Um Trecho do livro "O Segredo de Leonor"

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Esta noite, serás sacrificada durante um sabá negro, seu sangue vai servir ao senhor da escuridão - falara a condessa, rosto lívido de ódio.
A freira deu um grito de terror a tal menção.
- Também gritei de dor e desespero, madre, no dia em que arrancaste das minhas entranhas o meu adorado filhinho e não tiveste piedade de mim, sequer me deixaste vê-lo – lembras-te?
- Jurei que a mataria, madre, que vingaria a minha infelicidade e o farei. E não viverá para narrar tudo o que acabas de saber. Não se pode tornar-se dono do destino dos outros impunemente, madre, eu o sei - falou a condessa sem desviar os seus olhos negros do rosto apavorada da velha madre.
E à noite, aquela turba grotesca, de novo se reunia, na clareira no meio das montanhas e lá estava Artemísia, bela e cruel - nada em sua fisionomia lembrava a meiga Leonor que outrora vivia sorrindo entre os serviçais da rica mansão de seus pais. Como sempre, presidia o sabá ao lado do mestre encapuzado, que se sabia jovem, porém, ninguém, além dela, jamais vira seu rosto, enquanto dois anões empurravam a madre superiora, que tinha os pés e as mãos amarrados por grossas correntes até o centro da clareira.
O elegante cavalheiro de capuz negro aproximou-se deles e com um gesto pediu silêncio à turba.
- Hoje, vamos julgar essa mulher e condená-la por um crime cometido contra nossa bela Artemísia, rainha deste Sabá.
A turba ensandecida gritava palavras desconexas e Artemísia se aproximou implacável, olhos injetados de ódio e avançou para a madre.
- Ela não terá direito a julgamento. - dissera Artemísia - a menina, cujo filho ela arrancou do ventre para atirá-lo em mãos estranhas não o teve. E assim dizendo fez um gesto e os anões empurraram a freira para o cadafalso, aos pés do grotesco ídolo, cuja fisionomia causava arrepio no mais experiente dos viventes.
Antes de ter a cabeça decepada por um afiado machado, cuja lâmina reluzia à luz do luar, a infeliz madre tentou falar, mas tinha a boca tapada por uma mordaça, para que não invocasse o nome Sagrado do Criador.
A lâmina do afiado machado reluziu à luz do luar e a cabeça da freira rolou aos pés de Artemísia. O que se seguiu foi um festim bestial, inenarrável. Ao raiar da aurora, ela retornou ao castelo, saciada em sua sede de vingança, porém com um vazio ainda mais abissal na alma, agora negra como seu elegante traje.
Extenuada pela noite sacrílega que presidira Artemísia, deitara-se quase ao amanhecer, mas não conseguira conciliar o sono.
Por um daqueles caprichos do destino, logo ao amanhecer, sua criada veio avisá-la de que um jovem padre, da ordem dos franciscanos, que esmolava para o convento dos irmãos pobres queria vê-la.
Desgostosa de ter que receber a indesejável visita, mas sabendo que não poderia levantar suspeita sobre sua pessoa, fingiu-se satisfeita com a honra e desceu para recebê-lo.
No saguão, o jovem padre a esperava.
- Gostaria de falar-me, senhor padre? – perguntou a Condessa, chamando a atenção do religioso, que se virou para cumprimentá-la.
Foi, então, que sentiu suas pernas fraquejarem e, branca como cera, apoiou-se sobre o espaldar da poltrona. À sua frente estava a réplica do seu amado Ramon, como se houvera regressado no tempo, o mesmo olhar, o mesmo sorriso, o mesmo porte altivo. Quis falar, mas a voz lhe faltou e ela caiu pesadamente sobre o rico tapete do salão.
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Arádia Raymon
Enviado por Arádia Raymon em 20/07/2008
Reeditado em 20/07/2008
Código do texto: T1089073
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