UM PINGUINHO DE GENTE QUE SE TORNOU HEROINA

Morando numa fazenda arrendada próximo ao povoado da Extrema, certo dia atarefado no meu cotidiano rural, recebo uma visita inesperada do João coitado, um lavrador que vivia num nível de pobreza bem preocupante e que inclusive já o citei num conto anterior.

Éramos conterrâneos, mas não tínhamos laços de amizade que o levasse a me visitar. Fiquei um tanto surpreso com a sua presença imaginando o que o levaria a caminhar mais de doze quilômetros àquele local onde quase ninguém aparecia a não serem os trabalhadores que me prestavam serviços nas lavouras ali existentes.

Cabisbaixo com o ar de uma tristeza mórbido ele colocou a cabeça entre as réguas do curral onde eu me encontrava e me saudou com um bom dia.

-- Bom dia Joãozinho como vão as coisas tudo bem com você?

-- Tá nada sô ieu tô cada dia mais apertado, essa semana nasceu mais gente La incasa. Ieu tô aqui né atoa não, vim Ca vê socê qué, e pode cê padrinho dela, ua menininha. Ocê mais sua muié será quela vai querê?

-- Creio que sim, de minha parte será um prazer, o quanto a ela você a convida.

-- Fala cuela pramim sô, ieu custei tê coraje de falá cocê!

--Que isso Joãozinho somos todos iguais, não há motivo para se constranger. Vamos chegar você deve estar sem almoço. Almoçamos depois nós conversamos a respeito.

--Brigado, mais num vô querê cumê não!

— Não senhor vai comer sim esta hora deve estar sem almoço.

-- Tô memo, mais incasa hoje ta disprivinido, ieu num tenho coraje de cumê sabeno qui a muié mais os minino num tem o qui cumê incasa.

Dexe disso homem, nós almoçamos depois resolvemos essa pendência de sua casa. Ele relutou, mas acabou aceitando. Minha esposa fez um suprimento que dava para os três ou mais dias, e ele seguiu seu caminho um pouco mais contente, com um semblante mais feliz de como chegou.

No dia do batizado fomos ao seu casebre, levando uma roupinha preparada por minha esposa e alguns suprimentos para a família, sua mulher e os dois filhos ficaram numa felicidade incrível com aquelas coisinhas que levamos.

Minha esposa foi preparar aquele pinguinho de gente para o batizado, me chamou para vê-la. Ela parecia alevino de um peixinho ornamental. Cabia na palma da mão de tão pequena. Fiquei impressionado com o tamanho daquela miniatura de gente, imaginando que só um milagre salvaria quela coisinha tão minúscula e indefesa. E foi o que ocorreu.

Aliás, um segundo milagre, o primeiro foi ela ter nascido sem um acompanhamento médico durante a gestação. De uma mãe mal alimentada devido ao pai que pouco trabalhava, e bebia quase sempre o minguado saldo que recebia.

Pouco tempo depois ela parecia uma batatinha. E o pai todo orgulhoso a chamava pelo apelido de Tata, dizendo que ela parecia uma batata. Aquele pinguinho de gente, por milagre nasceu e se criou sadia. Pequena e redondinha. Ao contrário dos pais que morreram na mais cruel pobreza, tanto espiritual como financeira.

Ela nasceu com uma personalidade forte. Decidida e esforçada estudou como pode, superou as barreiras da pobreza se transformando numa profissional competente e comunicativa. Casou-se muito bem, tem sua família. Trabalha como moto boy tem um bom emprego. Costura o transito maluco da cidade de igual para igual como qualquer bom profissional. É admirada e respeitada no meio onde vive e trabalha. Atualmente eu a vejo como uma heroína que superou uma serie de adversidades vencendo todas as barreiras que a vida lhe impôs.

Tem um carinho todo especial para conosco que somos seus padrinhos e a retribuímos como ela merece. É com admiração que eu dedico a ela este texto.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 23/09/2013
Reeditado em 23/09/2013
Código do texto: T4494418
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