BACTÉRIA ILUMINADA

Amo pessoas alegres, otimistas e que ainda carregam uma criança no seu interior. Amo pessoas bem humoradas... Não tem coisa melhor, principalmente no ambiente de trabalho, do que conviver com gente de bem com a vida, independente de qualquer outra coisa, a
doro gente e não rótulos.
Nesse dia eu que sou humana e não tenho vocação para santa, nem mesmo pretenção, estava mal humorada. Estava sim e prestes a passar uma noite, inteira,
 sozinha no plantão porque a colega de escala havia faltado ao trabalho sem prévio aviso para que se providenciasse alguém para a substituir.

Quando a supervisora do plantão chegou e perguntou quem era a colega do meu turno, respondi com boa carga de azedume (naquele momento eu me sentia nesse direito):
-Estou sozinha e comunico-lhe que se não vier alguém para me ajudar paro tudo e volto para casa... Não trabalho sozinha. Eu estava brava! Tsc, tsc! Gente, eu trabalharia sim sozinha, já havia acontecido fatos semelhantes e dei conta sozinha, só que era muito, muito cansativo e eu estava me sintindo no direito de destilar um veneninho.
A supervisora me olhou, pacientemente, e disse:
-Vou ver o que faço. Se não conseguir alguém venho eu mesma ajudá-la. Claro que ela não conseguiu e acabou tendo que passar toda a noite me auxiliando, o que, por sinal, foi gratificante. Ela era divertida, bem humorada, comunicativa, enfim, um encanto de pessoa.
Lá pela madrugada a
Supervisora diz:
- Vou tomar um café... E vai!


E volta da copa com o seguinte relato:
Jade, a coleguinha novata, que estava na função “tapa-buracos”, foi quebrar o galho na copa. Ela havia feito o café e na hora de colocar o bendito líquido na garrafa térmica esta se recusava a ser aberta. Quando a Supervisora chegou à copa se deparou com a cena: Jade, que era uma mulher bastante forte, tanto em estatura como em peso, estava esbaforida, agarrada à garrafa, tentando abri-la de todas as maneiras, mas sem nenhum sucesso.
- Não consigo abrir essa garrafa, já fiz de tudo, acho que aqui só mesmo uma picareta... Choraminga Jade ao ser pega pela Supervisora naquela situação vexatória.
Bom... Sabe como é... Hospital público, poucos recursos. A garrafa já bem utilizada, em fim de carreira era fechada com ajuda de umas ligas (daquelas de prender dinheiro) e Jade não observou esse detalhe. Daí a Supervisora, conhecedora do segredo "garrafal", tirou as ligas e o tal objeto se abriu como na mágica do Aladim, só não saiu o gênio de lá de dentro. Deve ter ficado para pregar peças em outras pessoas.
Jade ficou inconformada com o acontecimento, mas a Supervisora prometeu que, sendo uma pessoa muito discreta, não contaria a todo o mundo, só aos que estavam no plantão e outros tantos que encontrasse pelas ruas. E assim foi. A Supervisora era mulher de palavra! A resenha se espalhou rapidamente e foi motivo de muitos risos durante a noite toda.
E o tempo passa e vem o amanhecer. Lia, a “rendeira” da Jade chega e vou correndo para a copa, adoro a Lia e não troco o café dela por nada. Chegando lá, evidentemente, vou logo contando a história da Jade e a garrafa e começando o escárnio, no bom sentido, lógico.
Nisso pergunto:
-E o café Lia?
Ao que ela responde:
-Hoje é nescafé, espere a água ferver.
Não gosto de nescafé, mas por falta de opção e depois de uma noite acordada, até água morna com açúcar seria aprazível ao meu paladar.

Então peço a Lia:
-Põe aqui um pouco de água, preciso de algo quente no estômago.
Lia responde:
-A água ainda não ferveu, tem bactérias, vai esperar mais um pouco até ferver!
Nisso a Jade começa a recitar um discurso interminável, que nunca esquecera, de quando trabalhava numa empresa que vendia filtros para água:
-As bactérias... Blá, blá ...Vêem a luz... Blá, blá...
Bom, só foi o que consegui entender porque chegou paciente (este não pode esperar) e tive que sair correndo para atendê-lo, perdi completamente o fio da meada do discurso da Jade.
Logo depois volto com um apelo:
-Jade, me explica esse negócio de quando as bactérias vêem a luz...
Jade cai na risada e repete o discurso que não tem, absolutamente, nada a ver com bactérias que vêem a luz. E a resenha foi grande e lá estava eu na berlinda. Que vexame!

Jade começa a contar  para todos que chegam à copa. Nisso vem a Supervisora e minha vergonha é contado mais uma vez, e todos se riem a não poder mais e eu também, óbvio...
Já em seguida alguém me chama novamente... Plantão é assim, a gente não tem muito sossego... Tive, novamente, que abandonar a conversa às pressas.
Então vou me afastando e ouço a Lia dizer:
-Essa mulher é uma abençoada!
Olho para trás e respondo:
-É... Sou mesmo uma bactéria iluminada.
Sem mais comentários... Jade prometeu que só ia contar meu novo apelido à torcida do Flamengo, porque sou flamenguista e ela respeita muito minha opção.
Bactéria iluminada... Por um bom tempo vou pertencer a esta colônia... (Risos).

 

 

 

Ceiça Lima
Enviado por Ceiça Lima em 03/02/2010
Reeditado em 17/08/2022
Código do texto: T2067327
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