Ovelha negra
 
 
            Em certo arraial do interior, havia um padre muito autoritário, época em que os religiosos, em geral, realmente eram a lei nas cidadelas e conduziam seus fiéis com mão de ferro. A igreja, neste tempo tinha muita influência espiritual e temporal. Na política, os padres orientavam seus rebanhos em quem votar e como se proceder em relação ao adversário político. Alguns até eram eleitos prefeitos ou, se não faziam parte do pleito, comandavam os eleitos e demais autoridades municipais com afinco. O padre, sobre o qual vou narrar neste causo, era muito forte, alto e andava armado de revolver além do crucifixo. Já tinha colocado muita gente na cidade para correr e como um Juiz resolvia todas as pendengas que lhe eram apresentadas. Além de confessor de toda a população, muitos o procuravam como conselheiro dos mais variados temas particulares. Muitos fiéis não faziam nada sem a sua benção. Era um religioso convicto, daqueles que levam os fiéis para o céu nem que seja a pontapé, e mesmo as ovelhas mais desgarradas voltavam para o aprisco do bom pastor.
            Como sua secretária na casa paroquial, trabalhava uma moça que namorava um rapaz da cidade. Esse rapaz era sério e trabalhador, mas quando bebia ficava muito transtornado e falante tal qual uma maritaca, mas depois não se lembrava de nada, era atacado por uma completa amnésia, não se sabe se por conveniência ou problemas neurológicos. Como sempre, apareciam alguns engraçadinhos para tirar sarro de um bêbado e colocavam coisas na cabeça do rapaz. Alguns diziam que eram chifres, outros que era apenas maldade dos adversários políticos do padre. O jovem ficava muito nervoso e falava poucas e boas do sacerdote, repetindo o que as outras pessoas insinuavam. Ninguém afirmava nada com certeza sobre o padre, só ficavam “tuzicando” o coitado para vê-lo nervoso e malhando o pároco. Ignora-se como este fato foi parar no ouvido do padre, que chamou sua secretária e lhe informou o que estava acontecendo. A apaixonada moça disse-lhe que iria conversar com o namorado, mas que tinha certeza que ocorrera algum mal entendido. O moço negou tudo, pediu para ela avisar o padre que isto era somente fofoca e que todos sabiam da retidão do mesmo. Apesar de muito nervoso, o vigário colocou pano quente sobre o ocorrido.

               Certa vez, à noite, quando o sacerdote passava pelo centro da cidade, ouviu o moço falando mal dele, insinuando que ele e sua namorada tinham um caso. O caluniador estava completamente embriagado e ninguém do grupo percebeu que tinha sido ouvidos pelo pároco. O padre ficou possesso de raiva, mas no momento não podia bater boca com um bêbado na frente de todos, e, para piorar a situação, na porta de um boteco. Mas desta vez decidiu que não deixaria passar impune tamanha calúnia.
             Resolveu, então, ficar de tocaia em uma rua escura e deserta, dentro de seu automóvel esperando quando o bêbado fosse para casa. Passado algum tempo, apareceu o dito cujo trocando as pernas e balançando mais que anu pousado no arame. O padre o agarrou pelo colarinho, derrubou-o no chão e amarrou-lhe as pernas e mãos. Amordaçou o coitado, o jogou dentro do porta-malas do carro e rumou para um matagal afastado da cidade. O tonto entrou em desespero, e até o momento não tinha descoberto o que estava acontecendo com ele. Não teve tempo de esboçar uma reação, pois fora apanhado de surpresa por um brutamonte.
            O motorista parou o carro em um lugar bem afastado de onde ninguém poderia escutar nada e disse para o embebedado que tinha chegado a hora da onça lamber sua cachaça. Estava muito escuro e o mancebo estava tão embriagado que não reconhecera quem era o agressor de capa preta. O raptor pegou o caluniador no porta-malas, retirou sua mordaça e a colocou nos olhos. Em seguida, pegou em seu bolso três vidros de óleo de rícino, um litro de pinga e obrigou o bêbado a tomar tudo. Despejava-lhe garganta abaixo um gole de água ardente e de tira-gosto o óleo bento. Falando com uma voz muito estranha, disse-lhe que aquilo era um óleo sagrado para purificá-lo, tirar seu vício e principalmente pôr um freio em sua língua maldita. O borracho tentava resistir, mas a mão do padre comeu no pé do ouvido. E por fim não teve outro remédio a não ser engolir calado, aceitando todas as santas ordens. O clérigo debulhou um terço enquanto permanecia com o sequestrado até começar o efeito da mistura de óleo com álcool. A barriga do infeliz roncava e retorcia e ele pedindo pelo amor de Deus para ser desamarrado. Quando saiu a primeira borrifada nas calças, o padre pegou o coitado e o colocou de cabeça para baixo dependurado em uma arvore. Aí é que a coisa ficou mesmo feia, como estava muito encachaçado, o estômago começou a revirar e ele principiou a vomitar. Tanto saía por baixo como pra cima, mas neste caso, tudo escorria para baixo mesmo.
            Então, começou a purificação do corpo e da alma. O homem de Deus, munido de uma vara bem flexível, jogava um pouco de água benta no infeliz e descia o cacete sem dó enquanto rezava em voz bem alta. A cada oração recitada pelo inquisidor, o ovelha negra era obrigado a responder amém. O negro salvador foi obrigado a colocar um pano no nariz devido ao mau cheiro, mas mesmo assim não abandonou sua missão. Benzeu a alma penada até acabar a água benta e não sobrar nada da vara. Depois de terminado o exorcismo, cortou a corda das mãos do rapaz, lhe passou uma penitência bem severa e foi embora. O amigo do Zorro, o Tonto, ficou ali jogado numa fraqueza danada, com muito custo desamarrou os pés e foi se arrastando para casa. Chegando à residência, entrou para o banheiro, tomou um senhor banho e caiu na cama. No outro dia, percebeu que estava com o corpo todo cheio de vergões e com a cabeça explodindo de dor. A ovelha resgatada não comentou nada com ninguém, cumpriu sua penitência com afinco e acreditou piamente que o acontecido tinha sido obra de um anjo negro, mas um anjo negro da salvação.
            Pode até não ser a melhor maneira de tirar a pinga e recuperar uma ovelha desgarrada, entretanto daquele dia em diante ele nunca mais bebeu. Sentava-se na primeira fila de bancos da igreja rezando com grande fervor e ficou livre de uma segunda seção de descarrego. A visita do anjo negro o assombrava! Ele nunca tocou no assunto com ninguém e o padre continuou a conduzir o seu rebanho sem muitos percalços. Essa ovelha com certeza foi para o paraíso, mas com uma purificação desta qualidade, qual alma não alcançaria o reino dos céus? Se você bebe e fala pelos cotovelos, cuidado a próxima vítima pode ser você!
 
Kennedy Pimenta