Sobre o conto que lhes contei baseado numa narrativa a qual me contaram, fui surpreendido com uma revelação incrível.
Numa outra roda de amigos, um contador de causos (e contos) me convenceu de que o conto que me contaram não finalizava exatamente ali onde parecia acabar.
Fatos recentes que o rapaz contador pôde testemunhar, nos bastidores dos contos inventados ou não, me obrigam a apresentar uma segunda história, que seria a continuação do conto.
 
Que conto, Ilmar?
Se você não leu Um conto que deve ser lido sete vezes nem sequer uma vez, clique e confira!

http://www.recantodasletras.com.br/contos/4109165
 
Essa seqüência do conto que agora começarei a contar só foi possível graças ao fato de Félix não haver morrido.
Como?
Que papo é esse, Ilmar?

O contador me garantiu que, chegando ao céu dos felinos, uma análise bastante rigorosa (apesar de demorada) definiu que é contra os "estatutos" doar todas as sete vidas.
A direção celestial concluiu que Félix merecia, independente da sua vontade, desfrutar uma vida extra.
Ficou estabelecido, então, que o gato camarada deveria retomar a vida abandonada há quinze dias.
 
Quando o gato surgiu na cidade dos gatos onde sempre morou, os habitantes estranharam demais a ocorrência.
O próprio Félix não sabia explicar o acontecimento, pois ele não recordava nada o que houve entre o ataque do covarde cão invejoso e a sua volta inesperada.
A gataria sempre viu gatos ressuscitarem. Isso era um fato habitual.
Constatar o retorno miraculoso de quem doou as sete vidas, entretanto, era uma novidade.
Félix estava inaugurando a ação, contudo nenhum outro gato doara antes as vidas extras.
O gato camarada foi o primeiro.
 
Os amigos lhe abraçaram e pediram para o gato querido miar.
Estavam todos saudosos do miado tão fascinante o qual não ouviam há duas semanas.
Quando Félix miou, porém, todos tomaram um tremendo susto.
O miado de Félix estava horroroso.
Qualquer gatinho pouco treinado na arte dos miados superava fácil aquele barulho terrível.
Félix percebeu que ressuscitou com um defeito de fábrica.
O seu dom principal e brilhante foi prejudicado.
 
Os habitantes, confusos e aborrecidos, desconfiaram de Félix.
Alguns propuseram linchá-lo, outros queriam expulsá-lo da cidade.
 
Fizeram uma espécie de plebiscito, decidindo, apesar da revolta geral, manter aquele estranho gato, que deduziram não ser Félix, na cidade.
A partir desse dia, Félix passou a curtir uma vida repleta de sofrimento e amargura.
Ninguém o cumprimentava, ninguém brincava com ele.
Nenhum gato aceitava sua companhia.
Félix começou a perambular pelos “gatobares” da cidade, passando a ficar a maior do tempo jogado nas ruas segurando um prato velho contendo uma mistura de pinga com leite.
O Félix de outrora, camarada e estimado, se transformou num grande desgraçado, um infeliz sem eira nem beira.
 
Mas, com o avanço dos anos, os habitantes começaram a tolerar a presença do “falso Félix”, sempre bêbado, porém ainda nutrindo uma boa dose de diversão e carisma.
Após certo tempo, todos se acostumaram a escutar o novo Félix narrando as aventuras do ex-Félix, ou seja, ele, nos intervalos da boemia regular, falava a respeito do inesquecível gato que miava como um cantor das estrelas felinas.
 
O conto que conto não chega aos pés dos contos sobre Félix que o Velhinho Fé (assim Félix ficou conhecido) contava.
Ele sabia envolver os ouvintes de uma forma magistral.
Se eu não soubesse a verdade sobre a identidade de Félix e do Velhinho Fé, eu juraria, igualzinho à população da cidade, que eram dois gatos diferentes!
 
Já bastante idoso, na iminência do último suspiro, o Velhinho Fé experimentou uma grande alegria antes de abandonar a vida.
O destino parece que guardou uma espécie de ventura final para o nosso amigo e uma lição inesquecível para os moradores da cidade.
 
Numa tarde, recordando as peripécias do Félix camarada, o Velhinho Fé conseguiu “imitar” o miado fantástico com precisão.
Quem testemunhou o episódio ficou deveras comovido e não conseguiu conter as lágrimas.
O Velhinho Fé, o Félix camarada, nada disse.
Ele começou a dançar sorridente rodopiando sem parar.
A emoção tamanha provocou um ataque cardíaco fulminante.
Sua derradeira expressão foi um belo sorriso revelando imensa satisfação.
Félix, o Velhinho Fé, viajou bastante satisfeito.
 
Dessa vez não havia o que lastimar!
Félix, o Velhinho Fé, morreu feliz demais e todos reconheceram que ele muito honrou a sua condição preciosa de gato.
Perceberam a grande injustiça sofrida por Félix, entretanto a Justiça tardou, mas não falhou, permitindo que Félix partisse envolto num clima da mais pura dignidade felina.
Resolveram construir uma estátua homenageando o gato mais camarada que já existiu nas redondezas.
 
Examinando os contos que andaram contando por aí, descobri que nunca contaram um conto no qual citassem tamanha camaradagem de um  gato nem destacando qualquer miado que pudesse competir com o miado de Félix.
Essa conclusão me deixou orgulhoso!
 
* Assim, sem acrescentar novos detalhes, espero definitivamente encerrar o conto sobre o Félix camarada, que virou o Velhinho Fé, que passou a ser um ótimo contador das façanhas do dono de um miado deslumbrante e incrível.
 
Acho que essa conclusão vai agradar, no entanto lamento (e confesso que isso me causa uma frustração enorme a qual não diminui após sete dias) jamais ter conseguido reproduzir o miado de Félix.
Eu tentei, fiz algumas aulas de canto, conversei com especialistas sobre a arte dos miados, peguei alguns macetes, no entanto nunca convenci com o meu “Miau, miau!”.
Que chato!
 
Eu tenho um amigo que não liga para os miados dos gatos, mas curte muito, quando vê uma gata passar, fazer “Uau, uau!”.
O nome dele é Valmir, apelido Val.
 
Nem “Miau, miau” nem “Au, au!”
Val gosta é de “Uau, uau!”
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 07/02/2013
Reeditado em 07/02/2013
Código do texto: T4127613
Classificação de conteúdo: seguro