A professora de Geometria


  Lembro-me de muitas histórias engraçadas que aconteceram quando eu lecionava.
    Eu dava aula de Ciências no Ensino Fundamental e de Biologia no Ensino Médio. A maioria de meus alunos tinha entre doze e dezoito anos. Adolescência. Fasezinha difícil! Para eles e para nós, claro, pobres professores, muitas vezes sem condições de lidar com tantas dúvidas, tantos questionamentos, tantos conflitos, enfim, com o turbilhão de emoções que caracterizam essa fase da vida e que refletem no convívio da sala de aula. Mas eu até que tinha jogo de cintura para lidar com eles. Bater de frente não era a melhor opção. Eu era firme, mas não autoritária. Procurava agir com bom senso, ter equilíbrio, entender que muitas atitudes não representavam necessariamente indisciplina, mas espontaneidade.
    As turmas sempre me escolhiam para ser a professora conselheira, ou representante, o elo entre os alunos e os outros professores, a direção, as orientadoras educacionais, enfim, alguém que falasse por eles e com eles em situações diversas, sempre visando o melhor desempenho pedagógico e o bom convívio dentro e fora da sala de aula.
    Nos Conselhos de Classe eu lia o relatório que era elaborado juntamente com os alunos, onde eles expressavam suas dificuldades, faziam suas queixas ou elogios, solicitavam alguma coisa. Os professores, por sua vez, mandavam seus recados e, naturalmente, eu os emitia aos alunos. E era aí que, dependendo das queixas dos professores, eu tinha que ser muito diplomática, ética e absolutamente imparcial.
    Certa vez, após um desses Conselhos, me dirigi a uma das turmas para dizer que a professora de Geometria havia se queixado muito do comportamento e do desempenho da classe. O resultado do bimestre havia sido muito ruim e a maioria dos alunos havia ficado com nota vermelha. Eles ouviram, calados, minhas argumentações, minha proposta de solução para o problema, mas, em dado momento, um aluno solicitou a palavra:
    - Professora, eu posso falar uma coisa?
    Respondi que sim, e ele:
    - Como é que a gente vai conseguir prestar a atenção na aula da dona Fulana? Ela fica no quadro fazendo retas, ângulos, um monte de números que já é difícil pra caramba, e com aquele corpão que ela tem, desconcentra. A gente se perde naquelas curvas. Não dá, professora. Além do mais, ela é toda dengosa, parece uma gatinha.
A turma, lógico, caiu na gargalhada e eu, também segurando o riso, tive que me conter e dizer para o garoto que ele não deveria se referir assim à professora. Mas ele insistiu:
    - É covardia com a gente colocar uma professora tão linda e gostosa pra ensinar uma matéria tão difícil. Por que não trocam de professor? O de Matemática, por exemplo, é feio, bravo, exigente, aí todo mundo respeita e presta a atenção.
    “Meus Deus, o que dizer?” eu pensei. Na verdade, nem sei o que disse para acalmar os ânimos, porque os outros meninos dizendo que não, que não queriam trocar de professor, e as meninas, mortas de inveja da bela professora, também falavam todas ao mesmo tempo: “troca sim, ela não sabe ensinar direito!”; “eu não quero ser reprovada em Geometria por causa daquela professora exibida!”; “é sim, ela fica fazendo charme para os garotos.” Que situação a minha! Se ela era competente ou não, não cabia a mim julgar, até porque eu nunca procurei avaliar nem interferir no trabalho dos meus colegas, mas que ela era linda, ah, era sim. Era uma morena com traços orientais, cabelos pretos lisos até os ombros, o corpo perfeito, tinha um sorriso encantador, era meiga, educada e muito jovem. Havia se formado recentemente e, de fato, deveria ser difícil para ela ter controle de turma. E os meninos, exalando testosterona pelos poros, como conseguiriam ficar indiferentes a uma mulher tão atraente?
    A questão é que, depois de muitas conversas, consegui fazer com que eles se comportassem melhor nas aulas de Geometria, e sugeri à minha colega que tentasse adotar uma postura mais firme, que não fosse tão “dengosa” para que eles a vissem como professora, como de fato é o que ela era.
   O final do ano chegou e, por algum milagre, poucos alunos ficaram reprovados na disciplina. No ano seguinte, a professora de Geometria foi transferida para outra escola, para desespero dos garotos e alívio das garotas. Como as mulheres são, desde cedo, tão competitivas, não é mesmo?
  
     
 
Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 13/09/2012
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