Texto do livro: Laços...Eternos Laços

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A primavera agora vicejava em toda a sua plenitude. Os dias estavam ensolarados e brilhantes.

O céu era novamente azul e eu sentia-me mais alegre, poder-se-ia dizer que eu era quase feliz.

Os últimos preparativos para o casamento se concluíam.

Já muitos hóspedes estavam instalados na mansão e meu tempo agora era muito pouco para divagações. As idas e vindas ao atelier de Madame Savoy, que confeccionava o meu vestido de noiva, tomava quase todo o meu tempo.

O vestido estava belíssimo, era de um branco nacarado, todo bordado de pedrarias e pérolas, saia ampla e farta, na mais pura seda.

Quantas vezes o experimentei sentindo vontade de rasgá-lo! Ao ver minha imagem refletida no espelho meu coração se apertava de dor e desgosto, mas meu senso de responsabilidade estava muito desenvolvido para que eu fraquejasse ante ao sacrifício iminente.

Muitas noites chorei de desespero e de saudades, mas quando raiava o dia, enchia-me de nova esperança e continuava meus preparativos para o casamento, sempre acompanhada de perto por minha dedicada Sulamita.

A Quinta estava decorada ao meu gosto. Frederico fez questão de anuir aos meus mais sofisticados caprichos, tanto que o palacete estava deveras magnífico, encantador mesmo.

Quantas vezes, sentada no seu jardim sonhei que era o Duque e não o Conde de O. quem me desposaria. Quiméricos devaneios...

Chegou o dia tão esperado por todos, menos por mim, que me sentia indiferente, como se não fora eu a noiva tão aclamada naquela magnífica catedral.

Pouco antes de começar a vestir-me, uma criada pediu a Sulamita para falar-me.

-Lady Allina, um portador acaba de entregar essa encomenda, que assegurou ser imperioso que lhe chegue às mãos antes da sua saída para a igreja. - dissera a criada entregando-me uma caixa de presente de rica decoração, demonstrando ser realmente algo muito precioso.

Sem qualquer pensamento, tomei a caixa e abrindo-a vislumbrei um estojo de veludo negro bem antigo, onde se lia em letras douradas, as iniciais D.V.

Senti um calafrio. Tive ímpetos de atirar fora aquele estojo, como se estivera infectado com algum malefício, mas depois, diante do olhar arguto de Sulamita, abri o estojo. Uma magnífica jóia repousava sobre o fundo negro do estojo. Era um rico colar de pérolas e rubis de rara beleza, onde placas de ouro arqueadas, trabalhadas em filigranas e incrustadas de delicados rubis orientais intercaladas por fileiras de maravilhosas pérolas de valor inestimável, sustentavam um pingente de onde pendia um esplêndido rubi oriental em forma de gota de beleza realmente singular, acompanhado de dois brincos onde pérolas nacaradas rodeavam um rubi de beleza também especial.

Ao fundo um bilhete, escrito de próprio punho, dizia: “Señorita Allina, peço-te que em prova de que perdoaste o incômodo que minha presença em vossa casa lhe causou, aceite este pequeno mimo que lhe oferto de coração e que outrora pertenceu à Duquesa, minha bisavó. Use-o no dia do seu casamento, sentir-me-ei assim redimido de todas as minhas faltas para com a Señorita. Aceite ainda os meus cumprimentos. Espero sinceramente que sejas feliz! Enrico - Duque de V.”.

À medida que lia o bilhete ia empalidecendo a cada palavra, parecia que ouvia a sonoridade da voz do Duque sussurrando em meus ouvidos, até que Sulamita, tomando-me das mãos o precioso estojo, disse-me:

_Toma Allina, beba um pouco de água fresca, logo estarás bem!

Acedi ao seu pedido, ainda entontecida, e tomando-lhe das mãos a taça com água, sorvi-a de um só gole. Minha fronte latejava, todos os momentos vividos alguns meses antes, quando da estada do Duque em nossa casa, vieram-me à mente e ao coração e a lembrança do seu olhar de fogo no dia de sua despedida atordoou-me.

-Levante a cabeça, menina, - disse-me Sulamita, pressurosa - nada de recaídas agora. Vamos, continuemos a nos preparar.

-Viste Sulamita o presente que acabo de receber? Sabes de quem vem?

-Sim, Allina, sei, mas isso não importa agora. Vais mesmo aceitar esse presente?

-Como recusá-lo, Sulamita? Trata-se de um presente do melhor amigo de papai e... - calei-me sem poder continuar.

-Sim, Allina, porém, observa bem se queres mesmo aceitar esse presente. Parece-me uma jóia antiga, diria mesmo que é uma jóia de família.

- Temo que seja por isso sinto-me na obrigação de aceitá-la. - falei constrangida.

- Pois seja, Allina, é uma jóia realmente digna de uma princesa, vais atender também ao pedido de usá-la na cerimônia? Os olhos de Sulamita brilhavam interrogativamente.

-Sim, vou. - respondi decidida. Minha alma dilacerada, naquele momento só pensou que tinha todo o direito do mundo de usar a jóia presenteada por aquele a quem amava no mais recôndito de minha alma. Fora esse pensamento certamente o que levara o Duque a se desfazer de tão preciosa relíquia.

Já mais calma, prossegui nos preparativos, com Sulamita sempre ao meu lado.

A catedral estava magnificamente decorada de brancas rosas e singelas madressilvas. A nave estava repleta de convidados, parecia que toda a Londres se comprimia ali dentro. Frederico, muito elegante esperava-me ao pé do altar, vestindo um sóbrio fraque cinza-claro.

Um imenso tapete vermelho estendia-se desde a porta até o altar, formando um longo corredor, ornado de rosas brancas.

Pelo braço de papai, eu caminhava vacilante, pela nave adentro, como uma sonâmbula, rumo ao altar, onde Frederico esperava-me feliz.

Todos os olhares se voltavam para ver a noiva passar. Estava realmente bela, naquele vestido amplo magnífico. Enfeitando o delicado colo, o esplêndido colar de pérolas e rubis combinava sobremaneira com o tom nacarado do meu vestido. E o precioso rubi que me pendia sobre o peito era realmente como uma gota de sangue que jorrava do meu coração naquele instante tão definitivo de minha vida.

Ao chegar ao altar, papai entregou-me a Frederico, após beijar-me delicadamente a testa, enquanto desejava-me felicidades.

Frederico recebeu-me com um sorriso nos lábios. Tomei seu braço e juntos nos postamos diante do altar. Naquele momento, senti todo o peso do meu ato e lancei um furtivo olhar sobre a imagem do Senhor que pendia sobre o altar, pedindo forças.

A cerimônia foi longa e eu parecia que a tudo assistia de longe, como se não fosse eu a noiva feliz que se unia pelos sagrados laços do matrimônio a um dos mais cobiçados partidos da Inglaterra, o nobre Conde de O.

Quando estendi a mão esquerda para Frederico colocar a aliança em meu dedo anular, uma lágrima de dor rolou dos meus olhos e caiu sobre o rubi em forma de gota, desaparecendo no vazio do meu entristecido coração. Ninguém, nem mesmo Frederico, notou a furtiva lágrima que maculou com sua dor aquela jóia que naquele momento pareceu-me, de repente, tão familiar. Além disso, sentia como se o Duque em pessoa estivesse presente à cerimônia. Arrependi-me de ter colocado aquela jóia.

Naquele momento a lembrança do olhar do Duque de Valença calou mais fundo em minha alma dorida.

Vencendo o dissabor daquela hora, fui em frente e jurei a mim mesma fazer feliz o meu esposo, que ali me jurava o seu amor. E diante o altar tomei a resoluta decisão de jamais voltar a pensar no Duque, a partir daquele momento.

Depois da cerimônia, um lauto banquete foi servido no palácio para os convidados.

Frederico e eu combinamos que não viajaríamos e que depois do casamento iríamos direto para nossa Quinta nos arredores de Londres. E assim foi.

Partimos para nosso novo lar, logo depois do jantar...

* Este texto faz parte do livro "Laços...Eternos Laços" que será publicado em breve pela autora.

Arádia Raymon
Enviado por Arádia Raymon em 20/08/2008
Código do texto: T1138142
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