Alesha

Encontrava-se deitado em uma esteira, moribundo, esperava a morte como consolo. Seus pais receberiam em casa a tão sonhada medalha de herói que ele não poderia carregar no peito, alguma rua de sua cidade passaria a ter seu nome, um necrológio tolo. Mesmo assim sentia-se feliz. Cumprira seu dever. Era uma guerra idiota, iniciada por pessoas idiotas, mesmo antes dele nascer. Mas aprendera desde cedo a honrar o seu país, lutar por ele, morrer por ele. Seu sentimento patriótico era maior que quaisquer outros sentimentos que alguma vez pudera ter sentido. Era jovem ainda, contava apenas vinte e dois anos, estava aleijado.

O lugar fedia a suor, sangue e corpos apodrecidos, seus amigos de infância jaziam mortos ao seu lado, alguns já haviam sido comidos pela terra desde que esse inferno começara em primeiro de setembro de mil novecentos e trinta e nove. Estava em maio de mil novecentos e quarenta e cinco mais precisamente no dia dez, há três dias finalmente a rendição incondicional da Alemanha havia sido assinada pelo general Jodl.

Alfred Josef Ferdinand Baumgärtler, havia se graduado pela renomada escola de cadetes de Munique no ano de mil novecentos e dez, e durante a primeira guerra mundial que ocorreu durante os anos de mil novecentos e quatorze a mil novecentos e desesseis, integrou-se ao exercito na arma da artilharia, o que lhe onerou o cargo de comandante de bateria da frente ocidental oficial de estado maior, função que ocupou até o ano de mil novecentos e dezesseis. Feriu-se duas vezes durante esse período. Foi oficial de estado-maior, ficando nesta função até a rendição alemã em mil novecentos e dezoito. No dia vinte de julho de mil novecentos e quarenta e quatro, já as vesperas do final da segunda guerra mundial, Jodl feril novamente ao lado do Fuhrer, quando uma bomba colocada por um grupo de oficiais do wehrmacht explodiu dentro do quartel general do Fuhrer situado na prussia oriental. Jodl seguiu fiel até o final da guerra e morreu em dezesseis de outubro de mil novecentos e quarenta e seis, executado por meio de enforcamento.

A última batalha ainda insistia em permanecer na sua memória. Era noite do dia vinte e seis de maio de mil novecentos e quarenta e cinco, uma calmaria assustadora abateu-se sobre Berlim. O Fuhrer havia ordenado resistência e, “morte se preciso”. Nenhum soldado seria louco de descumprir tal ordem embora fosse esse o desejo de todos. A guerra já estava perdida, os argumentos que os levaram a servir e se alistarem já haviam caído por terra, mas ninguém em sã consciência iria deixar de cumprir uma ordem do novo imperador, louco ou não.

Antes de ir para a rua, para o combate, para a morte, pode ainda observar que o céu encontrava-se vermelho devido aos enormes incêndios que consumiam a cidade, bombas que não haviam sido detonadas, agora, mediante fogo intenso, explodiam quebrando o silencio de vez em quando, no momento em que as chamas impiedosas as alcançam.

O dia amanhecia e como num anuncio de que a paz estava perto de reinar, os soldados que protegiam o Tiergaten podem ouvir um concerto de pássaros silvestres, momento interrompido pelo reinicio dos bombardeiros, momento em que enfim ele parte para a glória. Pobre engano, os vermelhos já haviam tomado conta de toda Berlin, desde a estação Anhalt, até o centro. Eis que então a cidade se sente sacudida, uma detonação parece querer partir a cidade ao meio. Vem do depósito em Potsdarmerplatz, uma grande carnificina se dá com tal explosão. Uma tragédia ainda mais horrível se desenrola sob as calçadas. As comportas do Landwehr Kanal são abertas a fim de inundar os metrôs utilizados pelos “vermelhos”. Na mais completa escuridão, pobres civis que ali se afugentaram tentam inutilmente salvarem-se da força descomunal da caudalosa enchente. Centenas e porque não dizer milhares de não combatentes, entre eles a maioria crianças morrem por afogamento ou asfixiados.

Ele está ali. No meio da rua. Disperso, indeciso. No coração o desejo de que a guerra terminasse logo e assim pudesse estar de volta ao seio de sua amada, na cabeça o pensamento de que ainda havia o dever a ser cumprido e que para isso deveria atacar e matar quantos vermelhos fosse capaz.

Não percebe a fronte de ataque se aproximar e só é capaz de perceber o estampido ensurdecedor, logo o gosto de sangue surge à boca e sua cabeça lateja, sente o corpo tombar, a mente se esvair, as lembranças de sua infância passarem pela cabeça como um filme, o primeiro beijo da amada, a promessa de espera por parte dela, a promessa de uma medalha por parte dele, as juras, a casinha no campo, os seis filhos, adormece.

Acorda sem saber muito bem onde está. Seria um prisioneiro de guerra, alojado em alguma cela, depositado para apodrecer? De fome, de cansaço e de sujeira? Ouve uma vos ao longe: Unser Führer ist tot. Hitler hat sich umgebracht.

Não podia acreditar. Finalmente estava livre. Podia enfim voltar para os braços de sua amada Alesha. Queria chorar, verter lágrimas, não podia. Com muito esforço estendeu sua mão para a virilha, dentro das calças de onde tirou uma foto apagada, suja, misto de sangue e barro. Cabelos longos e loiros, olhos grandes e azuis acinzentados, misteriosos e profundos, pele clara, corpo magro, alta e exuberante, mais bela do que ele podia desejar. Um último olhar. De repente sente o corpo tremular, as vistas se escurecerem, um frio enorme toma conta de seu corpo, precisa dormir; descansar.

Sente-se em paz. Cumprira sua missão, sente as vistas cansadas, quer ficar acordado, mas uma força imensa o obriga a cerrar os olhos, sente a respiração ficar mais difícil, falta lhe o ar como se estivesse a afogar-se, desiste de lutar, está cansado, já lutara muito por uma causa perdida. Seus pais ficariam orgulhos dele, Alesha também...

Quem sabe?

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 10/09/2011
Código do texto: T3211128
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.