Buscopan Composto

A velha casa no fundo do quintal cercado por muro de tijolos à mostra parecia desabitada há anos. Em sua infância evitava passar por ali. Diziam que era mal assombrada. Morava ali uma velha senhora, benzedeira, curandeira, uma bruxa para muitos. A mulher já beirando os cem anos de vida. Caminhava com dificuldade. A mão sempre a se apoiar sobre a coluna enquanto com a outra colhia as plantas para o chá que cura qualquer doença; ou a desfiar o terço, fazendo o sinal da cruz sobre a testa da vítima de mau olhado, depois sobre uma planta que não faria falta, sacudia o rosário para despejar a coisa ruim retirada do corpo que estava sendo bento. Crendices de gente do interior.

Parou no portão de madeira, em ruínas, bateu palmas e esperou pela resposta que não veio. Chamou com voz forte, nada de obter retorno. Ficou indeciso se entrava e arriscava chamar na porta entreaberta ou se ia embora para retornar outra hora, quando visse sinais de presença humana no local. Percebeu de repente que estava receoso de entrar. Riu-se de sua própria ingenuidade. Não acreditava naquelas bobagens que o povo dizia sobre o lugar.

Precisava de uma de raízes de cervejinha do campo para curar-lhe as cólicas de rins que há dias lhe tirava o sono e fora ali para isso. Não seria histórias de bruxas e fantasmas que o faria retornar sem concluir que havia ido fazer.

Abriu o portão e seguiu o trilho de terra batida ainda não tomado pelo mato que se apoderara do lugar. Parou sobre a soleira da porta e pode sentir o bafo quente que emanava do lugar. Um cheiro forte de mofo, coisa velha, apodrecida acompanhava o ar quente criando uma atmosfera ruim. Tocou aporta e fez com que ela se movesse promovendo um ranger de dobradiças enferrujadas. Sentiu um frio percorrera espinha e pode sentir a pele arrepiar-se fazendo os pelos eriçarem. Chamou novamente e assustou-se com o som emitido por sua própria boca. Um som trêmulo, rouco, baixo, como se cauteloso por medo de acordar os mortos. Novamente o silêncio como resposta. Sabia que ninguém poderia ter ouvido aquele grunhido de animal acuado.

Resolveu por fim dar mais um passo. Colocou um dos pés para dentro da casa. Segurou no marco da porta e colocou a cabeça no interior da residência para ver se encontrava alguém. Escuro. Não acreditava que alguém pudesse estar ali. Pigarreou, tomou coragem e chamou mais uma vez, agora em alto e bom som.

___ Posso ajudar senhor? A voz veio por trás dele.

Sentiu a vista escurecer, um arrepio subir pela espinha, a boca ficar seca, as mãos começarem a tremer, as pernas perderem as forças, não sabia se virava para ver quem falava ou se corria para o interior da casa. Estatelou-se, metade do corpo dentro da casa, a outra metade de fora, as mãos no rosto. Aos poucos foi retirando as mãos. Era o proprietário da casa. Em pé a alguns metros de distância, parecia confuso, tentando entender o que aquele sujeito fazia deitado em sua sala. Ficou envergonhado de sua atitude. Sentiu-se um idiota diante da situação. Levantou-se, pediu desculpas e apertou com força a mão de seu interlocutor, mais para ver se era uma mão firme, de gente humana, de verdade do que por cortesia.

___ Tenho tido sérias dores nos rins, já tomei todo tipo de medicamentos e nada deu jeito, me disseram para procurar por cervejinha do campo e fazer chá que o problema será resolvido, por isso vim aqui - disse ao homem na sua frente.

___ Dizem que é um santo remédio mesmo, vamos arrumar, me segue que ta lá no fundo.

Seguiu o homem de perto, passos largos, vez ou outra olhando em volta. Tudo lhe parecia sombrio naquele lugar. O homem abriu uma cancela e passou por um beco que dava aos fundos da casa. Surpreendeu-se com o que viu. Tudo estava na mais perfeita ordem. Canteiros bem arrumados, quintal limpo, plantas verdes e cheias de vida, terra molhada demonstrando que as plantas acabaram de ser regadas. Não se conteve:

___ O senhor é cuidadoso com as plantas, tudo muito bem arrumado.

___ Eu? O senhor está enganado, eu não mecho aqui não. A casa é da minha mãe. As plantas são dela, eu não entendo nada disso aqui.

___ E onde está sua mãe?

___ Morreu faz uns cinco anos.

___ E quem é que cuida da horta medicinal?

___ Ela Mesmo. Toda manhã e tarde ela vem, poda as plantas, revolve os canteiros, varre o terreiro, rega. Ela mesma é quem cuida.

O homem terminou de falar e olhou a sua volta. Estava sozinho. Nem percebera quando o rapaz havia saído, ficou surpreso.

___ Esse mundo ta cheio de gente estranha mesmo, Deus me livre.

* * *

‘Na farmácia o atendente percebeu a entrada rápida do rapaz pálido e trêmulo, ofegante, parecia estar à hora da morte. Se não fosse isso certamente acabara de ver um fantasma.

___ Posso ajudar?

___ Sim, me vê duas caixas de Buscopan Composto

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 27/03/2012
Código do texto: T3578974
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