Pequena Degustação do meu próximo livro:

"Teu rosto belo num passe de mágica parecia ter-se metamorfoseado num lindo rosto trigueiro, de magníficos olhos amendoados, fitando negros e profundos a suavidade da noite ao seu redor.

Levava nos ombros um manto esverdeado e tinha os negros cabelos ornados por um esplendido penacho branco matizado de plumagem colorida e brilhante.

No peito nu, trazia preso a uma grossa corrente de ouro reluzente, um magnífico pingente de jade esverdeado – a pedra mágica do amor.

Braceletes dourados ornavam seus pulsos fortes de guerreiro e a pele macia de um jaguar cingindo-lhe a cintura, descia-lhe até os joelhos, combinando lindamente com a sua pele de bronze, macia.

De pé, contemplava em silêncio a superfície espelhada do lago, refletindo a luz acinzentada da deusa lunar, quando repentinamente ouvira uma voz suave pronunciar seu nome:

- Iucatã!

Voltara-se lentamente à menção do seu nome e seus negros olhos pousaram suaves naquele rosto belo e inquiridor. Os magníficos olhos oblíquos da jovem sacerdotisa, erguidos para ele, fitavam-no com indizível expressão, misto de admiração, afeto e melancolia. Vestia uma túnica tão alva, que refletia em nuances nacaradas a luz prateada da lua que encimava os céus naquela estranha noite maia. Os longos e negros cabelos estavam presos em uma espécie de tiara de turquesas, de onde pendiam fitas de um tecido colorido e brilhante como a plumagem dos pássaros sagrados.

- Por que miras assim tão tristemente as águas sagradas?

- Sabes bem por que, minha deusa querida. Penso em teus olhos e no teu amor – respondeu o guerreiro, rosto afogueado de pejo e paixão a muito custo contida.

- És louco, meu adorado Iucatã, e o teu amor por mim também é loucura, bem sabes – respondera a jovem virgem do sol, cujo coração também batia descompassado ante a presença do belo guerreiro.

- Mira, vês, lá em cima a luz do luar, ela sabe do meu amor por ti e não me condena – falara o guerreiro, coração opresso – Bela Akalli, sei que nutres por mim inefável sentimento de amor, vejo nos teus olhos de jade, o resplandecer ardente deste fogo que também te consome , queimando o teu nobre coração.

- Iucatã, silencia-te, eu vos rogo; bem sabes, que prometida estou a Ixcauaztinz, sou uma sacerdotisa do sol, não posso amar-te.

- Akalli, Kukulcán jamais condenaria o teu amor por mim, sou um guerreiro da casa real, sirvo ao nosso deus com todas as honras.

Os olhos da sacerdotisa contrastando exoticamente com sua tez de bronze, fitando o disco lunar, se encheram de lágrimas, surpreendendo o impetuoso Yucatã.

- Choras? – perguntou atônito o guerreiro – não, não posso ver-te chorar. E num impulso incontido, abraçou-a, como se quisesse naquele abraço secar-lhe todas as lágrimas presentes e vindouras.

-Akalli, minha adorada estrela, - disse beijando-lhe os olhos molhados de lágrimas.

A sacerdotisa não podendo mais conter seu imenso amor pelo guerreiro, erguendo os olhos para ele murmurou errante:

- Amo-te, Yucatã e jamais poderei deixar de amar-te, mesmo que o sol e a lua deixem o seu caminho no céu e caíam sobre a terra, sempre o amarei, mesmo que passem os dias e os anos, ainda assim haverei de amá-lo pela eternidade afora.

- Yucatã segurando-lhe o queixo suavemente, mirou-lhe profundamente nos olhos e naquele instante fundia-se naquele olhar todo o ardor incontido daquele amor proibido. Parecia que no espaço suas almas se uniam, eles, porém, não o sabiam, apenas sentiam e isso lhes dava uma imensa alegria.

Trêmula, a sacerdotisa erguendo os seus braços esguios, cheios de ouro e turquesas, enlaçou-lhe o pescoço, num abraço onde ternura e amor se fundiam.

- Mesmo que passe o tempo e o sol de Yucatã não brilhe mais, ainda assim hei de amar-te linda Akalli – pronunciara Yucatã, beijando-a com ternura e paixão.

No céu, brilhando esplendorosamente a deusa lunar selava com luz aquele sublime pacto de amor, enquanto às margens do poço sagrado de Chichén-Itzá, Yucatã e Akalli deixavam fluir livremente aquele amor que há tempos teimavam em ocultar de si mesmos.

- Akalli, amanhã, antes que o sol de erga no horizonte, parta comigo. Vamos para os montes, depois alcançaremos Palenque e lá, bem distante, viveremos sob a poderosa proteção do sacerdote de Kukulcán. Não poderei mais, depois desta noite, viver longe de ti, minha pedra preciosa.

Meu amado, irei contigo, bem sabes, porém, sei também o preço que me será cobrado. Eu, sacerdotisa do sol, marcada pelo selo de Kukulcán, jamais encontrarei a paz porque renegando ao meu ofício sagrado por amor a um guerreiro estou traindo a minha casta. Se eu for presa serei sacrificada à luz do sol nascente e tu serás esfolado vivo pelo crime de macular uma virgem do sol – dissera Akalli e todo o seu corpo se arrepiava ao mencionar as torturas que teria que enfrentar se eles fossem presos pelos sacerdotes de Chichén-Itzá.

Então, Akalli desvencilhando-se dos braços fortes do guerreiro, aproximou-se do poço sagrado e erguendo o rosto fitou o disco lunar por longo tempo.

Estava soberba nesta atitude solene, sua alva túnica esforçava à brisa da noite e também os seus cabelos de um negro profundo. De pé, a alguns passos dela, Yucatã a contemplava embriagado de amor e felicidade.

- Eu sou a jovem guerreira do meu povo, que acendo o lume do ano novo quando as estrelas traçam o seu caminho no céu e neste instante renuncio ao meu povo – dissera solene a bela sacerdotisa, enquanto retirava do pescoço uma corrente de ouro com um talismã de jade, turquesa e jaspe. Estendendo a mão aberta, contendo a jóia ritualística, Akalli elevou-a ao céu, oferecendo-a à lua, depois a jogou no poço de Chichén-itzá. Fazendo grave reverência.

Em seguida, despojando-se de suas vestes nobres, primeiro os braceletes, depois a tiara de turquesa, onde havia o símbolo do sol incrustado em ouro reluzente. Em seguida, retirou dos ombros o manto sagrado e o depositou sobre a pedra dos sacrifícios, ali depositando também as plumagens esverdeadas que trazia presa aos cabelos.

Vestindo unicamente uma singela túnica branca e levando como única jóia, um magnífico anel de ouro e jade, Akalli invocou as forças do sol sob a testemunha do luar e renunciou, pelo amor de um nobre guerreiro, aos seus sagrados votos de sacerdotisa, virgem do sol:

- Grandioso sol que irradia a Terra alimentando de luz os seus viventes, conduz-me neste instante à plenitude de sua força solar e desfaz em mim os laços que me prendem ao culto do teu sagrado lume, porque neste instante, eu Akalli, filha de Irakén, sacerdotisa de honra a Kukulcán, abjuro dos meus votos sagrados de virgem do sol, ante a luz testemunha do luar, unicamente por muito a um nobre guerreiro amar – falava a jovem sacerdotisa como se estivesse em transe.

- Porém, grandioso sol – continuava solene a sacerdotisa - afirmo-te que em minha alma o teu culto não morrerá e sempre em meus olhos a tua luz há de brilhar e onde quer que eu vá sempre estarei pronta para a tua força irradiar.

Com os olhos marejados de lágrimas e fixos no disco lunar que encimava naquela noite os céus de Chichén-Itzá, Akalli retirara da cintura o último elo que a ligava ao culto do deus kukulcán, estendendo-o com suavidade sobre a pedra dos sacrifícios, porém conservou consigo, como símbolo do seu culto íntimo a Kukulcán, o esplendido anel de ouro e jade que trazia no dedo anular e sua mão esquerda..."

* este texto faz parte do meu próximo livro a caminho do prelo, cujo título ainda está sendo definido.

Arádia Raymon
Enviado por Arádia Raymon em 24/06/2018
Código do texto: T6372490
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