero te mostrar o outro lado da ponte, que dá passagem direto para o paraíso”. Naquela noite em especial Fernando estava metido a poeta, em metáforas prometia tudo de bom para sua recém conquistada. Por sua vez, a morena, disse que já estava pronta, que queria ver se era tudo verdade e, se fosse, ficaria com ele o resto de sua vida.
Fernando pagou a conta, e com sua morena foram finalizar a noite, pegou seu carro e já começava abraçar a sua linda morena. Chegando e se hospedando no destino Fernando foi ao banheiro e quando voltou encontrou sua amada deitada, a meia luz, coberta pelo lençol branco. Fernando desligou a luz branca e ligou uma luz negra, segundo ele ficava mais romântico. Mas,  sem querer descobre que a sua linda morena era na verdade, Jorge. alguém que vivia sob um pseudônimo.
Fernando não sabia mais o que fazer, a situação fugiu ao seu controle, como aquilo poderia acontecer, como ele não percebeu, e os garçons no chopão será que haviam percebido, meu deus, agora era um misto de vergonha com decepção. O comprimido já havia feito sua função, o que fazer? Ir até o final ou saltar fora do "barco." Seus pensamentos corriam em alta velocidade, pensava em meter uns tabefes no Jorge, depois pensava na confusão, polícia, manchete de jornal, sua família, enfim uma situação que ele jamais pensou em viver.
Enquanto pensava em todas essas coisas, Fernando sente um “grol” na barriga, e infelizmente não consegue nem se levantar, talvez pelo excesso da bebida, queijo estragado, sabe-se lá o quê. Não deu pra segurar e fez ali mesmo sobre a cama, foi diarreia para todo lado. Sua bela “morena” deu um salto da cama, pegou suas roupas e em minutos estava de pé, pronta e com a mão sobre o nariz dizia que iria embora, que terminar a noite daquele jeito seria o “ó”, já começava até a falar diferente.
Fernando é acometido por uma tonteira, calafrios, com o ambiente irrespirável pede socorro via telefone, a confusão é instalada e várias pessoas adentram no quarto, ele se identifica como promotor de justiça aposentado e é socorrido. No meio da confusão a “morena” some, Fernando é levado pelos bombeiros e internado no hospital do coração, seus batimentos estavam a 120, por pouco não enfartou. Sua família é avisada e em pouco tempo chega ao hospital, prestando toda solidariedade.
Fernando explicou que estava com uns amigos e que comeu algo estragado, não sabendo precisar o que lhe fizera mal, mas no seu íntimo sabia que tudo aquilo fora em virtude do comprimido azul, já que sempre tomava apenas um e naquele dia havia decidido surpreender a morena, mas deu tudo errado. Dos males o menor, se tivesse dado certo Fernando teria que encarar o Jorge, disfarçado da bela morena.