Degeneração

Ele estava passado por um processo de degeneração proposital. Vivia seus dias em uma autodestruição contínua. É como se buscar a morte fosse um objetivo único a ser alcançado. Sentia-se como a águia que ao perceber a mesmice de sua vida, busca o flagelo, sozinha, no mais alto pico. E no silêncio de seu retiro, inicia sua sina. Retira sua casca velha, desgastada pelas pancadas da vida.

A águia, ave de maior longevidade, capaz de viver até setenta anos. Ao se aproximar dos quarenta anos, suas unhas já não possuem mais a destreza de antes, são compridas, moles, não consegue mais segurar firmemente suas presas. Seu bico está curvilíneo, jaó não consegue cortar a carne de suas presas e se alimentar direito. Sente seu corpo pesado, envelhecido, por mais que tente ou deseje, não consegue dar vôos mais altos, ela sabe que só existem dois caminhos e precisa escolher um deles. Ou fica parada, alojada em seu ninho esperando pela morte, ou renova-se em um doloroso, solitário e longo processo.

Então, decidida, ela parte para sua jornada. Procura um bom lugar, um buraco em algum rochedo inacessível as demais criaturas terrestres e se prepara para iniciar uma nova jornada em sua vida. Primeiro bate com o bico sobre a rocha até que se solte, espera crescer um novo e então arranca as penas velhas, sujas, fétidas, uma a uma, todas e então espera que uma nova plumagens, lhe cubra o corpo cansado. Quando isso a acontece então arranca as suas unhas. Espera o tempo passar, novas unhas surgir e então se joga de novo ao ar, em um vôo soberano, para então viver por mais trinta anos.

Ele também precisava passar por essa experiência. Precisava se embernar e se auto flagelar, retirar a casca velha, cuspir a podridão existente em seu interior, acumulada dia a dia, durante anos. Não suportava mais a pressão, estava a ponto de explodir e isso poderia acontecer a qualquer momento. Sabia o que tinha que fazer, e sabia que o que devia fazer iria chocar os hipócritas e respeitáveis falsos moralistas. Não conseguia entender, porque pensava tanto no que iam pensar os alheios, afinal já era um homem feito, e pouco se importava com o que pensavam a seu respeito.

Há se tivesse um pouco mais de coragem. Mudaria completamente seus hábitos. Mudaria de casa, de rua, de cidade, trocaria o número de telefone, o e-mail, os amigos. Mas não era tão forte assim, na verdade era fraco, estúpido, coadjuvantes de sua própria história.

Ali de pé, agora, sozinho, no escuro de seu quarto, a vida lhe passava pela cabeça, como um filme. A infância pobre, os dissabores de sua adolescência, as dúvidas da juventude. Tristezas, alegrias, decepções, vitórias (insignificantes). Uma avaliação de seus sonhos frustrados. Será que ainda daria tempo de realizá-los? Devia tentar? Tivera mais momentos de glória do que de derrotas? Estava tonto com tantos questionamentos.

Tinha pouco tempo. Precisava se decidir logo sobre o que fazer. Via o passado, o presente e o futuro. Que futuro?

Solavanqueou o corpo repentinamente. Sentiu-se balançar de um lado para outro. O ar faltar, os olhos se projetarem, o gosto de sangue na boca. A respiração sôfrega, as mãos frias, doídas, fechando-se fortemente. Os pés esticando-se, buscando o solo, distante. Cerrou os olhos.

Tudo estava consumado.

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 11/09/2011
Código do texto: T3213560
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