O fuscarrari
 
 
            Houve um tempo em que o Fusca era considerado um bom carro por aguentar o batente das estradas de terra, principalmente quando virava um lamaçal devido às chuvas. Na região onde eu morava, tornou-se um dos meios de transporte mais utilizado e valorizado pelos fazendeiros. Como na cidade de Pimenta não havia Auto Peças e tinha poucos mecânicos, era um carro vantajoso, pois era barato e de fácil manutenção. Com um alicate e um rolo de arame era possível fazer alguns reparos e mantê-lo funcionado. Nunca deixa seu dono na estrada o dono e que raras vezes o deixa par traz!      

                  Nesta cidade tinha um fusquinha muito arrumado que pertencia ao Sr Pimpão, tinha uma boa procedência e era bem conservado, porém valia uns R$1.800,00 no máximo. Entretanto, o valor sentimental para o seu dono era bem maior do que o valor real de venda. Tratava o veículo como um ente da família, estava sempre limpo e cheirando a carro novo. Uma verdadeira relação de amor com o Fusquinha.
            O Giada amigo dele lhe perguntou por quanto ele venderia o fusca, então Pimpão abriu a boca igual a um jacaré e pediu R$2.500,00. O Giada começou a gozação dizendo que ele não valia aquilo tudo, que dava R$1.500,00 com um prazinho. Pimpão ficou ofendido com a proposta e mandou-o ir tomar naquele lugar onde não bate sol. O Giada disparou a rir, pois o que ele queria mesmo era vê-lo com raiva. Como se não bastasse, começou a rodear o carro e colocar defeito no bichinho. Pimpão foi ficando cada vez mais irado com a depreciação feita pelo amigo e resmungando disse que se não achasse o valor desejado não venderia. O Giada, muito gozador, foi logo falando “Vai ter carro por muito tempo, nunca vai sair desse casamento. Se conseguir vender por este preço eu faço bunda lê lê na despedida do bichinho!”. Pimpão saiu pisando duro e deixou o Giada falando sozinho.
            Depois de uma semana mais ou menos, os dois estavam na porta do “Bar do Peixe tomando uma cerveja, até que apareceu um tal Zé Mourão interessado no fusquinha”. Olhou o carro com carinho, agradou bastante, pediu o telefone do Pimpão e foi embora sem perguntar o preço do carro. O Giada disse ao amigo, ainda bem que não teve que falar o preço, se não nós dois íamos apanhar do cara. O Pimpão falou com o amigo “Vai treinando fazer bunda lê lê que não quero você fazendo feio na despedida do carrinho”.
            Passado alguns dias, o Giada contou o caso para o Sr. Pimenta, que era outro amigo seu, e então combinaram de armar uma pra cima do Pimpão. Na mesma hora Sr. Pimenta pegou o telefone e ligou para o Pimpão passando-se pelo Zé Mourão e perguntou se ele se lembrava dele, disse que tinha pegado o telefone com ele na porta do “Bar do Peixe e não se lembrava do preço do carro, perguntou se era R$ 2.800,0 que ele queria no carrinho”. O Pimpão mais do que depressa percebendo o interesse do comprador, respondeu que por menos de R$3.000,00 não venderia e tinha que ser no cobrinho. O suposto Zé Mourão queimou no golpe com ele e perguntou se o Pimpão não confiava nele. Pimpão concertou o mal entendido dizendo que não era desconfiança, que precisava do dinheiro para comprar outro e que um prazinho pequeno ele daria. O Zé, fazendo-se de desconfiado, lhe disse que naquele dia não tinha andado no carro e nem olhado o motor, perguntou se estava tudo em cima mesmo, se não tinha vazamento ou barulho diferente. Pimpão disse ao Zé que garantia o carrinho, que estava tudo dentro dos conformes. O Zé disse que iria dar um cheque de R$3.000,00 com 10 dias de prazo e que o encontraria no bar do peixe por volta das 18:00hs.
            Pimpão mal desligou o telefone e já foi ligando para o Giada, que custou a segurar para não rir juntamente com o Sr. Pimenta. Foi logo falando “Neguinho, coloquei o carrinho fora, vendi baratinho, baratinho. Bem que você falou que eu não achava os R$2.500,00. Estava com razão, tive que vender por R$3.000,00 para o Zé Mourão, joguei o carrinho fora. Tenho um trato pra fazer com você, se não quiser fazer bunda lê lê vai ter que dar um capricho no bichinho. Quero-o lavado, encerado, aspirado, um verdadeiro brinco e só tem até as 17:00hs”. O Giada se fez de chateado, mas concordou em dar um trato no bichinho, foi até a casa do amigo e lá mesmo começou a tal limpeza. Pimpão de vez enquanto vinha dar uma olhadinha, tirava uma casquinha no amigo, punha um defeitinho aqui outro ali. Disse para o amigo “Pode tirar este toca fitas novinho daí, que o carrinho já tá muito barato”. O Giada não queria tirar o toca fitas, pois já sabia do fim da história, mas como não queria desmentir a compra do carro, não teve outro jeito e acabou tirando o toca fitas. Pimpão ficou enchendo o saco do Giada até que o carrinho ficou um verdadeiro brinco. Ele perguntou ao amigo se ele não queria ficar com o carro por mais de R$3.000,00, que era só ele oferecer um lucrinho para o Zé Mourão que talvez ele vendesse.
            Às 17:00 já estavam os dois no bar do peixe tomando uma bem gelada e esperando o Zé Mourão. Pimpão ficava tirando sarro com a cara do amigo e contando a maior vantagem, prometeu que a conta do boteco era por conta dele. Tomaram umas e outras e nada do tal Zé aparecer, porém Pimpão não perdia as esperanças. Lá pelas 19:00hs o Giada já meio de fogo, disse que ia tomar um banho e voltaria rapidinho. Ficou de longe olhando o amigo impaciente com a demora e inconformado de ter de pagar a conta. Quando o relógio da Igreja Matriz bateu 20:00hs, Pimpão desistiu da espera e foi embora.
            No dia seguinte, conseguiria o telefone do Zé Mourão e iria ligar para ver o que tinha acontecido. Custou esperar dar 8:00hs para não tirar o Zé da cama, e então ligou para a casa dele. A esposa do Zé foi quem atendeu e Pimpão perguntou pelo Zé. Sua esposa disse que ele havia ido para fazenda tinha uns três dias e lá não tinha telefone. Pimpão ficou com a pulga atrás da orelha porque naquele tempo não existia telefone nas fazendas e nem celular. A esposa curiosa lhe perguntou do que se tratava, ele explicou que tinha recebido um telefonema dele no dia anterior. A dona logo afirmou que era impossível, pois ele havia trocado um gado por um fusca e tinha ido para a fazenda entregar o gado e avisou que só voltaria no final da semana. Pimpão agradeceu e desligou o telefone muito desapontado.
            Sabendo que tinha caído no conto do vigário e podia jurar que o autor era o Giada, prometeu a si mesmo vingar do amigo, era só questão de tempo ele armaria algo pra cima dele. O carro ficou sem som por uns dias e Pimpão sem por o pé na rua para não ver a cara do amigo. Como bons amigos acabaram fazendo as pazes, com o trato do Giada colocar o toca fitas no seu devido lugar.
                                       
            E para não fugir dos costumeiros finais de histórias, viveram felizes e desconfiados para sempre!
 
Kennedy Pimenta