Pôr-do-sol

Quando começaram a passar os finais de semana no lago eram jovens e não tinham muito dinheiro. Parentes dela lhes emprestavam as chaves da velha cabana, situada em um vale arborizado bem próximo às águas.

Ele trabalhava até mais tarde na sexta-feira, de forma que, às vezes, só conseguiam chegar lá depois da meia-noite. Mesmo assim se o tempo estivesse bom e não houvesse muitos mosquitos, eles nadavam por horas, nus, sob a luz da lua, depois descansavam sentados sob as árvores, conversando sobre a vida; lembrando os tempos da adolescência e como se conheceram. Planejavam o futuro e geralmente tomavam uma garrafa de vinho, tranquilos, como se o tempo tivesse parado naquele instante para que os dois desfrutassem de todo o amor e cumplicidade que compartilhavam.

Em certo verão, ele comprara um velho barco. Então davam voltas em torno do lago olhando as casas junto à margem. Ela imaginava como seria bom viver em um lugar como aquele. Ele balançava a cabeça. Nunca poderia comprar uma casa naquele lugar com o salário que tinha naquele momento.

Alguns anos se passaram e os filhos chegaram. Depois de um tempo já não iam mais com tanta freqüência ao lago, que por fim se tornara abandonado. Finalmente, os parentes dela venderam a velha cabana.

Então, ele teve sucesso no trabalho, e começou a ganhar mais dinheiro do que sempre sonhou. Um dia, para se lembrar dos bons fins de semana ele decidiu voltar ao lago e encontrou a casa de seus sonhos à venda. Era uma casa de madeira cercada por grandes árvores centenárias e de grande altura. Não resistiu. Comprou e deu a ela de presente.

A frente da casa ficava em um terreno inclinado suavemente, que terminava bem às margens do lago, onde poderia construir um ancoradouro e recomeçar os seus longos passeios de barco durante a noite ou voltarem a nadar juntos, e reviver os momentos em que foram tão felizes. Era perfeito e o sonho tornava-se então realidade.

Ela não sabia que os verões podiam ser tão deliciosos. Todos os dias ele ia pescar antes do amanhecer e ela dormia até mais tarde até ser despertada pelo canto dos pássaros. Levantava-se e preparava o café da manhã para quando ele voltasse: omeletes de ovos frescos com bacon e suco de laranjas fresquinhas, colhidas no dia, ali mesmo no pomar. Depois de tomarem o café juntos, saiam para conhecer as andorinhas e os pica-paus, que como eles também tinham seu ninho construído ali bem pertinho, no mais alto galho da árvore. Conheceram também a dona da mercearia, o açougueiro que lhes fornecia o bacon defumado, o verdureiro, que lhes vendia os tomates amadurecidos no pé, colhidos por ele mesmo, de manhã; os beija-flores e até uma família carpinchos que às vezes dividiam com eles o banho no lago.

O que os dois mais gostavam era assistir ao pôr-do-sol. Ela adorava. No final do dia, sentavam-se na varanda sob a sombra das árvores e assistiam ao espetáculo multicolorido. O sol navegando sobre o lago, transmutando sua cor de azul para roxo, depois para prata e finalmente para o preto. Uma noite, depois de assistirem ao espetáculo e de alguns cálices de vinho ele até compusera um pequeno poema para ela:

O sol desce ao mar,

Com sua solidão pungente,

Mais um dia,

Infelizmente,

Mais um dia,

Que se vai!

Ela disse que achava triste, mas que gostava. O que não gostava era dos meses de junho e julho, era frio e desagradável apesar das cores e das noites em frente à lareira. Preferia o verão. Não gostava do frio. Seus pés sempre ficavam muito gelados apesar das caricias que ele tanto gostava de lhe proporcionar ao massageá-los. Gostava dos banhos de lago com ele, depois sentir o vento frio em seu corpo nu e ser aconchegada entre seus braços, acalentada. Isso a fazia se sentir protegida, amada, desejada.

Em julho ele retirava das águas o pequeno barco e o guardava em casa, recolhia a rede onde gostavam de fazer amor, trancava tudo e voltavam para a cidade. Ela sempre chorava na hora da partida, era triste deixar aquele lugar.

Quando o inverno chegava ao fim e primavera voltava a florir as árvores, eles descobriam que as águas no lago já não estavam mais tão geladas e então voltavam. Ela abria as grandes portas e janelas para deixar entrar o ar fresco. Depois ia cumprimentar os carpinchos e pássaros. Cada verão era melhor que o anterior, e os crepúsculos mais e mais espetaculares, aquele momento para eles era de valor inestimável.

Mas um fim de semana ele foi sozinho retirar o barco, recolher a rede e fechar a casa para a chegada do inverno que se anunciava através do vento frio.

Desejava fazer tudo rápido. Não queria estar ali quando o sol se pusesse. Mas perdera-se olhando a cadeira onde tantas vezes se sentaram juntos. A rede que ela havia lhe dado de presente no Natal. A casa do lago que havia sido um presente dele para ela. Não percebeu as horas passarem, não se apressou em deixar tudo arrumado antes do dia terminar e ainda estava lá quando o sol se pôs, magnificamente, como sempre, uma explosão laranja, roxo, prata e negro, lindo, mais triste que de costume, como ela gostava.

Ele tentou assistir ao pôr do sol sozinho. Não pôde e as lágrimas surgiram em seu rosto. Assim, entrou, fechou as cortinas, guardou o velho barco, tantas vezes testemunha da entrega dos dois ao ato máximo do amor, a rede que ainda guardava o cheiro dela, trancou as janelas e as portas, desceu a rampa que dava ao lago.

Olhou mais uma vês para trás e colocou a placa de vende-se junto ao portão. Talvez um casal que gostasse de ver o pôr-do-sol juntos, em silêncio, tomando vinho, se interessasse por ela.

Ele ficaria feliz com isso.

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 09/09/2011
Reeditado em 09/09/2011
Código do texto: T3209173
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.