O EGÍPCIO - Aventuras na velha Itália

O EGÍPCIO - Aventuras na velha Itália

Numa tarde do início de outono, no hall do mosteiro que nos abrigou, em C’otrebbia Nuova, comune de Calendasco – Piacenza, apareceu um cara forte, moreno, muito cordato que perguntou por Don Giuseppe. Disse-lhe para esperar e fui aos aposentos do padre, avisá-lo da visita e ele prontamente veio atendê-lo.

Aquele homenzarrão, de uns cento e dez quilos e estatura mediana, postou-se frente ao padre e beijou-lhe a mão. Conversaram em italiano, com palavras mistas de italiano com árabe, e por fim, Don Giuseppe combinou alguma coisa com o cidadão, que veio despedir-se de mim, com toda a polidez. Perguntei o que ele procurava e disse-me que viria morar na garagem que estaria desocupada por um italiano que viajara para a África como missionário, para trabalhar nas comunidades mais pobres, em nome da Igreja Católica.

E assim foi. No dia seguinte, veio o Marha, de mala e cuia, em sua moto, e instalou-se na garagem que fica nos fundos do antigo mosteiro, vizinho do salão de festas da Casa Paroquial.

Ficamos amigos. O Marha era um bom sujeito. Contou-nos sua vida. Há quinze anos na Itália, apenas por duas vezes voltara ao Cairo, onde residia a sua família. Seus pais, ainda vivos, moravam com seus oito irmãos e irmãs, cada qual com suas mulheres, maridos, filhas e filhos, incluindo-se a esposa de Marha com seus quatro filhos. Na Itália, Marha ganhava mil euros por mês. Gastava quatrocentos e cinquenta e enviava os quinhentos e cinqüenta para sua família que somava 38 membros, morando numa só casa. Ele dizia que os homens da família trabalhavam, mas os salários médios eram de cerca de 20 dólares por mês, o que não dava para sustentar a família. Ele se aventurara na Itália e somente voltara em casa por duas vezes. A última, fazia três anos!

O Marha era um cara farto. Comprava uma carne aparentando um churrasco grego, uma mistura de vários tipos de carne bovina. Trazeira e vísceras bem acondicionadas, que tinham de ser separadas e guardadas em geladeira para não perder. Segundo ele, seus patrícios trabalhavam num mercado em Piacenza e conseguiam um preço bem barato para ele. Aquele mundo de carne, cerca de 15 quilos, saía pelo preço de dois quilos da carne, cerca de 20 euros. Também trazia o pão árabe e o creme de grão de bico.

Como o outono teve uma precipitação pluviométrica rápida e a temperatura baixou muito, era impossível que o Marha continuasse a viver na garagem. Conversamos com o padre que nos deu um ‘não’ vociferando que não queria o egípcio em sua casa. O tempo piorou e o pobre homem adoeceu, acometido de uma espécie de pneumonia, com febre alta e tosse. Estivemos perto dele e seu estado febril nos preocupou. Tínhamos remédios anti-térmicos e antibióticos que passamos a ministrar ao Marha, mas sua febre não o deixava. Chamamos a atenção de Don Giuseppe que o rapaz poderia sucumbir de pneumonia e conseguimos convencê-lo a deixar o egípcio passar para o interior da casa, onde as condições de temperatura eram suportáveis. E assim, o amigo egípcio melhorou e pode voltar ao trabalho, uns dois dias depois. Daí por diante, ele passou a viver no interior do mosteiro, no andar de cima, juntamente com um outro hóspede de nome Silviu, que era da Moldávia e que estava conosco a mais tempo.

No início de dezembro de 1997, tivemos que voltar para o Brasil, tendo em vista que o frio aumentara por demais e nossa estada na Itália, apesar de grandes personalidades que conhecemos, chegara ao fim.

O Silviu, é perito em movelaria e o Marha é trabalhador braçal. Que será desses dois homens? Espero que estejam bem, pois nosso contato já não existe. São dois cidadãos de bem à procura de vida digna. Como a situação financeira da Europa não vai nada bem, fico a cismar como os dois amigos poderão estar neste exato momento! Que Deus os ajude!

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 02/06/2010
Reeditado em 23/01/2018
Código do texto: T2295398
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