O Motorista de ônibus

O Motorista de ônibus

De uma série de "causos" que eu gosto de contar

24/02/2013 - 11h25m

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Decorridos uns 20 anos aproximadamente a partir do momento que iniciei meus primeiros passos na vida profissional, primeiro emprego, estudos, cursos de aperfeiçoamento,etc. Evolui na medida que me foi possivell, fiz meus progressos na escala hierárquica de uma grande empresa e enfim, um cargo de diretor comercial que eu estava exercendo já há uns 5 ou 6 anos, numa tecelagem em Contagem, MG.

Tudo acontecia na minha vida. Eu aprendia a arte da convivência com um mundo novo, aprendia todo dia e experimentava gradativamente a sensação do poder.

De repente, o vigia da portaria liga e pede pra falar comigo. Estava preocupado porque estava lá fora uma pessoa muito nervosa, um senhor já dos seus 40 anos querendo falar com o gerente de vendas e reclamava em altos brados do representante da empresa que havia feito pouco caso no atendimento porque ele era um iniciante, um cliente pequeno e assim, deveria comprar nos distribuidores e não diretamente na fábrica. Eu poderia ter determinado que ele falasse com minha secretária ou então que o meu sub-gerente o atendesse, mas como sempre gostei de manipular pessoalmente algumas experiências no trato com pessoas, larguei sobre minha mesa alguns relatórios importantes e fui atendê-lo pessoalmente ao invés de por exemplo, encaminhá-lo ao deposito que tínhamos anexo à fábrica para atender pequenos clientes.

Precisava ouvir seus próprios argumentos já que conhecia o perfil do representante que realmente era meio pedante e não se dava mesmo ao trabalho de dar atenção a esses pequenos negócios. Naquele tempo, décadas ao redor de 1970 era muito comum as indústrias negociarem 90% de sua produção com distribuidores atacadistas e grandes redes de varejo. Eu como gerente de vendas, já começava a buscar novas idéias e novas formulas de vendas, já que muitas grandes empresas iam à falência exatamente no ramo têxtil, porque não adotavam a técnica da pulverização de vendas.

Quando o sujeito aponta na porta da minha sala, pelo vidro, eu vi sua fisionomia falando com a secretária e percebi que o conhecia de algum lugar perdido no tempo. Simplesmente naquela fração de segundos, fiz um esforço e não consegui identificar quem poderia ser com uma fisionomia tão forte e tão presente nas minhas lembranças do passado.

Ele entrou, riu e foi preciso: Eu não acredito que você é aquele garoto desajeitado que vivia correndo atraz do meu ônibus e eu sempre te dando colher de chá parando fora do ponto, pra você não perder o horário de seu trabalho - E acrescentou: - É você mesmo, Luiz?

Eu imediatamente o reconheci e nos abraçamos etc, pois realmente naquele tempo, a gente tinha uma vida bem melhor, sentimentos mais honestos, conhecia os policiais da rua, os famosos "Cosme e damião" que sempre andavam juntos e ao tomar os ônibus, a gente sabia o nome dos motoristas e eventualmente eles também nos tratavam pelo nome. Que bons tempos, mesmo sendo numa capital como Belo Horizonte que na época dos bondinhos deveria ter ai, seus 300 mil habitantes. E mesmo considerando o fato de que antes um pouco, ainda morando em Ponte Nova eu tivesse tido um atrito muito desagradável com um certo motorista de ônibus, que vivia bêbado e me agrediu porque perdi uma ficha que eu deveria colocar no cofre ao sair. Os mais antigos de Palmeiras, sabem quem tinha esse perfil e eu não preciso dizer o nome. Eu tinha uns 13 anos e bom lembrar que a gente chamava aqueles pequenos micro-ônibus de "Lotação".

Mas, voltando ao episódio central, depois desse susto agradável proporcionado pelo tunel do tempo, e após relembrar algumas passagens engraçadas daquele tempo que eu andava de ônibus, eu lhe perguntei, já estando a tomar um cafezinho que eu havia ordenado lhe servir.

- Mas o que o amigo faz aqui, numa fabrica de tecidos? E querendo brigar com o gerente de vendas, e que já sei, não vai haver mais briga?

Ele então, em tom mais sério e profissional, perguntou-me se eu não poderia abrir uma exceção e vender-lhe apenas 300 ms de brim pra confecção de bermudas, pois ele estava começando o seu negócio e não queria comprar de atravessadores, pois era mais caro e o nosso representante lhe esnobou (palavras dele) e não queria vender.

Eu disse:

-Peque a cartela de cores e peça o que você quiser, na quantidade que você desejar e não vai haver favor algum. Jamais negamos a um cliente, seja de que tamanho for, o direito de nos comprar diretamente, desde que comprove estar estabelecido legalmente. (Aquele momento coroava de êxito as minhas intenções de adotar um política mais democrática nas vendas, contrariando posições conservadoras dos diretores superintendentes e até mesmo acionistas que naquele tempo moravam respectivamente no RJ e Recife.

Ele disse sorrindo:

-Eu tinha quase certeza, uma espécie de pressentimento, que eu seria muito bem recebido aqui e tive a sorte de encontrar um amigo de muitos anos.

E quando saiu, pediu-me uma coisa que eu não exitei em atende-lo com o poder que eu tinha:

-Por favor, eu não quero que esse representante receba um tostão de comissão pelo pouco caso que fez de mim. Pode ser?

Eu disse:

Fique tranqüilo, ele será punido com essa restrição e será advertido verbalmente por esse procedimento.

Dez anos depois, esse mesmo cliente continuava comprando diretamente da fabrica e atingiu a quantidade média de 10.000 metros por mês e o represente ia lá, pedia-lhe desculpas, mas ele não cedeu. Não sei se a empresa existe ainda, mas chamava-se Confecções Deutz Ltda, proprietário e ex-motorista de ônibus Vantuil dos Reis e assim, me orgulho de ter colaborado decisivamente para que esse pequeno empreendedor evoluísse no seu negócio e pudesse, como foi de fato, ser bem sucedido em seu projeto de vida.

Para que vocês tenham uma idéia, se esse representante não tivesse feito pouco caso desse iniciante, ele teria recebido uma comissão de aproximadamente R$2.000,00 mensalmente, somente sobre as faturas desse cliente. Ele perdeu, ou deixou de ganhar aproximadamente durante uns 5 anos um valor aproximado de 72.000 mil reais, sem considerar valores menores de quando iniciou as compras diretas. E considerando que algum advogado ou estudante de advocacia possa estar lendo isto aqui, informo que o contrato permitia esse tipo de interferência, além da clausula que nos permitia nomear quantos vendedores quiséssemos, desde que para atender uma demanda comprovadamente não trabalhada.

Por isso, gosto de contar essas pequenas passagens da minha vida, mesmo que vindas de experiências profissionais, em que a gente recebe pequenas lições de vida das quais com um mínimo de inteligência você absorve e norteia seu próprio estilo e comportamento e constrói seus códigos de ética.

Moral da história: Temos dois motoristas de ônibus citados nesse texto, com caminhos e objetivos completamente diferentes. E um representante comercial (vendedor ou caixeiro viajante como alguns gostam de dizer) com uma postura bem diferente de um que conheci no meu segundo emprego em Ponte Nova, ainda garoto com 13 anos, na Santa Cruz, nr. 9 (Bartofil). Ele era o braço direito do Antonio e do Zé Bartolomeu naquele tempo. Chamava-se Divino, era uma fera, altivo, dinâmico, trabalhador e foi a primeira grande referencia que eu tive saindo da adolescência para conhecer o famoso mercado de trabalho, onde as pessoas vivem atropelando as outras, disputando status e dinheiro.