Questão de ponto de vista

Certo dia, eu estava no salão de beleza. A cabeleireira muito gentil e orgulhosa, afinal estava fazendo o cabelo de uma "celebridade", virou-se para outra cliente, que estava à mesa da manicure pintando as unhas, e disse:

- Você sabia que esta minha cliente aqui é escritora?

- É mesmo?! - disse a outra cliente.

- Sim. Ela já publicou um livro e está se preparando para publicar outro. - falou a cabeleireira com entusiasmo.

A cliente, parecendo bem interessada, me perguntou:

- E sobre o que é o primeiro livro?

Eu, toda vaidosa e empolgada respondi:

- É sobre o amor e a amizade na adolescência. O livro apresenta três histórias: a primeira foi inspirada nas experiências dos meus alunos; as outras duas, foram inspiradas nas experiências dos jovens da minha geração. O que tento passar com essas histórias é que, não importa a época em que se vive, as pessoas experimentam os mesmos sentimentos. Apesar do avanço da tecnologia, os seres humanos continuam os mesmos quando o assunto são os afetos.

-É, parece ser bem interessante. Qual é o título do livro? Quanto custa? - disse a mulher.

Eu respondi:

- "Mexendo no baú". Ele está à venda por R$25,00.

A cabeleireira interferiu:

- O livro é ótimo! Minhas filhas adolescentes também gostaram muito. É um livro para jovens e adultos.

Aí, a cliente nos "jogou um balde de água fria" ao responder:

- Nossa! Mas esse preço está muito caro! Ah, e eu também não tenho paciência de ler. Acho livros um negócio muito chato!

A cabeleireira, me olhando pelo espelho, deu um sorriso sem graça e eu...Bem, eu fiquei calada. Preferi não argumentar. Mas fiquei pensando e fazendo meus cálculos: "Só hoje, essa criatura está deixando aqui no salão R$20,00 do corte, R$45,00 de hidratação e escova, R$15,00 de pé e mão, mais R$5,00 para tirar uns pelinhos da sobrancelha, portanto são R$85,00. Só hoje. Na próxima semana, com exceção do corte que deve ser feito a cada mes e da sobrancelha que não se tira sempre, ela deverá gastar, pelo menos, R$60,00. No final do mês mais de R$200,00 terão sido gastos para alimentar a vaidade. Ah, e vem dizer que meu livro é caro?! Estúpida!"

Cuidar da aparência é um direito. Eu também gosto e não dispenso. Mas cuidar do conteúdo deveria ser uma obrigação. Investir em conhecimento nunca é perder dinheiro, ao contrário, é agregar valores à vida. E não fiquei triste só por não ter conquistado mais uma leitora. Minha tristeza maior foi por constatar que muitas pessoas como ela (e olha que tenho conhecido muitas), perdem a chance de aprender, de evoluir, de se tornarem mais interessantes, simplesmente porque não têm paciência de ler. Que pena!

Mas tudo é uma questão de ponto de vista, não é mesmo?

Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 18/06/2012
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