Texto do Livro: JALIZA - A Sacerdotisa de Amon-Rá

Jaliza chegou ao Egito, por ocasião da Festa do Nilo, quando o rio sagrado coalhava-se de pequenas e grandes embarcações engalanadas com flores e fitas coloridas e as ruas apinhavam-se de gente esperando o cortejo real que breve deveria passar para dar início às festividades.

Os acólitos do Faraó já distribuíam trigo, pão e vinho ao povo, como era comum àquela época durante as festas do Nilo.

Uma pequena caravana de ciganos acabara de chegar a Tebas e com seus apetrechos coloridos misturavam-se com a gente alegre que enchia as ruas naquela manhã.

Seus rostos, embora trigueiros, diferiam bastante do tipo egípcio, principalmente na cor dos olhos e na cabeleira ora acastanhada, ora negra, e algumas vezes alourados.

O interessante grupo cigano misturou-se à multidão para ver passar o Faraó e sua corte, quando os batedores reais já abriam caminho para o cortejo.

Numa rica liteira de ébano, ornada de ouro e plumas, sustentada por doze robustos escravos núbios, vinha comodamente sentado num trono dourado, o Faraó, cercado de portas-abano e acompanhado por sua real esposa e filho, e por diversos dignitários que vinham cada qual em sua liteira particular, acompanhados de suas famílias.

Neste cortejo encontravam-se, também, o Sumo sacerdote de Amon-Rá, que era o deus supremo venerado em Tebas; o Sumo Sacerdote de Hator, de Ptá, Hórus, Osíris e Ísis.

O cortejo seguia rumo à embarcação real, aportada no Nilo, entre aplausos e vivas do povo que atirava flores à passagem das liteiras.

Numa esquina, já próximo ao cais, uma linda cigana fitava com curiosidade o magnífico cortejo que se aproximava.

Seus olhos de um verde profundo destacavam-se naquele rosto amorenado, ornado por espessa cabeleira negra levemente ondulada, que he caía até à cintura, contrastando com a cor púrpura do seu vestido, cuja saia ampla, era salpicada de ramagens douradas.

Jaliza era de uma rara beleza, por onde passava os olhares se voltavam para contemplá-la, mas ela às vezes nem se dava conta.

Trazia naquela manhã uma rosa vermelha presa aos cabelos e quando o cortejo passava aclamado pela multidão, Jaliza, imitando o gesto do povo egípcio, retirou dos cabelos a rosa purpurina e atirou-a ao cortejo, sorrindo feliz.

Naquele momento passava a liteira do Sumo Sacerdote de Amon-Rá, o nobre Ahmés, e a rosa rubra caiu-lhe sobre a cabeça, ferindo-o levemente na testa, com os pequeninos espinhos do seu caule.

O jovem sacerdote levou a mão à testa, onde uma gota de sangue porejava e limpando-a, apanhou a rosa que caíra a seus pés.

Um grito de surpresa irrompeu da multidão e virando-se para ver quem o atingira, o Sumo Sacerdote de Amon-Rá pousou seu olhar sobre o rosto assustado de Jaliza, que sem saber o que fazer, quedara-se como uma estátua, a pequenina mão, ainda erguida, enquanto a multidão se agitava. E por um mágico instante seus olhos se encontraram e mergulharam profundamente uns nos outros.

O Sumo Sacerdote sentiu um frio glacial envolver seu corpo e seu coração, por um instante, bateu descompassado. Dominando, porém, a inusitada emoção, levou a rosa aos lábios e apanhou um lírio imaculado que enfeitava uma guirlanda amarrada à sua liteira e sorrindo atirou-o à cigana que estava como que petrificada pelo susto do incidente e por uma estranha sensação que lhe oprimia o peito ante o insondável olhar o sacerdote egípcio.

À vista deste gesto de benevolência a multidão se acalmou e o cortejo prosseguiu sem mais incidentes até as barcas ancoradas no Nilo.

Cada qual tomou o seu lugar de direito e o Faraó seguindo à frente em sua vistosa embarcação deu início às festividades.

O Sumo Sacerdote de Amom ocupava lugar de honra na embarcação do Faraó. Ia sentado entre duas interessantes personagens, uma era o Sumo Sacerdote de Ptá e a outra era Neferti, sua filha única, que não escondia o prazer que sentia em estar em tão agradável companhia.

Neferti era uma jovem de pouco mais de quinze anos, bonita, alegre e dona de uma personalidade forte e determinada.

Seu pai, o Sumo Sacerdote de Pthá, esperava casá-la com o garboso Sumo Sacerdote de Amom, jovem culto, de família nobre e abastada e com um brilhante futuro.

Fazia menos de um ano que o velho Sumo Sacerdote de Amom entregara seu Ká a Osíris e ele fora nomeado seu sucessor em pomposa cerimônia.

Já há este tempo, Neferti não tirava os olhos do rapaz, sempre que o encontrava em alguma festa ou reunião social, bem como em sua própria casa, que ele freqüentava assiduamente, muito embora não encorajasse nem mesmo um possível flerte.

Mas o velho sacerdote de Pthá estava resoluto quanto à possibilidade de torná-lo membro da família, uma vez que não havia nenhuma noiva a vista.

Havia mesmo chegado a consultar Neferti, que muito alegremente apoiara a escolha paterna e esperava ter oportunidade para falar ao Sumo Sacerdote de Amon, logo depois da cerimônia no Nilo, durante o banquete no palácio real.

Absorto em seus próprios pensamentos Ahmés não notou quando Neferti lhe perguntou coquete:

_ O que há nobre Ahmés, que te puseste tão taciturno de repente e nem pareces apreciar esta belíssima cerimônia?

Completamente absorto, Ahmés não ouviu, apenas sentiu que lhe tocavam o braço e voltou-se para Neferti, quase que num sobressalto.

_ Em que pensava assim tão distraidamente, nobre Ahmés, que se assustaste com um simples toque de meus dedos – inquiriu Neferti intrigada, pois Ahmés era sempre um rapaz tão alegre, tão atencioso e, agora, este descaso.

_ Oh! Nobre Neferti, queira desculpar-me, pois não percebi que me falava. Eu estava observando o desenrolar da festa tão distraidamente. Que falta a minha, queira perdoar-me.

_ Nobre Ahmés, nada tenho a perdoá-lo, apenas perguntava o que tens, hoje? Sente-se mal? Estás tão pálido!

_ Não é nada demais, apenas acordei um pouco indisposto, hoje, talvez tenha sido o assado que comi a noite passada que não me tenha feito bem. Mas isso passará logo – assegurou o jovem sorrindo.

Mas verdade era que Ahmés, realmente, não se sentia bem, uma sensação de vertigem o acometera, desde o momento do incidente da rosa rubra atirada por aquela criatura tão encantadora, que por algum motivo que ele não compreendia mexera com seus nervos.

Durante toda a cerimônia o Sumo Sacerdote de Amon-Rá refugiou-se num mutismo incompreensível, que desagradara profundamente à sensível Neferti, que via nele o seu futuro noivo.

Arádia Raymon
Enviado por Arádia Raymon em 17/10/2009
Código do texto: T1872194
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