O DONO DA FAZENDA


    O Sr. Antônio, dono de uma pequena fazenda muito bem organizada com vaca para o leite e porcos, ia tocando a vida feliz, com seus 80 anos bem vividos, ''galanteador''. Dona Carminha, sua esposa, não gostava do modo como se ele se dirigia às moças, com gracejos.
    O tempo passou e Dona Carminha faleceu. O Sr. Antônio não demorou muito, começou a pensar em outra companhia, e pensava dia e noite. Conhecia Maria José, ela tinha 50 anos, muito velha. Judite, também não, faltava qualquer coisa e tinha 46 anos, já tinha pés de galinha nos olhos. Gostava de uma mais jovem. Conheceu Ignez, essa sim, 39 anos, estava ótima, faceira. O Sr. Antônio começou a freqüentar os lugares a que ela costumava ir: igreja, missa, oração da noite, procissão, beira do rio, a praça. Ele fazia de tudo pra encontrar Ignez, que começou a perceber as intenções do Sr. Antônio. E, pensando no futuro, foi logo aceitando a corte e toda noite estavam no banco da praça, de mãos dadas. Ele louco para dar um beijo nela, mas precisava conhecer os pais para oficializar o noivado.
    Os pais de Ignez gostaram muito e aprovaram o compromisso dos dois. Foi tudo rápido, logo estavam casando na igreja, com véu e grinalda; as despesas por conta do noivo, claro, pois os pais dela tinham poucas posses.
    A princípio ia tudo muito bem, até o dia em que chegou um moço maranhense na cidade. Possuía um belo cavalo, as moças ficaram alegres: ''É um fazendeiro!'' Realmente o forasteiro era bonito, chamava-se Nicolau. Gostou da cidade e foi ficando. Não demorou estavam as más línguas a dizer certas coisas que deveriam guardar para elas, só porque Ignez passou a usar batom vermelho, roupas apertadas e curtas, começou o falatório. O Sr. Antônio não dava a mínima, sabia que nada era verdade.
    Nicolau por sua vez, comentava pela rua, nos botequins: ''se o velho morrer eu caso com a dona Ignez e vamos ser felizes para sempre''. Ficava esperando a morte do outro e nada. O Sr. Antônio ficava a cada dia mais forte e saudável. ''Morrer? Eu? Nem pensar!'' Dizia ele. Nicolau não tinha namorada e não arrumava, já que deixara uma na terra dele. Vivia sua vidinha tranqüila, com suas roupas que faziam inveja de tão bonitas.
     Chegava o mês de Junho e com eles os preparativos para as festas de Santo Antônio e São João. Era contagiante a alegria de todos.
     Certo dia desse mês, Nicolau não apareceu. E mais outro e nada dele. Os vizinhos só avistavam o cavalo. Então, resolveram ir ao delegado da cidade para que as providências fossem tomadas. Quebraram a porta do quarto dele e o encontraram caído no chão, mortinho. A notícia se espalhou: ''Nicolau morreu do coração!'' Coitado, não teve ninguém para socorrê-lo nessa hora difícil. O Sr. Antônio soube do acontecimento e chamou Ignez para irem juntos tratar dos preparativos do enterro, dos comes e bebes.
     Coitado do rapaz, não teve ninguém para chorar. “Eu chamo comadre Josefa e comadre Maria – planejava o Sr. Antonio – enquanto uma chora e outra dorme. Tem que ter muita comida e bebida pra tanta gente. Eu contrato Severina para cozinhar, ela é das boas... e o carro de som, pois ele era jovem e bonito e precisa duma ‘animaçãozinha’: música de boiadeiro. O caixão vou mandar enfeitar. Vou mandar preparar os dois carneiros mais gordos para o povão poder passar a noite comendo e bebendo, aqui, acolá, um forrózinho, que quem quiser dançar, dança. Tudo pronto, a noite toda, pela manhã ninguém se agüenta em pé de tanta pinga.”
    O enterro de Nicolau estava marcado para as 10 horas. Na saída, o Sr. Antônio segurou a tampa do caixão e disse que ia sem tampa, afinal de contas, muito novo, bonito, para as moças verem. Todos começaram a chorar, Ignez teve uma vertigem, mas seguiram para o cemitério. Os coveiros se esqueceram que tinham ordem de cavar a cova, todos bêbados com suas ferramentas, pás, enxadas seguindo o cortejo ''carro de som''. Chegando ao Campo Santo, porta fechada. "Não tem importância", falou Seu Zezinho, o coveiro. "Em pouco tempo faço a cova, afinal, tenho experiência". O Sr. Antônio, com a tampa nas mãos, falou para um amigo: "Coitado, fiz tudo isso por ele ser um moço novo, bonito e sem família". Mas enquanto isso ficava pensando: "Acham que sou trouxa. Estou feliz. Agora vou viver com Ignez só pra mim. O infeliz morreu e tive gosto de enterrá-lo. Acabaram-se os seus sonhos de Ignez".
    Não demorou muito o Sr. Antônio adoeceu e morreu, ficando Ignez jovem e bem de vida.
Lidia Albuquerque
Enviado por Lidia Albuquerque em 15/04/2008
Reeditado em 28/11/2008
Código do texto: T946570
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