Há muito tempo atrás, em um vilarejo, uma mulher se viu enamorada por um lobo que caiu em uma armadilha deixada na floresta, e aquele segredo foi algo guardado por ela a todo custo. Todos os dias a mulher saía escondida dos olhares da sua mãe e se embrenhava na vasta floresta para tentar se aproximar do lobo ferido e escondido por ela. Dava-lhe água, alimentos e se chegava mais e mais do animal que era feroz.
 
O tempo foi passando e aquele sentimento só aumentava. Até que em uma noite ela regressou a sua vila satisfeita, cantando alto e se sentindo REALIZADA. Mas o lobo, misteriosamente desapareceu floresta adentro deixando a aldeã aflita. Em pouquíssimo tempo a barriga da mulher começou a crescer, e para que ninguém desconfiasse de sua gravidez, muito menos que a tomasse como meretriz,  embebedou um aldeão e com ele adormeceu.
 
A união foi bem vista por todos, exceto pela mãe do homem, que desconfiava dos modos da mulher e seus passeios às escondidas. E para não entristecer o filho, a outra decidiu morar em uma vila distante de caminho sinuoso que passava dentro da floresta, o que acabou deixando a nora feliz. Então, após o casamento, a nora tratou de fazer doces e levá-los todos os dias até a casa da sua sogra, na esperança de reencontrar seu conhecido lobo.  
 
Mas, como a gravidez seguia apressada, logo as dores do parto começaram e a parteira da vila foi chamada. A mulher deixou de frequentar a casa da sogra e decidiu contar tudo a parteira prometendo, até o que não podia, caso esta a ajudasse de algum modo.
 
A parteira que era conhecedora de alguns mistérios ancestrais, ensinou a mulher a tomar banhos de ervas e conjurar divindades que a protegeriam bem como seu filho.  E para que a criança crescesse como outra qualquer, a aldeã recolheu um manto vermelho o benzeu proferindo runas antigas e dele fez uma túnica a qual o bebê teria que usar como totem protetor.
 
Assim, quando aquela criança estranhamente peluda nasceu, a mulher tratou de vesti-la sempre com a túnica vermelha e o neném (uma menininha), ganhou o nome de Lupina. Lupina logo se mostrou forte e saudável, e por se vestir sempre de vermelho passou a ser chamada por todos de: menina da túnica vermelha.

A garotinha era muito bonita, mas recusava os braços do pai chorando alto todas as vezes que este chegava perto. Gostava de correr e subir nas árvores não temendo a altura, mas crescia desejando algo que não sabia o que era.

 
A mãe e a filha eram muito unidas e passavam horas passeando pela floresta, mas o homem se sentia deslocado e dessa forma, começava a definhar em profunda tristeza. Em uma tarde, quando Lupina ainda era muito pequena, aquele que aprendera a chamar de pai, morreu. Por algum tempo ambas ficaram muito entristecidas. A sogra, por sua vez, adoeceu e recusou a visita tanto da nora quanto da neta.
 
*******
 
Anos depois, quando Lupina tinha 12 anos de idade, sua beleza passou a despertar cobiça nos aldeões, e logo, eles passaram a cortejar a mãe com o intuito de se chegar à filha. A menina parecia ser bem mais velha, era alta e esbelta, tinha os cabelos muito negros e volumosos, e a túnica, agora ficara pequena e se tornara um capuz não deixando de ser usado em nenhum momento. Em pouco tempo a mulher já estava casada novamente, o homem era um forte lenhador, mas este também elogiava a beleza de Lupina dia e noite deixando a mulher profundamente enraivecida.
 
Em uma tarde, chateada com tantos paparicos para com a filha, a mãe resolveu fazer alguns doces e pediu para que a menina levasse até a casa da sua avó, não se importando com o perigo que a floresta poderia oferecer.
 
Lupina saiu alegre, era a primeira vez que andaria para tão longe sozinha e no fundo, sentia saudades de rever sua avó. Seguia saltitando e colhendo amoras no caminho, o clima sombrio que as copas das árvores tão coladas umas nas outras proporcionavam não lhe deixava amedrontada, pelo contrario, Lupina ficava mais feliz e até cantarolava sentindo a umidade do vento.
 
“Pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar esses doces para a vovozinha”
 
Dentro dos seus devaneios pueris ouviu alguém chamar e quando se voltou lá estava seu padrasto, o lenhador, a enchendo de caricias e perguntas.
 
- Chapeuzinho vermelho! Você está tão crescida que esta vestimenta não passa de um chapéu não é mesmo? Eu a vi de longe. Impossível não notar este chapeuzinho tão encarnado em meio à floresta.
 
As mãos tocavam em seu ombro. Lupina não entendia o porquê daquele olhar malicioso a esquadrinhando, mas não gostava nenhum pouco do que começava a sentir: MEDO.
 
- Nossa! Que olhos grandes você tem... Que pele macia... e ... - Lupina se afastava daquelas caricias e dizia.
 
- Eu preciso ir agora, vou até a casa da vovó e...
 
Mas o homem era bem mais forte que ela e tentava mantê-la junto puxando rudemente o corpo da menina que chutava e retirava as mãos ágeis e invasoras. Usando de toda destreza que sua idade lhe proporcionava, a menina enfim conseguia desvencilhar-se das investidas, correndo dentre a relva e saindo da trilha. Nas mãos do lenhador a única coisa que ficou foi o pequeno capuz vermelho.
 
********
 
Lupina, que pela primeira vez ficava sem aquele adorno vermelho por um longo período de tempo, sentia algo estranho dentro de si, entretanto, o medo ao ouvir aquela voz grossa ecoando a fazia soluçar e enxugar o rosto com o dorso das mãos.  Rapidamente sentiu o corpo aquecer e tentou se aproximar de um regato próximo, mas a poucos metros deste, sentiu as pernas falharem e desabou permanecendo de bruços sobre a liteira.  
 
Novamente voltou a escutar o chamado meloso e cheio de desejo, e rezou para que as forças retornassem.
 
- Ah! Encontrei você, não tenha medo eu...

A voz interrompeu, o homem estacou pálido frente a algo vindo por detrás de Lupina. A menina escutou seu balbuciar e antes que pensasse em olhar para trás, viu patas enormes junto ao negrume cobrindo-a. Os sons de fera estremecia o solo, mas o alvo não era a menina.
 
O ataque foi veloz e não permitiu qualquer reação, a garota foi somente expectadora da fera negra que correu sobre o corpo do lenhador imóvel. Os gritos ressoaram longe e os grunhidos diversos também. O sangue respingou sobre a folhagem seca e tornou a pelagem da fera negra mais negra. Os caninos brancos na boca voraz balançaram de lá para cá destroçando as carnes.  
 
A menina se ergueu com dificuldade em prévia de fuga, mas um frenesi dominou o seu corpo a fazendo sentir que aquecia em enormes profusões, ouvia a pele ceder lhe fazendo gritar alto e as garras rompiam os dedos ao passo que a tonalidade da visão mudava. Tudo se tornava preto e branco.
                                                      
Logo, o grande lobo a sua frente se aproximou e lhe lambeu o dorso carinhosamente, Lupina não temeu, de alguma forma sentia naquele toque alguma familiaridade. Os dois fitaram-se longamente e antes que os aldeões se chegassem guiados pelos gritos de outrora, dois Canis lupus negros observavam seu belo reflexo na plácida água diante ambos, uivaram brevemente e desapareceram para sempre na densa e vasta floresta.
 
A mãe de Lupina guardou consigo o capuz de sua única filha, provinda de um amor louco entre um humano e um lobo.
 


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Contadores de Histórias
Enviado por Contadores de Histórias em 28/04/2014
Reeditado em 26/05/2014
Código do texto: T4785957
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