“A estrada para o Hades é fácil...”

“...tanto é assim que se vai para lá de olhos fechados.” A veneranda aluna do curso de Filosofia não conseguia apagar de sua mente o pensamento do filósofo cínico Bíon. Com o livro sobre a vida e obra dos filósofos da antiguidade grega abraçado ao peito, ela pensava na passagem do tempo. Milênios se passaram e lá estava ela lendo sobre as ideias do Bíon que viveu no século III A.C.! Ela, uma universitária em seus 80 anos, fã de Epicuro que pregava que nunca era cedo demais nem tarde demais para começar a filosofar, encantava-se em conhecer este Bíon.

O pobre teve uma velhice triste pois adoeceu e não tinha ninguém que cuidasse dele. Ainda bem que Antígonos, o rei da época, o auxiliou. É que o Bíon dizia para quem quisesse ouvir: “A velhice é o porto dos males.” Claro, segundo a Lei da Atração, foi isso o que ele acabou atraindo para si. Mas o coitado, provavelmente (???) não conhecia nada sobre física quântica, não é?!

Saindo de seus devaneios filosóficos, ensaiou um retorno à leitura do seu precioso livro. Foi, entretanto, interrompida pela entrada abrupta de sua filha na sala de estudos. A moça, com sua cuia de chimarrão na mão, atirou-se numa poltrona e encarou a mãe com um pedido no olhar para fazer um desabafo. Contou para a mãe que estava desanimada, preocupada, pois tinha prazo para entregar seu trabalho, mas a inspiração não vinha de jeito nenhum. Ela detalhou sua ansiedade e como afetava sua saúde, nem dormia à noite. A mãe escutou-a com atenção, fez sugestões, até que resolveu quebrar a linha das energias negativas contando para a filha umas curiosidades sobre suas leituras. A filha, de início, resistiu. Porém, à medida que a mãe prosseguia o interesse a fisgou.

- É isso aí, mãe! Estou tendo uma inspiração fenomenal. Será incrível!!!

Beijou a mãe agradecida antes de correr para o computador e dar início imediato a sua tarefa. A mãe, morrendo de vontade de ver a produção da filha, voltou finalmente a seu livro.

Não demorou muito, no início da noite, a filha correu até a mãe com as folhas de papel na mão. A moça vibrava com o que acabara de compor: o samba-enredo da escola de samba para o desfile de Carnaval do próximo ano.

Lá vai, lá vai, lá vai ela!

Lá vai a crise na passarela...

A coisa tá danada,

Acabou a tal barbada.

É isso aí, meu povo!

Tá tudo pela hora da morte

Pagar conta é só pra quem tem sorte!

É por isso que eu digo e repito:

A estrada pro Inferno é fácil...

A gente vai pra lá até de olhos fechados!

E lá vai...

Lá vai ela!!!

Lá vai a crise na passarela...

* A primeira vez que eu li este meu conto foi no Sarau Perfumado da Associação de Contistas, Poetas e Cronistas Catarinenses (ACPCC) em Janeiro/2017. Ana Esther