“Toque de Amor”

Este conto foi uma inesquecível experiência na minha vida!

Dedico as pessoas que dela fizeram parte!

PS: Recomendo que pesquisem e escute as musicas que ilustram o conto vocês vao gostar desta viagem no tempo.

O viver é isso, lembranças que com o passar do tempo se tornam contos, encontros e páginas de um livro, histórias da vida real..

"Hoje, depois de mais de 25 anos, lembrei-me da primeira vez que dancei de rosto colado.

Maravilha!

Vieram todas as lembranças, cheiros e sons daquela inesquecível noite.

Foi um aniversário na casa do amigo do meu primo Tuca, o Regis.

Ahhhhh!

Depois de ensaiar duas semanas com a minha prima Goya...

E outras tantas com um travesseiro.

Enfim estava pronto para bailes e afins... kkkkk

Um pé de valsa!

Faltava agora a festa e, é claro, a garota.

Andava pelo apartamento inquieto, sem sossego, por vezes era pego no quarto agarrado ao travesseiro a dançar.

Chegou o grande dia e era o aniversário da irmã do Regis, nos arrumamos cedo e saímos rumo à festa, eu animado... (Tremia feito vara verde) kkkkkkk. Pensava: e agora? Terei que dançar.

Eu sorria um sorriso amarelo, pois sabia que meu primo seria o primeiro a me cobrar e iria dizer:

- Agora não tem desculpas, Carlinhos, você ensaiou, aprendeu, agora é pegar uma menina e dançar.

Entramos na avenida e chegamos à casa onde estava acontecendo o aniversário, fiquei no portão conversando fiado, doido mesmo era para ir pra casa... kkkkkkkkkkk.

Demorei o quanto pude, mas logo fui empurrado para dentro.

Pensei: “fico aqui na varanda e tudo bem, não entro e, por consequência, não danço”

...rsssss...

Mas foi chegando mais gente e fui novamente empurrado e agora para dentro da casa.

Não tinha mais para onde fugir, a galera estava a me olhar, pois já haviam espalhado a notícia de que eu iria dançar de rosto colado pela primeira vez.

Bem que eu já havia dançado antes na festa da escola o tema do filme ‘Ao Mestre Com Carinho’ (To Sir With Love-Banda: Lulu & The Mindbenders), com uma professora e eu estava agarrado às pernas dela, tinha uns nove anos ou menos.

Bem, todos me olhavam, já eu só olhava para a porta do banheiro, pois me dirigir para a saída era impossível, meu primo e outros colegas estavam lá para garantir que eu não fugisse.

Minha boca seca, minhas mãos suadas e de súbito, me dirigi ao banheiro, e depois de pegar uma fila, entrei, lavei o rosto, as mãos e olhava minha palidez no espelho, quando escutei alguém bater na porta com força, e gritar: “Você está bem? “

Era o pai do Regis.

Fiquei mais nervoso ainda, tentei abrir a porta e, ao invés de destrancar, eu trancava mais ainda a porta...kkkkkkk.

Enfim, depois de causar certo tumulto do lado de fora, consegui sair do banheiro, o pai do Regis a me olhar desconfiado e as pessoas que estavam querendo usar o banheiro também.

Muitos tapavam o nariz fazendo menção de que eu estava no banheiro a fazer necessidades fisiológicas, estava a ponto, mas não fiz.

Meu primo veio ao meu encontro e me perguntou o que houve, eu disse: ‘Nada’, quase sem voz e ele disse:

- Olha, está cheio de gatinhas, você que é bom de papo, agora vai mostrar que é bom na dança, na próxima música lenta, você chama uma menina e fim de papo, você dança e fica tudo bem.

Dançar me causava pânico, fui para o canto da sala e fiquei...

Quando estava a me encostar na parede, toca a primeira música lenta, eu queria correr, mas não tinha para onde.

Todos os amigos me olhavam, escutei um gritar:

- Dá-lhe, Carlinhos, é hoje!

Quase eu desmaio.

As pernas ficaram tão duras que não havia como desmaiar, a alma tinha deixado o corpo, só para me assistir. Não tinha como correr, fechei os olhos e pensei ‘a primeira que minha mão pegar, eu vou dançar’. Senti um braço que segurei, ela me pegou e começamos a dançar, eu parecia uma tonelada de chumbo no meio da sala e sem abrir os olhos, pois sabia que veria as caras a me olhar e curtir, mas a voz dela era conhecida, era uma das irmãs do amigo do meu primo que disse:

- Tenha calma, solte as pernas e me siga.

Bem, naquele momento, eu nem lembrava que tinha pernas que dirá saber seguir alguém.

Eu rezava para a música acabar e ela estava a rolar, lembro que as músicas que estavam sendo tocadas naquela noite eram dos anos 60, 70, 80, algumas mais velhas até que faziam parte da discoteca do pai do Regis.

A canção que dançamos era de Morris Albert - She's My Girl.

Quando a música acabou, eu tremia mais ainda e não queria abrir os olhos, estava apertando tanto a pobre que escutei ela delicadamente dizer:

- Estou sem ar, se acalme, solte minha cintura.

Eu soltei-a, mas fiquei plantado sem abrir os olhos, ela, com toda a paciência, disse:

- Venha Carlinhos, você precisa beber alguma coisa.

Me levou a cozinha, me deu água e eu pedi a ela uma bebida, ela pegou um pouco de conhaque, colocou no copo e eu bebi de vez, sem nada sentir. Ela ficou com pena e disse:

- Menino, você esta pálido! Suas mãos estão suadas e geladas.

Eu peguei a garrafa do conhaque que era do pai dela, coloquei no copo e virei.

Esta segunda dose me deixou doidinho.

Eu tinha 13/14 anos, então vocês podem imaginar como estava a minha cabeça, então pensei comigo mesmo: ‘agora que já dancei, posso passar despercebido e nunca mais vou a uma festinha’.

Tonto e sorridente, voltei à sala com ar de missão cumprida e olhei para o meu primo que estava com outros amigos e disse:

- Viu dancei!

Com um sorriso no rosto, mas o pior ou melhor, ainda estava por vir, pois assim que terminei de fazer meu comentário escutei meu primo e a torcida do Bahia e Vitória juntas numa final na Fonte Nova:

- A irmã do Regis, não vale!

Ela é amiga, tem que ser alguém que você não conhece.

Se tivesse um buraco que me levasse às trevas, eu entraria naquele momento.

Fiquei mais tonto ainda, as pernas tremiam.

Eu disse:

- Tudo bem, eu vou lá fora tomar um ar e volto...

Porém, eles sabiam que eu iria, como diz num bom baianês, me picar, ou seja, sumir, desaparecer!

Eles não deixaram.

O Regis disse:

- Você não vai para lugar nenhum sacana, antes de dançar.

Eu queria morrer ali, naquele momento e eles queriam me ver dançar, eu virei em direção ao banheiro e vi o pai do Regis na porta a me olhar com cara de poucos amigos.

A música que começara lenta era um funk, o

Carl Douglas cantando - Kung Fu Fighting.

Eu queria que ela nunca terminasse.

Em minha agonia, escutei meu primo dizer: - Você vai chamar aquela ali pra dançar, é amiga da Irmã do Regis.

Eu nem quis olhar, mas ele insistiu e disse:

- Uma gatinha!

Eu olhei e lá estava ela, bela, com um vestidinho rosa de baile, quieta e meiga. Fiquei encantado, mas chamá-la era demais.

Uma menina que no mínimo iria me dizer não e, então, seria pior que dançar errado, a galera toda iria me zoar até a minha velhice.

Tomei coragem e fui em direção ao banheiro. Decidi enfrentar o pai do Regis, pedi licença e entrei no banheiro, lavei o rosto e tocou uma música lenta e escutei meu nome, alguém que não identifiquei gritou:

- Cadê, Carlinhos?

Não havia terminado de enxugar o rosto e escutei o pai do Regis a falar:

- Vai morar ai mocinho!

Eu respirei fundo e saí, vi a irmã do Regis, na cozinha e ela me falou:

- Olha, todos já estão comentando que vai dançar com a minha amiga, até ela me perguntou quem você era? Eu disse que era um carinha legal, inteligente e que ela iria gostar.

Eu perguntei com o coração quase sem batimentos:

- O que ela disse? O que você acha?

Ela me respondeu:

- Eu não sei, ela apenas sorriu, não disse nem que sim nem que não.

Olha se me dissessem você perdeu, eu iria para casa satisfeito, mas aquilo: nem sim, nem não. Era tudo que eu não queria, mas não tinha jeito. Esperei minha amiguinha sair da cozinha, olhei a garrafa de conhaque, olhei para a sala, o pai do Regis estava a conversar com alguém. Peguei um copo, coloquei uma bela dose e bebi.

Está me fez ver estrelas.!

Voltei para sala, já nem estava escutando nada, apenas a cantilena no ouvido.

Tudo estava consumado!

Decidi morrer logo e acabar minha agonia, estava tocando uma música de embalo, nem lembro qual era, fui em direção a garota, ela estava conversando com uma amiga e nem viu aproximar-me, fui puxado pelo braço por meu primo que disse:

- Tá maluco!

Esqueceu que você tem que dançar lento?

Naquela altura nem sabia o que era lento ou rápido.

Estava de pé quando ela passou por mim se dirigindo para o banheiro, me olhou e sorriu, naquele momento pude vê-la de perto, ela era linda, em seu vestidinho tipo anos 50, e um perfume que me lembrava jasmim.

Anos depois descobri que o nome do perfume era Toque de Amor, da Avon kkkkkkk.

Depois que ela passou, eu fui em direção à porta da rua, ninguém estava guardando a saída, devagarzinho e quando passei a porta, fechei os olhos e senti o frescor da brisa no rosto, respirei fundo e, quando abri os olhos, eles estavam lá no portão e em coro gritaram:

- Pode voltaaaaar!

Eu falei:

- Poxa gente, deixa eu tomar um pouco de ar, está muito quente lá dentro.

Enquanto estávamos lá fora, alguém assumiu o comando da *Radiola (*Nome dado ao toca-discos ou LPs), mas entrou um samba, acredito que era a Marron (Alcione) cantando (Gostoso Veneno).

Eu nunca amei tanto um samba, na minha vida, e falei com os meus botões: ‘“Acabou a festa viva o pai de Regis! “

Vou dar um beijo nele!

Regis, acabou com aminha felicidade dizendo:

- “Se painho assumiu a radiola, agora é que você está lascado, que ele tem uma seleção de coisa antiga aí e quando começa uma romântica, é igual à metralhadora, é uma atrás da outra e tem de tudo bolero, valsa. Imagine você dançando uma seresta de Altemar Dutra, sabe dançar isso? Kkkkkkk.

Fiquei apavorado, quis pular o muro, me pegaram pelo cinto e entrei escoltado.

Olhei e vi as meninas todas em um grupinho a conversar, quando eu entrei, elas me olharam, cochicharam e riram, minha boca mais seca ficou, mas em compensação o efeito do conhaque estava me tomando de tal forma que estava um pouquinho mais solto. Porém, para me deixar mais nervoso, não é que toca Altemar Dutra! Kkkkkkk e um bolero (La Barca) os caras gritaram:

- Aêêêêêêêêêêêêêêêê... é agora.

Olhei para ela, e ela fez uma cara de quem não dançaria nada daquilo.

Eu olhei para meu primo e implorei:

- Pelo amor de Deus! Esta não! Kkkkkkkkkk

Ele disse:

“Tá certo! Mas a próxima ou você dança ou a galera vai lá dizer a ela que você esta com medo dela.

Tocou uma interminável série de boleros. Eu estava feliz. A galera já não estava mais aturando e eu dizendo para mim: “Acabou a festa, agora quem manda é o santo pai de Regis!”

Quando eu estava assim feliz, a aniversariante disse:

- “Painho, é meu aniversário, meus amigos não gostam destas músicas antigas, queremos dançar, é minha festa.

Bem, para a tristeza dele e minha o comando da *Radiola teria que passar para outro Disc jockey, mas antes de passar o comando, ele disse:

- Vou colocar esta, depois a festa é de vocês.

Regis disse:

- “É esta! Já sei qual é a música que ele vai colocar e você vai chamar ela agora, pois esta música é antiga, mas é para dançar bem agarradinho.

Fui empurrado na direção onde estava o sofá em que ela e outras meninas estavam sentadas, ela me olhou como quem perguntava: o que você quer? Eu disse com a voz só da alma para ela:

- Vamos dançar?

Ela mais as outras meninas riram, pois não havia música o pai do Regis ainda estava a procurar o disco.

Eu não sabia para onde olhar, mas aqueles olhos brilhantes e aquele sorriso me prenderam, ela me olhava esperando uma palavra minha, foi quando a canção iniciou, eu nem sabia o que vinha, estendi a mão para ela e ela me olhou fundo, estendeu a mão e fomos para o meio da sala. Olhei ao redor e ninguém havia se habilitado a dançar a música era algo dos anos 50/60, a introdução era algo mágico, e a voz dela era de uma magnitude, cantava com um sentimento que tocou nossos corações. Segurei-a pela cintura, a minha outra mão trêmula e suada não sabia como segurar a mão dela, ela me olhou e com carinho segurou a minha mão. Colou seu rosto colado ao meu e me guiou.

Foi a minha primeira dança e eu não queria que a música acabasse, seu perfume me embriagava, sua pele era macia e seus cabelos estavam em meu rosto, no meio da música seu rosto que estava colado ao meu, devagar se virou e ela me deu um beijo.

Este foi um dos momentos que nunca esquecerei em minha vida.

A música acabou, ficamos um a olhar para o outro abraçado no meio na festa, fomos interrompidos pelo pai de Regis que pigarreou querendo passar, nos separamos, ela foi para o lado onde estavam as meninas e eu voltei como que pisasse em nuvens em direção aos amigos.

Eles me olhavam espantados e meu primo disse:

- Rapaz! Você beijou a menina, no meio da sala?

Naquela mesma noite ainda nos beijamos muito na laje da casa de Regis, graças à mágica canção e à irmã de Regis, me tornei namorado da menina com nome de flor (Angélica).

Nunca mais tive notícias dela, espero que ela esteja bem e tenha este momento gravado em sua memória, a última informação que tive dela tem mais de 20 anos, mas a música e seu perfume estão guardados em minha memória.

O perfume eu já falei, o cantor e a musica são estes: Billy Eckstine - “I apologize” espero que continue a embalar jovens e velhos por uma eternidade.

("Toque de Amor", by Carlos Ventura)