A LENDA DO PESCADOR - POR HERMÍNIA MEDEIROS NETO

PREFACIO

Apresento aqui uma história um pouco estranha, porém muito interessante pelo seu delicado conteúdo e uma sensibilidade romântica.

História simples e comovente. Certo estamos de agradar aqueles que terão em mãos este pequeno conto que será lançado nas paginas a seguir.

E para que os nossos leitores tenham uma noção fornecemos no início um roteiro, um apanhado de ultima hora, esperando despertar o seu bom gosto no que diz respeito a essas preciosidades que jamais serão esquecidas.

Serviu de palco a um drama bastante comovente, deprimindo seriamente os corações daqueles que tiveram conhecimento de sua história – “CANOAS”- uma das pequenas praias situadas no litoral paranaense.

Várias ilhas com seus ricos panoramas encantam o litoral paranaense dentre elas a dos “PÁSSAROS” situada bem em frente à praia das Canoas, que vai ser um dos pontos onde desenrolam os acontecimentos.

Tudo começou quando um grupo de jovens acadêmicos da capital precisava de argumentos para desenvolver um conto literário.

Alzira, uma das alunas mais esforçadas da classe toma a liderança do trabalho e para tal resolve que ela e seus colegas deveriam passar dias na praia, onde teriam tempo de pensar e meditar sobre o que iriam escrever.

Para lá se dirigiram. Várias cenas ocorreram antes de iniciar o conto propriamente dito, inclusive o encontro com o pescador, personagem este que vem trazer os comentários que dão origem a esta estranha e fascinante história de amor.

RELATO E PORMENORES DE UMA VIAGEM MARAVILHOSA”

Com o dever de apresentar alguns trabalhos em literatura, este mês, fomos obrigados a procurar algo que facilitasse um pouco mais nossos objetivos.

Em consideração à situação financeira de alguns colegas e não para magoá-los, dividimos o grupo em duas turmas. Uma parte desempenharia suas funções na cidade ou então nos bairros. Os demais, com um numero limitado de companheiros, organizaram uma pequena excursão nas zonas mais próximas da capital, digamos o litoral.

Foi tudo bem elaborado, mesmo a escolha do lugar, o que foi recebido satisfatoriamente.

Com grande entusiasmo, entregamo-nos a este recreio de ultima hora, a fim de preparar-nos para realizar nossa tarefa.

Aproveitando a oportunidade que nos foi concedida, passamos a transmitir uma pequena mensagem em estilo de contos, o que para isso recorremos aos dados ou pesquisas por nós colhidos nessas paragens. Deveras emocionado com a viagem não podíamos deixar de citar alguns pormenores sobre esse passeio maravilhoso que, certamente, terá um lugarzinho no coração de cada um de nós, como prêmio aos nossos esforços.

Nesta rápida dissertação, faremos uma curta definição dos lugares por onde passamos e, também do local onde fomos encontrar argumentos para o nosso trabalho.

A rodovia BR 277 – trecho Curitiba - Paranaguá - e centro de grande destaque no âmago de cada turista privilegiado com o bom gosto.

Pois bem, o deixar a capital com destino ao litoral, foi deveras surpreendente para a turma. O carro na sua costumeira velocidade aproximou-se logo da espetacular Serra do Mar. Extasiados com aquele rico panorama que se apresentava diante de nós, fomos despertados para um mundo estranho, como também para as belezas do que é nosso.

Como sempre, a serra ali está fria e carrancuda, com serrações densas e contínuas, própria daqueles sítios. Bastante animados com o que víamos e ouvíamos do nisso motorista, valendo-nos também da sua calma que cuidadosamente corria pela rodovia, definindo os trechos mais importantes e ricos, defrontamo-nos com a antiga granja, hoje Escola de Cadetes da Policia, muito bem instalada e merecedora de grandes elogios.

Em seguida, começamos a descer a Serra, modificando tudo pela frente. Como era de se esperar, todos ali estavam numa impressionante expectativa e, porque não dizer, uma guerra de nervo sufocante. Curvas fantásticas contornando o despenhadeiro faziam gelar o sangue dos mais esforçados jovens.

Um pouco adiante um quadro encantador deslumbrou-nos. Uma cascata, com suas águas cristalinas, em forma de um véu de noiva, deslizando sobre as rochas, indo cair no leito embaixo, dando uma graça maior pela neblina que condensava no ar.

Em seguida, a potável água dos jesuítas, ponto bastante concorrido pelos viajantes, pois ali costumavam fazer seus lanches - os motoristas aproveitavam esses momentos para reparar seus carros, pondo em segurança a vida dos passageiros, pois a descida é bastante perigosa, com numerosas pontes sobre os rios e vales, inclusive uma bem no cimo da montanha, desafiando o mais pacifico dos mortais – o precipício no mais alto e perigoso trecho da rodovia.

Continuando o alegre roteiro, encontramos novos cenários, sendo esses ainda mais interessantes e significativos, mesmo de deixar saudades. Finalmente chegamos ao primeiro ponto de parada- Praia de Leste – onde o pessoal ali se movimentava alegremente.

Seguimos após um breve descanso, ao encontro da bela mascotezinha “CANOAS” – recanto recentemente explorado – mas que vem apresentando grandes progressos. Mesmo com as dificuldades a barrar-lhe os esforços, o lugarejo progride vertiginosamente, encorajando cada vez mais seu desenvolvimento.

II

CANTINHO ROMANTICO

Antes de chegarmos ao mencionado retiro, nossos olhares se cruzaram deslumbrados com o que se destacava à nossa frente. Lado a lado da estrada, os galhos floridos e perfumados provocaram em nós uma sensação diferente, um bem estar suave.

Numa elevação de pensamento, Eliza, uma das colegas, como que envolvida por aquele ambiente maravilhoso de paz embriagadora, transmitiu os seus pensamentos em voz alta.

_Felizes momentos esses em que podemos desfrutar da beleza deste lugar, vivendo horas em contato com a natureza. Essas pequenas coisas fazem-nos bem, ajudando-nos a refazer as energias perdidas nas longas noites insones pelo excesso de estudos.

Com as inspirações vindas desse sossego espiritual, era para esperar e confiar no sucesso do nosso trabalho.

Seguindo par frente, distância de uns cem metros da Praia de Leste, uma pequena placa indica a entrada para o lugarejo. Rústica pontezinha recebe numerosos veículos e também pedestres, que movimentan-se dia e noite, aparentando uma vivacidade infantil própria daquele clima.

Continuando a bela jornada, procuramos chegar à florescente prainha o mais breve possível. Entretanto pela ponte, uma ampla avenida corta os carrascais, levando-nos a um grupo de casas modernamente construídas, uma mais bela que a outra. Fizemos um ponto de parada num modesto restaurante, onde os viajantes recebem o acolhimento amável do seu proprietário. As pessoas que não os conhecem não imaginam o sossego e o bem que sentimos ali naquele cantinho querido.

Lembro-me ainda, quando de manhã, à hora que chegamos com tudo providenciado, consegui desprender-me dos meus companheiros e pus-me a andar por aqueles cantos, chegando até a pontezinha. Ali permaneci. O tempo não pode precisar, uma emoção profunda levou-me a uma longa meditação.

Contemplava o infinito, aquele véu maravilhoso das praias, esse mundo de ilusões completamente desprendido das coisas materiais, quando um gorjeio de aves trouxe-me a realidade.

Seus primeiros acordes pareciam alegres e confiantes, mas isso foi coisa de momento, logo transformou-se em desespero. O canto que era alegre passou agora em aflito queixume, como uma mãe angustiada à procura dos filhotes perdidos.

Fiz silêncio, esperando não incomodar a pobre avezinha. Cheia de curiosidade, procurei ver de onde vinha aquele gorjeio belo e triste ao mesmo tempo, mas fiquei decepcionada, pois nada consegui descobrir. A ponte no seu interior até ao fundo era coberta por um serrado matagal, dificultando mesmo a visão, por mais que tentasse localiza-la. A avezinha continuou no seu insistente chamado, mas quando percebeu a minha presença, voou para uma grande paineira, distanciando o mais que podia até desaparecer por completo, só ficando o eco nos meus ouvidos.

Despertando daquele transe é que fui notar o tempo que passara nesse desprendimento da vida. Coordenando minhas idéias, apressei-me a ir ao encontro dos meus companheiros, que já estavam preocupados com minha ausência, já andando à minha procura.

III

“CANÇÃO DO PESCADOR”

A turminha já preparada, todos altaneiros como um bando de gaivotas, largaram-se ao mar numa alegria contagiante, inclusive eu que paciente, esperava por esses momentos encantadores.

Vencendo as primeiras horas num folguedo demorado, já um pouco exausta, saí da água indo deitar-me numa esteira estendida na areia, procurando bronzear-me um pouco sob os raios solares castigantes da praia.

Tocada pela acariciante brisa do mar, fui transportada para o mundo dos sonhos, o que não podia deixar de acontecer depois de m bom exercício com as ondas. Nesse bem estar suave ali permaneci por alguns instantes, quando forte ruído de passos despertou-me, roubando - me a paz desejada.

Isto me deixou um pouco apalermada e confusa. Mesmo assim, consegui vislumbrar na penumbra do meu olhar sonolento, uma pessoa em pé na minha frente à mirar-se insistentemente como à procura de um rosto amigo.

Seu olhar humilde parecia implorar um pouco de atenção. Aquela atitude causou-me pena, razão pela qual passei a observá-lo melhor. Francamente, o desconhecido surpreende-me com suas palavras amáveis e ao mesmo tempo insistente:

_Qualquer coisa me diz que estou na presença de uma jovem bastante compreensiva e que , por certo, não irá decepcionar-me. Então, confiante, tomo a liberdade para implorar um momento de atenção a minha pessoa, para uma palestra amistosa, se a jovem assim o permitir.

Senti-me um pouco atrapalhada e ao mesmo tempo penalizada com a atitude humilde daquele homem. Começamos a conversar e logo parecíamos velhos amigos. Aos poucos minha curiosidade fez com que procurasse saber um pouco mais; ele como que adivinhando meus pensamentos, passou a narrar a sua vida de homem do mar e eu ouvia-o fascinada e passo a relatar aqui o que ouvi daquele estranho pescador.

Continuando, o ancião delicadamente cercou-me com estas palavras:

_Sei que fui descortês em admirá-la enquanto dormia, mas se assim procedi foi confiando nesse ar angélico, todo simpatia. Para que não fique preocupada com a minha pessoa, devo apresentar-me logo. Chamo-me José, “o velho marujo”, como sou conhecido nestes lugares. Hoje só vivo de recordações dos belos tempos que passei correndo mares, lutando com as ondas bravias neste velho amigo oceano, a quem dei parte de minha vida.

Com estas palavras o velho acomodou-se melhor , continuando em seguida a sua narrativa sem dar tempo a alguma interrupção, então prosseguiu:

_Ao encontrar alguém que sinta prazer em me ouvir, procuro distraí-los com minhas historias ou minhas recordações.

Quando aqui cheguei era um jovem vivendo exclusivamente de sonhos e aventuras. No meu barco, calmamente enfrentava os perigos. Corria os mares como se estivesse em terra. Nessas peregrinações que fui conhecer Tobias, um rapaz jovem e sagas, com seus vinte anos mais ou menos. Tobias como eu , também levava uma vida errante, sem pais e sem parentes a quem pudesse recorrer nas horas difíceis. Muito cedo enfrentou o mundo, talvez o que muito o ajudou a compreender e a enfrentar os reveses do destino e também as maldades dos homens.

Nossos dias eram cheios de obrigações e de vida. Tobias veio preencher a solidão em que eu vivia. Logo que nos conhecemos o acaso trouxe-nos par cá, onde construímos nosso ranchinho à beira da praia, tomando por companheiros os peixes e as feras nas matas, pois tudo isto era muito deserto naquele tempo. Nesse exílio, nossa choupana é que dava sinal de vida. Devo confessar que o silêncio ali era impressionante, sendo necessária muita coragem par enfrentar aquela solidão. Mesmo assim, considerava-nos muito felizes.

Com o tempo nossa amizade foi se estreitando cada vez mais, como de irmãos, pois era como nós tratávamos e sentíamos.

Agora sinto-me completamente só no mundo, uma vida solitária e sem sentido, à espera do barquinho do além tumulo, que breve me levará como fez ao meu amigo e irmão, o que espero não tardar muito.

Depois de uma pausa, com o seu olhar melancólico perdido no espaço, o velho lentamente virou-se para mim com meiguice e murmurou estas palavras:

_Não sei por que estou sempre a magoá-la, desde que a encontrei. Mais uma vez peço perdão por esse comportamento. Não devia molestá-la com meus queixumes; são coisas do passado que só a mim dizem respeito.

Contestei e ele murmurou:

_Para que não venha importuná-la ainda mais, convido-a a falar um pouco de si. Durante esse tempo, com minha tagarelice, só senti um bem notando em sua fisionomia uma serenidade que exprime confiança em si, digna mesmo do pedestal em que a coloquei.

Como eu nada dissesse, continuou:

Espero que esteja satisfeita aqui, pois os ares da nossa terra far-lhe-ão bem. Aqui nestas ondas e areias, poderá deixar um pouco do seu tédio ou cansaço, suavizando um pouco mais seu espírito.

Ouvindo sempre sem outra saída, confesso que a atitude daquele ancião preocupou-me muito, contudo suas palavras corretas e a insistência com que eram pronunciadas davam um quê para desconfiança. Mas minhas dúvidas foram logo dissipadas. Perante a análise demorada que fiz a seu respeito, compreendi então o erro do meu julgamento, passando agora a envergonhar-me de mim mesma. Aquele homem só transmitia bondade e simpatia, suas palavras eram simples e sinceras.

Podia mesmo ficar à vontade e agora, ali, sob a influência daquele desconhecido, curiosa esperava pelos resultados de sua narrativa. José, cerimoniosamente aproximou-se, vindo sentar-se junto de mim, acomodando-se mais no seu tapete de areia. Com uma característica toda sua, mostrando ser um verdadeiro e ótimo narrador de aventuras, cheio de entusiasmo, reiniciou sua palestra. E, como para estar bem seguro dos seus ricos capítulo, silenciou por alguns segundos, procurando lembrar os melhores trechos. Em seguida levantou a sua fonte, com aquele olhar humilde, de pronto fez-me esta pergunta:

Gostaria de ouvir algumas historias sobre o mar?

Certamente o leitor nem pode imaginar como me senti; prontamente respondi que sim, pois era o que eu mais desejava neste momento, lendas para o meu trabalho. Então José, satisfeito com esta demonstração de interesse, corajosamente deu inicio a sua desejada narrativa.

Disse ele então:

_Primeiro quero preveni-la de que a história que vai ouvir hoje é simples no seu desenrolar, mas verídica nos fatos. Vem de um acontecimento bastante deprimente e misterioso, que muito impressionaram aqueles que dela tomara parte e por ser assim tão emotiva, coube num cantinho do mundo das lendas e aventuras.

_Chegamos aqui, eu e Tobias, no tempo forte da pesca. Isto que vê hoje em construção, naquele tempo era mata cerrada, sertão bruto, tendo como refugio nosso ranchinho, onde os pescadores ou caçadores podiam abrigar-se quando perdido, vagavam por estes lados. Fomos levando nossa pescaria com êxito, enquanto o destino não lembrou de fazer de nós suas vítimas. Não tínhamos concorrentes, o produto da pesca era logo levado ao mercado nas cidades mais próximas. O lucro dividíamos, dando para divertirmo-nos à vontade, não esquecendo de fornecer nosso ranchinho, e para isso tínhamos sempre nossa reserva, o que era mais importante. Passávamos o tempo sempre cheios de preocupações e eufismos. Essa alegria inexplicável a reinar dentro de nós, dava-nos vida e também ao nosso ranchinho. Nossa felicidade era completa. Nos momentos de folga, íamos para frente da choupana e ali deitados numa esteira estendida no chão, ficávamos horas fazendo planos para o futuro, muitas vezes treinando em castelos de areia, como sempre terminam os sonhos. Com isso, preenchíamos o tempo até sermos surpreendidos com os primeiros rumores da noite.

Durante aquele devaneio, nossos olhares iam parar em direção àquela ilha em frente, pois ali estava ela sombria e triste. E sabe por quê? Assim como nosso personagem de hoje, Tobias, outros aventureiros também no passado desafiaram a natureza, lá encontrando seu fim tragicamente causado pela sua teimosia. Eu fui testemunha deste fato estranho e comovente que muito abalou, transtornando minha vida para sempre...

Ao pronunciar estas palavras, o velho mostrou-se melancólico e fraco, seus olhos marejaram-se de lagrimas e sua voz, embargada pelos soluços, fez com que interrompesse por momentos a narrativa, mas logo voltou a falar:

Com meu companheiro, vivíamos na melhor harmonia, em alto mar nosso enlevo era a pesca. Só uma coisa nos preocupava muito, o porquê de não poder aproximar-nos daquela ilha; quantos lucros teríamos do outro lado do mar, eram estas as reclamações diárias de Tobias. Mas como a renda do nosso campo era suficiente, até mesmo para nossas extravagâncias, não íamos trocar nosso bem estar e nossa felicidade por algumas migalhas de peixe.

. Assim, ia levando a vida na esportiva, o mesmo não acontecendo com Tobias, que estava sempre na sua teimosia, não deixando de alimentar idéias vãs e insensatas que mais tarde viriam lhe trazer sérios aborrecimentos. Sua esperança era chegar lá mesmo que tivesse que enfrentar perigos de vida, mas para isso teria que lutar muito. A Ilha dos Pássaros, como é conhecida, era deserta e continua até hoje, não deixando de provocar a curiosidade dos aventureiros. Os pescadores, quando em sua rotina por aqueles cantos sombrios e ameaçadores, muitas vezes foram surpreendidos por estranhos fenômenos na direção da ilha e do seu barco muito lutaram para se verem longe daquele quadro macabros, salvando-se por milagre. Contavam eles que em alta noite, logo ao amanhecer, como uma miragem, seus olhos estarrecidos acompanhavam os movimentos de luzes vagando no espaço de um lado a outro e em outras vezes, uma bola de tamanho regular espalhando fagulhas, movimentando-se em circulo e indo cair por trás das árvores. Outros ouviram um coro com as mais belas vozes deixando apalermados, sem mesmo conseguirem fazer seu trabalho ou movere-se do lugar; chegaram mesmo a avistar ao longe lindas jovens apoiando-se em pedras. Conta-se também que os infelizes mortais que, ouvindo ou presenciando tais fatos, não podiam distanciar-se desse lugar, embevecidos com a simplicidade e beleza desses seres estranhos, pouco se importando em dar suas vidas facilmente. Mesmo ouvindo tais ciosas de pescadores que não conseguiram escapar de tão grandes perigos, eu e Tobias não nos conformávamos e duvidávamos das supostas lendas. Achávamos desagradável ouvir essas historias fantásticas. Víamos nisso tudo uma grande fantasia.

Então em alto mar e já com nossa féria segura, ali mesmo rendíamos graças aos Céus pela sua ajuda, retornando para casa com nosso braço cheio de peixes. Embalados pelas ondas, eufóricos como dois rouxinóis, nossas vozes em sentida melodia elevaram-se no espaço misturadas com os queixumes das ondas, indo ferir aqueles corações apaixonados.

Nossa vida caminhava toda sorridente, cheia de atrativos, não esperávamos que um dia um de nós pudesse cair nas malhas de um destino incerto. Parecia que nossas sentidas canções eram apreciadas e recebidas com certa admiração por estranhos seres naquela região; pois estes não tardariam a envolver Tobias nas suas tramas transtornando-o por completo até tornar-se um boneco. Foi o seguinte: um dia não me sentindo disposto para largar-me ao mar, como às vezes me acontecia, combinei com Tobias em ficar fazendo os arranjos do nosso ranchinho enquanto ele ia para a pesca, pois só eu tinha jeito para os serviços caseiros. Nem bem o rapaz saiu, arrependi-me por deixá-lo partir sozinho, sabendo mesmo que ele andava curioso por desvendar os mistérios da “ilha”. Antes, porém, de partir, chegou-se a mim com umas palmadinhas em minhas costas assim falou:

_Não sei porque acho a pesca muito divertida, mas como você não está disposto a acompanhar-me, paciência, tenho que conformar-me. Vou para este volumoso oceano enfrentar suas ameaças. Vou aventurar por aí.

_Reze por mim, amigo.

E lá seguia ele no seu barquinho cortando os mares. Fiquei olhando até desaparecer. Sentia um pressentimento estranho, mas procurei acalmar-me aguardando os resultados. Entrei, fui logo pondo em ordem o rancho e preocupado como estava com minha tarefa, esqueci os maus pensamentos e nem vi as horas passarem. À tardinha, Tobias estava de volta. Seu rosto acusava qualquer coisa grave, estava quieto e parecia até emudecido. Desci até a praia, procurando dar uma olhada no barco; dava para contar os peixes que trouxera. O rapaz estava tão apalermado que nem procurou descarregar o que havia trazido o que fiz já bastante preocupado.

Tão logo desceu do barco, sentou-se no barquinho em frente ao rancho e , como uma estátua, os olhos muito arregalados, mirava a “ilha”. Cheguei até ele, com insistência perguntei a razão daquela transformação e, desanimado, vi que meus rogos ficaram sem resposta. A noite chegou e nós ali, na mais estranha perturbação.

No dia seguinte, sem dar lado para qualquer pergunta, estava pronto para largar-se ao mar; via-se que ocultava qualquer coisa. Nessas alturas, arrisquei-me a tirar dele uma confissão; tive de contentar-me com esta simples resposta:

_Deixa-me no meu fado, José. Vou sair, logo estarei de volta. Os mistérios que me cercam são muitos e bastantes estranhos para que compreendas.

E assim dizendo, seguiu seu destino. Preocupado como estava, fiquei a pensar. Se Tobias tivesse se desligado da pesca, o que seria de nós. Na sua volta procurei enfrenta-lo novamente.

_Tobias, o que vamos fazer com nossos fregueses do mercado? Ontem nada fornecemos hoje à mesma coisa. Como sabes amigo temos grandes compromissos, motivo este que me põe em grande preocupação. Espero de você uma explicação razoável. Está tão mudado que não parece a mesma pessoa. O que te preocupa?...

Tobias sem dar atenção, como se nada tivesse ouvido, pegou o material de pesca, como um sonâmbulo saiu. Felizmente para o meu sossego, ele retornou mais cedo. Acomodou-se no banquinho, de costume e pediu-me que sentasse ao seu lado, pois tínhamos muito que conversar. Estava alegre, mas notava em tudo uma farsa. Ali sentados, a curiosidade me obcecava, ansioso, esperando os minutos para uma explicação. Disse-me então:

José vou dar-te uma notícia bastante desagradável. Sei que vai ficar surpreso cm as novidades. Aproveito esses momentos para te pedir perdão, em nome de nossa amizade. O que mais venero nesta vida.

Fazendo uma pequena pausa como que pensando bem nas palavras, continuou:

_Lembras daquele dia quando peguei o barco e, sozinho fui enfrentar as ondas revoltas, procurando desenvolver a nossa tarefa de pesca? Pois bem, com um gesto pouco cortês tentava disfarçar minha preocupação, o que não vinha mesmo esconder meus temores. Uma pessoa, vendo-se sozinho num barco, cortando os mares, fica completamente desconcertada, ainda mais estando com a cabeça cheia de crendices as mais temerosas. Isso faz de um valente um simples cordeirinho. Justamente isto me aconteceu. Peço agora que me ouça com alma, para que poças fazer um analise com exatidão, evitando assim condenar-me injustamente. Quando sai em alto-mar, justamente naquela área fronteando a “ilha” um forte vendaval levou-me até perto de sua margem. Parecia que mãos invisíveis comboiavam o barco; nem bem este parou, cessaram os ventos. Mesmo sem sair do barco, muito assustado ainda, passei a olhar a “ilha” e pude ver o que estava próximo a praia. Visível como estava, pude avistar na rocha um explanado, tipo salãozinhocom pedras distribuídas em circulo como que formando banquinhos, salientando-se no meio uma, em ponto maior. Ali permaneci estarrecido, um misto de espanto e pavor tomou conta do meu ser, impossibilitando mesmo de coordenar minhas idéias. Nessa confusão, ainda assim esforçava-me para desvendar aquele mistério. Para aumentai meu espanto, as pedras estavam todas ocupadas com lindas jovens que, preocupadas, davam a entender, esperavam por alguém. O que mais me prendeu a atenção foi seu formato de corpo, deveras impressionante, duvido que as pessoas resistam sem alarmar-se, até mesmo você José. Estas sereias, assim dizendo por que traziam lindas formas e beleza até a cintura, sendo para baixo calda de peixe. Em seguida, os movimentos das moças despertavam a minha atenção para o pico da serra, num segundo explanado. Como que saindo das nuvens um pontinho branco despertou minha atenção, aos poucos, este pontinho branco se tornou mais visível e vi então ser uma linda jovem, em pé, bem no alto, onde iniciou um bailado ao mesmo tempo em que entoava uma canção melodiosa. Com seus movimentos, sempre rodopiando, levantava sua echarpe branca com muita graça e mistério, o que fazia emudecer qualquer mortal. Quanto mais dançava, mais sua voz perdia-se no espaço. Logo começou a descer sem perturbar seus movimentos, até chegar junto as suas companheiras, tomando lugar na pedra do centro. à seguir, um coro de vozes as mais fascinantes tomou conta do ambiente. Enquanto estas cantavam, a do meio dançava, evoluindo sua echarpe num ritmo estranho, como se fosse um encantamento.

IV

“DESPEDIDA FATAL”

Mais uma vez peço que me perdoes o desabafo, contando-lhe estas coisas. Sei que não acreditas, mas é a pura verdade, nunca poderia mentir para você, José. Eu fiquei ali estático, por quanto tempo, não sei, não podia me desprender daquilo que via. A moça do centro continuando com suas evoluções, com sua echarpe rodopiando, foi subindo o morro, sem que isso atrapalhasse sua canção, que cada vez mais tornava-se encantadora. Chegando ao alto de onde viera, fez ainda algumas evoluções com sua mantilha e em seguida, com um gracioso adeus, desapareceu naquele mistério, bem como suas companheiras. O desespero venceu-me, meu desejo era ficar ali para sempre, o que vou fazer mesmo.

Lembrando ser responsável pelo barco, pois tinha de entregá-lo a você e ao mesmo tempo te fazer ciente dos acontecimentos que me levam a essa loucura, José, meu querido amigo, desculpe minha franqueza, já não sou dono de mim, não poderei mais viver longe. Amarrou-me de tal forma que é impossível separar-me. Vou arrumar meus pertences, pois não poderei levar grande coisa, a não ser um pouco de alimento para passar algum tempo até ver o que resultara disso tudo. José, pela grande amizade que nos une peço-te que me leves amanhã de madrugada, no lugar indicado onde iremos fazer nossas despedidas, deixando-me entregue ao meu destino, bom ou mau, mas que foi escolhido por mim.

Como era de se esperar Tobias aparentava uma certa indiferença ao meu sofrimento, procurando ocultar seu nervosismo nos arranjos do barco, porem dava para notar a sua grande preocupação. Com uma animação forçada, executava seus planos e estava completamente consciente e firme no seus propósitos. Calmamente disse-me:

_vamos agora preparar a viagem e também cuidar dos víveres de que vou precisar, o que me garantirá os primeiros dias no meu auxílio. Provavelmente será minha ultima aventura como também o meu ultimo adeus.

Eu ouvia-o em silencio, tudo parecia um pesadelo. Enfim sentindo-me revoltado, pensei em protestar contra essas banalidades, talvez ainda conseguisse faze-lo mudar de idéia desistindo do monstruoso plano, mas grande foi a minha decepção. Conhecendo bem o temperamento de meu companheiro, nada favorável podia esperar. E, para que eu não sofresse algum recalque em minha consciência, mesmo sofrendo horrivelmente, pus-me a seu lado, ajudando-o. Só assim podia suavizar nossa despedida. Atarefado, esforçava-me por esconder meu abatimento que seria uma viagem fatal. Passamos o dia nessa preocupação angustiante até chegar a hora final.

No dia seguinte, uma bela manhã ensolarada, nosso barquinho nas verdes águas do oceano, levara para o exílio. Tobias, uma alma simples e boa a quem eu dedicava todo meu afeto de irmão e amigo. Contando as horas que ainda tínhamos em nosso favor naquele trajeto, veio-me uma vaga esperança em fazer com que meu amigo desistisse de tão absurda empresa, mas a desilusão chegou junto. Só a morte para mudar o s planos do desventurado homem. Era fato já consumado. Mais uma vez considerei-me derrotado nos meus intentos, então emudeci nada mais podia fazer em favor do meu amigo, exeto pedir aos céus para protegê-lo. O que mais me atormentava era ver o desespero em que se encontrava o rapaz, para chegar o mais depressa possível. Logo que conseguimos vencer tão dura travessia, bem no ponto onde vira pela primeira vez, a moça, Tobias fez parar o barco. Minha admiração não tinha limites. Na minha frente abriu-se um horizonte estranho bem como fora dito por Tobias. Via-se perfeitamente o rochedo bem como os bancos de pedras ali distribuídos, o que dava a impressão de um salão em miniatura, formado pela natureza. O gracioso recanto parecia esperar por alguém, e esse alguém não era mais do que meu amigo infortunado e infeliz. No mesmo instante a voz tremula do rapaz tirou-me do transe, para a realidade: eu já não consegui esconder mais nada. Disse-me ele então:

_Aqui vamos nos separar como bons amigos que sempre fomos. Não esqueça de rezar por este fraco sonhador, que por muito amar vai penitenciar-se ou quem sabe mesmo desaparecer do mundo dos vivos. Só o destino ou o tempo responderá.

E chegando-se a mim abraçou-me demoradamente. Nesse instante os cuidados para manter-se indiferente à penosa situação fracassaram, Tobias dava expansão aos soluços. Ali estavam dois homens que não eram mais que duas crianças entregues ao desespero numa difícil despedida. Permanecemos assim por alguns momentos. Finalmente Tobias com um movimento brusco soltou-se dos meus braços e antes que viesse arrepender-se apressadamente preparou seus pertences colocando-os ao pescoço. Com um braço forte despediu-se com estas palavras:

Adeus José, meu irmão querido, não se esqueça de rezar por este fraco amigo que vais em busca de sonhos e ilusões, porém creia-me que não é sem dor ou mágoa. Mas antes quero dar-lhe um conselho: Tenhas muito cuidado se chegares a amar. O amor é mais forte que os tentáculos de um polvo. Nunca te deixes prender como me aconteceu, pois é a ele que devemos os tristes reveses de nossa separação. Um dia também tu amarás e então verás o quanto este sentimento transforma nossas vidas, só assim me darás razão e também perdão.

No mesmo instante, como um relâmpago sem olhar para traz jogou-se ao mar. Fiquei ali petrificado, sem movimento algum, sem mesmo conseguir raciocinar ou coordenar as idéias, tal torpor que se apossou de mim. Finalmente depois de passar os primeiros momentos mais difíceis fui voltando à realidade e pensando como veio acontecer tão incrível fato em tão pouco tempo. Revoltado não consegui aceitar os acontecimentos, arrasado até a alma, desanimei, mas com um supremo esforço consegui por em ordem o pouco que ainda restava em meu cérebro de toda aquela tragédia. Em seguida voltei a olhar pela última vez o mar, esse monstro arrebatador de almas queridas. Não conseguindo mais deter as lágrimas que desciam em jorro, lembrando que ia deixar meu amigo e companheiro entregue a um destino incerto e perigoso. Estava neste dilema quando um quadro verdadeiramente surpreendente revelou-se aos meus olhos tirando-me daquela apatia.

Já do outro lado da praia Tobias era conduzido por um grupo estranho, moças e sereias; seguia como um insetozinho amarrado nas fortes teias de aranha. Humildemente entregara-se a um mundo estranho, mesmo sabendo que ia desaparecer para sempre. A atração como os poderes mágicos da sereia fizeram com que o rapaz não viesse oferecer resistência, deixava-se levar como um patinho. A sereia com sua echarpe branca a rodopiar como uma borboleta de flor em flor ao lado de suas companheiras conduziram-no até desaparecer por traz das grandes pedras.

Aniquilado, sem saber o que fazer, ainda consegui avistar lá no alto do penhasco, a referida moça fazendo sinais cabalísticos com sua echarpe branca até desaparecer dos meus olhos. Mais um grande acontecimento veio tirar-me da grande apatia que me encontrava; uma grande onda chegou até o barco levando-me para alto-mar onde retirou-me um pouco dos inesperados e surpreendentes fatos que me deixaram atrapalhado. Com grande pesar meus olhos ainda uma vez mais buscaram a ilha para um derradeiro adeus. Em seguida tomei os remos e pus-me a caminho de casa. De chegada entrei num estado nostálgico, prostando-me vários dias. Logo que me senti mais disposto compreendi que nada mais me prendia ali. Senti desejo de ir para bem longe onde não tivesse nenhuma recordação do passado. Embora com todos esses cuidados ainda custei muito para voltar ao meu normal, alegre e disposto. De uma coisa estou certo, nunca mais pude esquecer do meu pobre amigo.

V

“ATÉ AS PEDRAS SE ENCONTRAM”...

Os tempos passaram lentos e castigantes. Agora com meus cabelos grisalhos, senti o desejo de rever a terrinha querida. Lá chegando dei umas voltinhas pelo povoado admirado pelo progresso que fizera o lugarejo. Entrei no pequeno barzinho, enquanto tomava uns tragos, procurando descansar os pés doloridos pelo muito que andara.

Deves conhecer aqueles dizeres “até as pedras se encontram”, mas era justamente o que eu não queria que viesse acontecer, reviver um passado morto que muito me custou a esquecer. Não fui ao encontro do personagem dessa historia, bem entendido, todavia as novidades surpreendentes é que chegaram até mim abrindo as feridas já cicatrizadas, fazendo-me sofrer. Ali sentado, numa mesinha de bar, admirava a mudança, o progresso de uma parcela de anos, quando chegou até onde eu estava um senhor idoso assim como eu, pediu-me licença para me fazer companhia. Este se apresentou logo como um velho pescador já aposentado, antigo morador destes recantos. Como um colega logo entramos em conversações amistosas, relembrando os bons tempos. Na sua admirável companhia e conversa agradável não era se desprezar tão preciosos momentos. Ali passamos um bocado de tempo numa calma adorável relembrando um passado sorridente em tempos de nós jovens dando mesmo para esquecer onde estávamos. Em seguida para ficarmos mais à vontade fomos nos sentar nas mesinhas ali fora, em frente ao mar. Reforçamos nosso lanche ficando agora despreocupados. Assim acomodados continuamos nossa palestra interrompida e agora mais animada. O pescador que ficara bem em frente ao mar com o olhar fixo em direção a ilha comentou tristemente:

_Quando meus olhos pousam naqueles sítios, sinto uma nostalgia profunda, transtornando-me a alma, tal a dor que sinto no peito. Um passado que trás recordações bem dolorosas. Veja que estranhas minha linguagem mas quando fores senhor dos fatos vais me dar razão, o que será breve, porque neste instante faço-te meu confidente, expondo uma parte do segredo que guardo há anos. Trata-se daquela ilha, sempre que me refiro a ela sinto o coração apertar-me o peito, lembrando a fictícia e mísera gruta que abrigou um homem esquelético, mais parecido com um fantasma, pelo estado deplorável a que ficou reduzido. Quando o encontrei mal pronunciava uma palavra. Ainda hoje quando me lembro apavoro-me penalizado.

A segurança com que eram ditas essas palavras por ele despertou-me a curiosidade. Nossa palestra já estava tomando rumos muito delicados provocando-me sentimentos estranhos, o que ocultei até aqueles momentos. O bom homem silenciou um instante, logo me surpreendendo com estas palavras:

_O colega por acaso crê em bruxarias?

Surpreso respondi-lhe que sim, pois não havia razão para duvidar.

_Pois então vai ouvir uma das histórias ou lendas mais impressionantes que se pode imaginar, como também difícil de acreditar. Passo as vezes por louco ou mentiroso, no entanto nada disso me afeta: apenas sou brincalhão, conservo minha conduta sempre exemplar.Vamos aos acontecimentos. Um dia navegando em alto mar, meu barquinho cortava as águas garbosamente, não sei como e porque razão foi levado para perto da ilha, em seguida beirando-se da encosta da praia. Assustado com o que estava acontecendo parei no primeiro ponto que se apresentou, procurando cotrolar-me como também por a idéia no lugar.Com muita diplomacia e jeitinho, consegui entrar por uma abertura ali no rochedo cavado pelas fortes ondas. Ancorei o barco e, cautelosamente, me pus a andar percorrendo aqueles lugares impressionantes, sofrendo os mais sérios calafrios. Naquele estado bastante apreensivo ia enfrentando o medo e também o desconhecido. Mesmo caindo e levantando nas perigosas ribanceiras, ainda consegui sair num recanto encantador, oculto por trás das rochas, livre da curiosidade humana. Destacou-se ali uma encantadora laje, com bancos de pedras graciosamente distribuídos nos quatro cantos da mesma, notando-se uma de tamanho regular bem no centro. A natureza com seus prodígios conseguiram modelar tão delicadamente, parecendo mesmo um salãozinho de recepções em miniatura. Ouve-se dizer por ai que os homens são muito curiosos, andam sempre em busca de mistérios. Ainda que prevendo o perigo, fui entrando voluntariamente, a curiosidade acabara de me vencer, levantando-me como um patinho a menor resistência.

O velho fez uma pausa como que para se refazer e voltando logo ao assunto:

_Continuei a andar e sempre encontrando as piores dificuldades, aqueles terrões secos e os pedregulhos espalhados por toda área, terreno cheio de elevação, o que fez com que, em dados momentos perdesse o equilíbrio e por pouco quase me estendendo no chão: mas nem isso fez com que eu desanimasse. Vagarosamente consegui vencer os momentos difíceis. Com todo cuidado procurava não esquecer de marcar o lugar por onde passava. No começo da jornada não me sentia muito seguro; com os nervos bastante tensos, mas com a firme imposição logo fui me acostumando com o aspecto do lugar, sentindo-me agora mais a vontade. O silencio ali era aterador, dando margem a pensamentos horríveis, fazendo reviver na imaginação as histórias mais fantásticas por nós já conhecidas. Sempre alerta e cautelosamente continuei investigando o lugar. Já cansado de andar naquele exercício bruto e não encontrando mais nada interessante, resolvi voltar. Chegando perto de tal laje, qualquer coisa me chamou a atenção para um canto da mesa. Atrás de uma das pedras escondia uma escadinha na rocha, com aceso ao cume da ilha, o que denunciava um dia ter sido utilizada na locomoção de pessoas daquele lugar. Comecei então a raciocinar como podia ser se o lugar não era habitável e por que razão encontrava-se ali vestígio de transporte de pessoas, aquela escadinha era um mistério. Resolvi subir e ver mais alguma coisa. À medida que subia em certos lugares o terrão, já decomposto:, quebrava-se aos meus pés com o meu peso rolando em seguida quase levando-me também, mas firme continuei até chegar numa área curta e plana, descortinando o mar . No fundo dessa área, um pouco retirado do abismo, divisei muma estrada de grande rocha. Parecia ser uma grutazinha. Fiz mais de mil planos, procurei incentivar-me fazendo-me forte e segui para lá. Mas quando já estava há alguns passos do misterioso lugar, minhas pernas tremeram, convidando-me a voltar. Não sabia o que ia encontrar ao dar meia volta para sair dali. Um movimento estranho acompahado de sons grutais chamou-se a atenção. Uma voz mais parecida com som de chiados de animais chegou aos meus ouvidos como a pedir socorro, fazendo gelar-me até a alma. Mas com a curiosidade que nos é natural, mesmo com as pernas bambas, cabelo em pé, todo tremulo, reuni o pouco de energia que me restava , preparei para enfrentar o desconhecido. Ai então é que foi maior. Num cantinho daquele fosso imundo, sons quase ilegíveis atraiu minha atenção. Mesmo surpreso, ainda pude desvendar um vulto em forma humana, só se via ossos: este, prestes a ser envolto no manto da morte. Numa tarimba já cercada por touceiras de mato, jazia numa frieza sepulcral um espectro que um dia também fora um homem forte. Naquele estado todo deformado e irreconhecível, só notando estar vivo porque ainda respirava, dando-lhe alento para comunicar-se. Minha situação era das piores, só com grande esforço é que consegui abeirar-me do ninho imundo, onde pousava o infeliz homem que aflito, esperava um gesto amigo. Ali, um penitente pagava bem caro o preço da juventude inexperiente, deixando-se levar por fantasia ou sonho. Aquele ser irreconhecível num esforço sobre humano, fazia-me sinais com a cabeça. Prontamente o atendi. Ouvindo seus cochichos entrecortados, dando inicio a uma estranha e comovente história.

Eu acabrunhado com aquele quadro dantesco, senti-me sem ação, mas logo tornei-me forte com forças para enfrentar e dar assistência àquela pobre criatura. Aquele ambiente não deixava de ser apavorante, mas o sentimento humano era mais forte, razão pela qual consegui encarar a situação sem alarmar-me.

A referida criatura querendo externar sua gratidão, transmitia pelo olhar sua felicidade e isso não sem dificuldades causadas por suas deformações. A minha presença ali despertou um pouco mais aquele ser semimorto, tirando-o do sono letárgico em que vivia há muito tempo: sua voz agora era mais legível , porem sem nenhuma esperança de sobreviver, estava com as horas contadas. Com aqueles cochicho , num esforço extremo, pronunciou estas palavras:

-Hoje estou muito feliz, pois acabo de receber a graça que há muito tempo venho esperando. Sei que estou as portas da morte e espero não tardar muito. É chegado meu fim e como o destino me proporcionou horas tão felizes, devo aproveitar agora mais esta oportunidade para uma rápida confissão; já que estou aos cuidados de uma pessoa cristã, pois foi justamente o que notei desde sua chegada aqui, espero sua atenção para este pobre moribundo que já não pertence a este mundo há muito tempo. Primeiramente quero confiar-te um objeto que guardo há anos. Peço que entregues a um amigo que deixei lá fora, caso o encontres em seu caminho. Chama-se José, o marujo, como era conhecido. Prontamente afirmei que sim, pois o pedido de um enfermo é uma ordem. Disse-me ele então:

_Mostras que possui uma alma boa, devolve-me a paz. Agora vou entrar nos pormenores de minha história, pedindo aos céus que me conceda uns minutinhos de vida para que eu possa deixar bem claro minha identidade. Chamo-me Tobias. Quando aqui cheguei isso já há alguns anos passados, fui recebido festivamente por um grupo de moças, destacando-se uma a quem dediquei meu amor. Estas criaturas tudo fizeram para me ver feliz, procuraram a todo custo preencher o vazio de minha alma com seus carinhos. Logo depois dos festejos em minha homenagem, a moça que dominou meu coração, chamou-me de lado e severamente deu-me suas instruções:

_Tobias, agora tu vais morar nesta ilha. Poderás andar por toda a praia, nada te faltará. À noite, logo que estiver na hora do meu descanso, virei fazer-te companhia. Só vou pedir-te algo e obrigo-o a prometer-me: Por nada subas até o cume do morro, mesmo que seja grande a curiosidade. Domina-te e não desobedeça. Ninguém a não ser minhas amigas deverão saber que vives aqui. Isso sob pena ou respeito ao nosso amor, pois este, sem dúvida alguma fracassará, se fizeres o contrário.

Meu amo e senhor é muito mau, não nos perdoará caso venha descobrir-te aqui. Ele não consente ninguém em suas propriedades. Já pensou se ele encontrasse aqui algum mortal? Esses lugares são para os empregados, portanto ele não chegará a ti, se cumprires legalmente o que prometeu.

No começo não foi fácil. A curiosidade devorava-me, enchendo-me de tédio. Com o tempo já recebia com mais paciência o meu exílio, melhorando meus métodos de vida, sempre familiarizando com o ambiente e também com aqueles seres com que passei a conviver. Porem, tudo isso, era ilusão; não podia mesmo iludir-me, a vida desses seres era tão diferente da nossa. Porem com tudo isso, logo começou a aparecer novos problemas, o que continuou devido a vida desocupada que eu levava; as conseqüências foram se tornando mais sérias, inverso à minha personalidade. Foi então que eu comecei a sentir que o desespero ia tomando conta de mim; aquele estranho ambiente contribuía muito para isso. A moça que eu amava e suas companheiras eram de uma frieza mortal, nada comparada as nossas terrenas. Nós mortais, trazemos o calor no sangue, o que não acontece no mundo aquático. Só então é que consegui analisar o passo errado que dera e, sem nenhuma esperança favorável, Tinha que conformar-me e aceitar o que estava reservado. A minha falta com o mundo era imperdoável. Pois bem, aqueles dias mais lindos em que o sol, com seus raios luminosos, todo regateiro castigava a praia, nos convidava a um passeio ligeiro por aqueles sítios. A curiosidade fez com que eu cometesse mais uma falta imperdoável e esta condenou-me para sempre.

Impaciente com a demora daquela a quem entregara o meu coração, saí a andar, pois desde o dia anterior não a via. Cheio de ciúmes, talvez, resolvi desrespeitar suas ordens e também faltar à minha promessa, ao meu juramento. Um pouco indeciso com a falta grave que ia cometer, senti-me envergonhado, porém não conseguindo sufocar por mais tempo o ciúme que devorava, queimando-me a alma. Apreensivo, mas desesperado. Comecei minha condenação. Dei os primeiros passos na escadinha proibida, não sem sentir um tremor, mas logo fiquei à vontade. Então, vagarosamente, fui pisando degrau por degrau, por fim sentindo prazer nisso. Cada passo que eu dava, um tremor nervoso corria pelo meu corpo, grandes surpresas deixaram-me em suspense. Colunas de árvores numa suposta avenida chegava ao portão de uma grande mansão, bem no alto do morro. Não podes imaginar o que vi dentro daquele cercado. Um soberbo e magestoso palácio dominavam aquelas serranas pela sua beleza, côo também a grandeza do mesmo. Formoso jardim, com grandes repuxos e outras novidades a mais ostentavam aquele quadro pitoresco. Naquele enlevo espetacular, fui despertado por um grupo de crianças ricamente vestidas que saiam da grande mansão, numa alegria toda infantil, imitando um bando de papagaios, dispersaram para o parque a procura de vários brinquedos. Vinham acompanhadas de muitas moças, de rara beleza e muito bem trajadas. O que mais me surpreendeu foi encontrar entre estas a minha sereia querida, justamente ela que comandava aquele grupo. Essas crianças corriam pelo jardim numa expansão tão comum aos garotinhos. Um fato muito interessante ocorreu ali, deixando-me seriamente pensativo, a ponto de me esquecer onde me encontrava inclusive as recomendações daquela que mais adorava. Sem desconfiar que fossem observadas por mim, essas crianças a poucos passos do meu pasto, plantaram umas sementes, tendo o cuidado de ficar juntinho as covas. No mesmo instante, viçosos brotos vieram à tona, dando a forma de uma frondosa árvore, seus galhos vigorosos que subiam vertiginosamente, levou-os para o ar, balançando-as com meiguice. Como todas as crianças logo fartaran-se com os belos e esquisitos brinquedos, sendo postas ao chão pela mesma que desapareceu em seguida. Os pimpolhos saíram em busca de outras novidades q os agradassem. Passados alguns instantes, apareceu uma senhora muito encantadora, ricamente vestida, chamando pelas crianças.

]_Venham minhas filhas, teu pai vai ausentar-se e quer despedir-se de vocês.

No mesmo instante levou-as para o castelo. Um silencio mortal reinou em torno de mim, bem omo em toda mansão. Essa transformação gelou-me. Nesse instante a minha mente despertou para as recordações da sereia. Diante da minha leviandade e faltando a um grande compromisso selado com juramento, podia contar com as conseqüências fatais. No mesmo instante senti passos junto a mim, rapidamente virei o rosto para entregar-me ao julgamento, olhei por todos os lados mas nada de estranho constatei. Agora o remorso começou a castigar-me seriamente causando-me da má ação praticada. Uma coisa me prevenia que eu estava numa situação bem melindrosa. Nunca podia esperar que estivesse sendo vigiado por guardas invisíveis. Como todas que cometem erros irreparáveis, assim eu também entrei em desespero. Desci a ladeira, sem nenhuma esperança de ser perdoado. Lá pela noitinha, um barulho surdo me chamou a atenção, era minha sereia querida que acabava de chegar em soluços . Encabulado, prostei-me diante dela, esperando o interrogatório e também o castigo. Seguramente sabia que não era fácil me livrar dessa atrapalhada toda; infelizmente era considerado um espião, tudo por causa da minha insensatez. Confesso que fiquei envergonhado de mim mesmo.

Diante dessas conjecturas, resolvi interpela-la, o que muito me custou. Só depois de passar a forte crise é que foi vagarosamente dizendo:

_Não esperava encontrar em ti tanta leviandade. Praticaste a maior deslealdade comigo que te amo tanto, faltando a um juramento sagrado, já que tão logo esquecestes as minhas recomendações. Não só desrespeitou as minhas ordens como também provocou a ira do meu amo e senhor. Tua curiosidade foi muito além, conscientemente destruíste a nossa felicidade; agora como castigo a esta grande falta, da qual eu também tomo parte, vamos ser transferidos para bem longe, lugares desconhecidos, onde talvez só exista tédio. Recebemos ordens de partir em três dias. Cheios de mágoa, deixaremos este lugar em que fomos tão felizes e também onde te vi pela primeira vez. Aqui só ficará ruína, porque nosso amo quando fica nervoso trata só de destruir.

Suas palavras eram pronunciadas com grande dor; impossível receber sem se sentir ferido, a moça continuou ainda a meia voz:

_Depois de nossa partida, só voltarei quando aparecer uma oportunidade, talvez então nos veremos novamente> Irei encontrar grande dificuldade por suportar esta separação, não obstante tudo farei para estar junto de ti, virei até aqui mesmo que seja por algumas horas. Enquanto estivermos na ilha, fugirei durante a noite para encontrar-me contigo até nossas despedidas finais.

Esses dias foram sofrimentos para mim, disse Tobias, estes dias passaram rápidos como relâmpagos. Nos braços da minha sereia ficávamos horas mudos de emoção, devorando-nos com aquele olhar triste e medroso, rezando para que o tempo parasse, procurando esquecer nossa sentença final.

VI

“A TRISTE DESPEDIDA”

Como dois cirineus, em nossas conjecturas o pensamento era um só. Como iríamos viver separados um do outro, preocupávamos também nossas despedidas, pois estas seriam muito amargas. Finalmente chegou o que tanto temíamos: o adeus.

O céu ate aquele momento conservava-se sorridente e limpo, fechara-se com a retirada desses seres da água. Pesadas nuvens negras tingiram o espaço, isso mais ou menos as seis da tarde, hora da Ave-Maria. A ilha, agora envolta num manto de trevas, parecia sucumbir no forte temporal que desabara desde a tardinha. Enfrentando estas calamidades, toda chuva, raios e ventos, chegou minha sereia, esta sem culpa alguma sofria muito e também me fazia sofrer por vê-la naquele estado. Abraçou-me demoradamente, seu corpinho tremia como uma avezinha assustada, agora era invertido: ela chorava a perda de um grande amor. Suas lagrimas eram mais torrenciais que a chuva, pois deslizavam sobre seu rosto como gotas de orvalho. No mesmo instante, com um grande esforço, consegui-se desprender-se dos mus braços, infiltrando-se nas trevas da noite. Nem bem ela desapareceu, o forte temporal aumentou terrivelmente, desbravando a mata em toda serrania. O mundo parecia desabar com a fúria daquele terremoto, este acompanhado por tremendas línguas de fogo, rebentos e chuvas que caiam em cântaros, era mesmo de endoidecer. Foi uma noite de calamidade e desespero para um mortal condenado ao desterro. Em meio de tão apavorante fenômeno, um fato interessante aconteceu: entre as nuvens que passavam ligeiramente por cima do meu ranchinho, dentre aqueles rumores estranhos, escutei lamentos acompanhados de sentidos soluços, como se isso fosse um adeus. Esse acontecimento despertou-me do torpor em que eu me encontrava, voltando encarar a gravidade do meu erro. Arrasado até a alma, não conseguia levantar a fronte diante de tão vil procedimento. O remorso abateu-me muito, doía-me lembrar ter envolvido a inocente moça em sérias complicações com seu amo e senhor. Nem bem o tempo passou, o que durou uma noite interminável, veio a calma. O dia foi clareando, o sol apresentou-se mais brilhante ainda e cheio de vida. Meu coração já não ia sentir o calor do amor e da felicidade. Agora ali, sentenciado para sempre a pagar uma divida alem das minhas forças. Mesmo sobre o domínio da derrota, a curiosidade não me abandonava. Influenciado pelos acontecimentos, meu desejo era desvendar esse mistério o quanto antes.

Sai fora do rancho e lentamente fui subindo, cheio de cuidados, pisava degrau por degrau, procurando sempre afirmar-me melhor, pois estes dias com a chuva deslizavam um pouco, tornando-se perigosos. Cada passo que dava era como se fosse desmoronar, temia enfrentar a realidade. E foi o que aconteceu. As colunas de árvores floridas e perfumadas que antes embelezavam aqueles sítios, agora ali estavam todas decepadas. Continuei subindo. Minhas pernas tremeram. Com muita dificuldade, consegui chegar até o alto; nas imediações da ilha, onde antes fora a grande mansão. Aquele explanado não era mais que um montão de ruínas em meio dos pedregulhos; completamente destruído, o belo ninho de fadas. As matas já não exalavam aquele aroma embriagador. Nem mesmo sentia-se o perfume delicioso do sândalo vindo do grande castelo. Agora só se respirava o ar viciado de mofo, como em todos os lugares abandonados. Tudo isso pela fúria de um ser rancoroso e enfurecido, que, não medindo as conseqüências, prevaleceu-se do temporal para descarregar sua cólera. Naquele instante, acabava de danificar não só o lugar como também vidas. E, para completar, não deixando nada para testemunhar que ali, um dia, fora uma majestosa e bela propriedade. Diante daquele quadro desesperador, senti desejo de morrer, mesmo o que o devir ser consumado receberia isso com muito prazer. Mas minha falta era tão grande que nem isso aconteceu. A sentença era espiar minha volta até o fim, solver até a ultima gota , o fel. O que meus olhos contemplavam nesse instante era muito cruel para mim . Sentei-me e com a cabeça entre as mãos gritava como um louco, terminando numa crise de choro até cansar, agora ali naquele desterro, sem ninguém para ouvir nem ver minha decepção. Os tempos passaram. Os dias corriam lentos. A minha sereia não esquecia de me fazer sua visita, sempre procurando ou fazendo o possível para não me deixar em completo abandono. Procurava-me frequentemente. Porem um dia, novamente veio-me o desanimo. Minha pequena acabava de chegar. Vinha em prantos. Desesperado, procurei saber a causa de tantas lágrimas a magoar seu belo rostinho. Respondeu-me ela, em palavras entrecortadas:

_ Hoje venho para despedir-me de ti e talvez para sempre. Como previa, agora será o fim de tudo e dos nossos encontros. Vamos para muito longe, o que será impossível locomover-me até aqui, visto a distancia a nos separar. Contudo, providenciarei para chegar até aqui, mas não prometo, pois vi ser muito difícil. /Vamos então aproveitar as poucas horas que nos restam, inteirinhas ao nosso amor e alegria, nada de choro.

Ali, cheios de emoção, ficamos o dia todo naquele arrulho, como dois pombinhos. Aqueles momentos eram de risos e prantos, ao mesmo tempo; procurávamos não nos mexer para não perdermos os últimos idílios felizes, aparentando desconhecer o fim. Mas nossa felicidade pouco durou, eis que recebemos nossa condenação, o ultimo adeus. Então minha amada reunindo toda sua energia, numa aparente alegria, entre um misto de risos e lagrimas, despediu-se desesperadamente. Já tinha do alguns passos, parou bruscamente, virou-se para mim e com uma graça encantadora, delicadamente pediu-me que mostrasse uma cara mais alegre, para quando, lá do seu exilado ao lembrar-se de mm, daqueles momentos de amor, suas recordações fossem as mais felizes, cheias de vida e otimismo. Só assim conseguiria suportar o peso do seu infortúnio e vencer a grande dor da saudade. No mesmo instante, desapareceu por entre as pedras. Como vê, fiquei neste abandono. Nunca mais vi minha amada e nem mesmo noticia chegou ate aqui.

Por muito tempo percorri esta ilha, de ponta a ponta, até que consegui me controlar. Depois passei a viver como o destino me ajudava. Eu podia, com um pouco de esforço, sair desse exílio, orem nada tentei, procurei descontar os últimos centavos de meus pecados. Agora, uma alegria imensa reinava dentro de mim. Vejo claramente chegar a hora de libertar-me deste mundo cruel que levou-me ao desespero por muitos anos. Meu sofrimento vai ter um fim. Termina aqui meu exílio.

_um dia , tive um amigo, um irmão chamava-se José, o marujo, caso o encontre em seu caminho, entregue-lhe esta correntinha.

Dizendo isto, tirou de seu pescoço uma simples correntinha e continuou a falar:

_Imediatamente a reconhecerá, pois estava acostumado a vê-la em meu pescoço e diga-lhe mais, que peço perdão pelo muito que o fiz sofrer, mas que eu também só passei por decepções e ilusões e que paguei muito caro por isso.

Suas palavras já saiam fraquinhas e com dificuldade. Um sorriso mais parecido com soluço aflorou-lhe nos lábios já deformado e desgastado pelo sofrimento. Com estas ultimas palavras o moço virou-se para o canto, mas ainda pude ver um sorriso daqueles lábios ressequidos. Entregara sua alma aos céus como um carneirinho.

O ancião com a voz embarcada pela emoção, ainda continuou:

_Logo que o rapaz expirou, senti um aperto no coração, associado a um receio bastante desagradável, mas foi por poucos instantes. Pensando não sofrer um engano, tentei certificar-me se não era um desmaio, já era tarde, o rapaz se despedira. No começo fiquei sem iniciativa, o choque foi muito forte: passei a mão pela fronte molhada de suor e lagrimas. Mas o extinto cristão chamou-me logo a razão.

Não era hora para nervosismo. Tinha que agir. A preocupação agora era pensar o que fazer com o corpo, pois se nem ferramentas eu tinha para abrir uma cova. Estava naquele dilema, quando um pensamento brutal ocorreu-me, não tinha outra escolha. Não conseguia aparentar indiferença no contato com os imundos trapos que ainda estavam de um grande sonho. Com eles, embrulhei o corpo e dei inicio ao funeral. Toquei-me para o meu barco. Isso sem a menor dificuldade, pois o embrulho que transportava não pesava mais do que uma criancinha, estava só ossos. Já na minha embarcação, acomodei o corpo e fui remando apressado. A companhia daquele passageiro deixava-me um pouco nervoso, mas continuava remando. Um fato bastante estranho intrigou-me: logo que comecei remar tive a impressão que éramos conduzidos por mãos invisíveis, tal a serenidade que deslizava o barco naquelas águas. Quando alcançamos alto mar, preparei o corpo para a sepultura. Ajoelhei-me com as mãos levantadas para o céu e orei pelo infeliz rapaz, pedi perdão pela decisão que tomara numa expectativa, e numa linguagem muito simples, entreguei o corpo do rapaz com estas palavras:

_Tobias, deste a tua vida a estes seres em troca de um pouquinho de amor. Hoje te devolvo para que recebas deles a sepultura.

Quando caiu o corpo na água tive a impressão que este fora recebido por muitos braços. No mesmo instante, chegou até o barco uma grande onda e logo tomou o embrulhzinho que não era mais do que os ossos do rapaz, mansamente foi sevando para longe até desaparecer, sem deixar nenhum pequeno vestígio. Agora já com meu dever realizado, toquei-me para a terra. Uma doce paz reinava em meu espírito, uma calma inexplicável, consciência tranqüila pelo desempenho de uma missão cristã.

Aquele ancião deixava transparecer em seu semblante, contração nervosa, com suspiros doidos, mas com a calma de uma pessoa que praticou uma grande ação. Isso o fez muito feliz. Uma coisa mais interessante ainda é que a calma não o abandonou, demonstrando sempre sua grandeza de espírito. Em seguida, num movimento brusco levantou-se dizendo;

_Pois bem, agora vou deixar-te, já falamos muito. O colega já deve estar saturado com minha história, ao que espero perdão pelas horas que o fiz sofrer ouvindo essas bobagens. Minhas palestras são muito duras, porem o dever me leva a isso, com minha palavra empenhada, não devo descansar enquanto não cumprir essa promessa, motivo pelo qual estou sempre a provocar o tédio entre as pessoas que me rodeiam. Às vezes, numa dessas ocasiões, conseguimos encontrar o que mais desejamos, luz para clarear o mistério que envolve tal fato com o deste homem Tobias.

_O ancião falava com a maior calma, como se isso não afetasse meus sentimentos. Quanto a mim, sofria horrivelmente.

_Pois olha companheiro, até hoje não consigo lembrar de tudo isso sem orvalhar meu rosto com lágrimas. O ancião, como se só agora reparasse em mim, assustado falou:

_Que há com você, choras? Será que minha história chocou-te ao extremo ou és muito sensível a contos sentimentais?

No momento não pude responder, minha voz estava embargada pelo pranto. Envergonhado com minha fraqueza, esforcei-me a corrigir-me, mas tudo em vão. As lagrimas vinham com facilidade. Logo que me senti mais aliviado da forte crise, então pude explicar o motivo do meu pranto. Disse-lhe então:

_Acabas de me dar uma triste noticia e ao mesmo tempo desvendas um mistério que há anos vem me preocupando, pois estava sepultado e esquecido nas malhas do destino. Hoje tua historia vem reviver um passado como também a dor e sofrimento aparentemente curado, mas que sangra continuamente. Choro pela narração de tua história e mais ainda, pela emoção e gratidão a ti, por teres dado assistência a esse infeliz homem que entregou-se a uma vida obscura, cheia de fantasia. Tobias foi um grande amigo e bom irmão, a quem nunca esquecerei.

_Esse personagem a quem se refere foi de fato o meu grande e estimado irmão Tobias. Muito lutei para desviá-lo do erro ou loucura que praticara, sem nada conseguir.

Antes que eu terminasse de falar, aquele senhor, o pescador desconhecido, vagarosamente tirou de uma bolsinha usada um embrulhozinho e apresentou a mim dizendo:

_Toma, é teu.

Trêmulo, a mão um pouco em falso, fui desembrulhando. Nem posso lembrar o que senti quando meus olhos pousaram naquele objeto, parecia que a terra tinha se aberto a meus pés. Com idéia um pouco descontrolada, mas logo recuperada, consegui voltar ao normal. Minhas mãos estavam agora de posse daquele belo presente. Ali estava a correntinha de ouro que Tobias nunca se separou, a não ser com a morte. Isso veio confirmar a história do velho pescador desconhecido e, ao mesmo tempo, tirar-me da duvida em que fiquei há muitos anos. Sem mais esperar, o velho pescador despediu-se sem mesmo contar seu nome, saiu sem olhar para trás. Quando dei por falta, o velho já ia longe.

VII

TAREFA CUMPRIDA

No final desta interessante história, eu e José, num estado consternante, continuamos naquele lugar impressionante. Foi com grande esforço que consegui desprender-me de tão forte e sinistra miragem. Emocionada, voltei-me para o narrador, pronta a lhe fazer algumas perguntas, mas interrompi alarmada com o que vi. Dirigi-me então amavelmente para o bom homem ali vergado na mais profunda dor:

_Que é isso, senhor,. Choras?

continua o ÚLTIMO CAPITULO em A lenda do Pescador II,

história que gosto muito e que foi escrita por minha avó, ja falecida

AUTORA

HERMÍNIA MEDEIROS NETTO

1ª Edição em dezembro de 1983