mirabolâncias

Reza a lenda que encontraram ela ainda bebê, roxinha, quase sufocada por algas que a enrolavam, em uma praia na costa norte do Brasil. Alguns anos depois, seu avô, uma figura muito simpática, lhe dava aulas sobre as estrelas no terraço da casa com um telescópio velho, até o dia em que ele teve que voltar pra casa, e ela teve que continuar sua formação científica por conta própria. Seu pai encarregou-se de sua formação artística com livros, peças e filmes assustadores, coloridos e fantásticos, e um quarto com desenhos mirabolantes que a acordavam pra lhe contar histórias de noite. Sua mãe encarregou-se das feminices, os vestidinhos, os lacinhos e os outros inhos. Durante a infância, como passava a maior parte do tempo sem outras crianças, distraía-se entrando no sonho dos adultos ou conversando com seus bonecos, aprendendo a ser só. Mas, quando tinha amiguinhos, levava-os pra passear em mundos paralelos, submarinos, espaciais ou jurássicos, aproveitando para exercer todo seu conhecimento científico da época. Hoje em dia, ela se espanta quando percebe que os amiguinhos que passeavam com ela estão se tornando adultos comuns, e ela morre de medo de estar virando um adulto cinza sem perceber. Por isso ela tenta guardar em muitos cadernos o que ela aprendeu na época mais legal em que existiu, porque o tempo esconde as lembranças, às vezes pra nunca mais achar. Dizem que ela tem um mapa com uma trilha que passa por todos os continentes sem precisar de avião. E só depois de fazer essa trilha é que ela vai se conformar em virar um adulto cinza, mas só até completar uns 80 anos, porque daí, ela já planejou outras mirabolâncias antes de voltar pra casa.