O GUARDA BORRÃO... Série: Figuras de Poções...

ABEL ELETRICISTA

O GUARDA BORRÃO...SÉRIE FIGURAS DE POÇÕES - BAHIA

Abel Almeida, conhecido por Abel Eletricista era um bom profissional; era branco, magro, de altura mediana e andava sempre de paletó; morava perto do açude da rua de Morrinhos, em Poções.

Era o eletricista oficial do meu pai, que sempre estava construindo ou reformando seus imóveis.

Com o tempo de convivência, o Abel passou, por assim dizer, a amigo da família.

Quando o Dr. Fernando Costa assumiu a prefeitura, em 1950 meu pai lhe fez um pedido categórico: - Compadre, (Dr. Fernando havia batizado com D. Guiomar a minha irmã Nancy) -já que o sr. criou a guarda municipal, veja se dá uma oportunidade ao Abel, que tem família numerosa e é muito honesto. E o Dr. Fernando atendeu o pleito do meu pai, nomeando-o Chefe da Guarda Municipal recém criada.

Tudo corria às mil maravilhas naquele ano de 1950, o país respirando democracia e as instituições se consolidando...

A delegacia de Policia funcionava em uma das casas de meu pai, na Travessa dos Artistas. Na esquina, ficava a farmácia do Dr. Ary Alves Dias, ponto de bate-papo dos finais-de-tarde, dos profissionais liberais e comerciantes.

Pois bem. Numa dessas tardes, quase no ocaso, um ladrão conseguiu burlar a vigilância policial e passou em carreira desabalada à porta da farmácia. Coincidentemente o prefeito Fernando Costa encontrava-se entre os amigos batendo papo. Aos gritos de pega ladrão, alguns policiais perseguiam o meliante. Abel, que também estava no local, acompanhando o prefeito, foi por êle intimado a prender o meliante:

- Segura o homem, Abel. Gritou o prefeito aflito. Abel deu alguns passos trôpegos e caiu desfalecido, tendo feito incontinenti todas as necessidades fisiológicas a um só tempo, ali mesmo, em plena rua...

Os gozadores de plantão espalharam pela cidade:

- Abel borrou as calças com medo do ladrão...

Seu apelido, dai por diante, ficou o de “Abel cagão”.

Apesar desse fato desagradável, o prefeito, que era homem de caráter ilibado e de alta sensibilidade, deu-lhe alguns dias de licença para tratamento de saúde, mantendo-o no cargo de chefe da guarda.

Mas o apelido pegou. E a meninada não perdoava quando Abel passava com sua farda caqui engomada, botões dourados e quepe

– Abel cagão... Abel cagão...

Os filhos de Abel foram crescendo e já na escola eram perseguidos pelos colegas que não cansavam de referir-se ao seu pai como Abel cagão...Lembro-me do complexo dos meninos e era de dar pena...

Chegou a tal ponto, que bastava alguém perguntar pelo Abel e os garotos choravam ou ameaçavam dizer ao pai que o estávamos chamando de cagão.

Pesada cruz que tiveram de carregar para sempre...

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 22/09/2005
Reeditado em 01/05/2006
Código do texto: T52658
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